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[135.] - Portugal Telecom

«Limitar a simbologia nacional deste anúncio ao hino é um erro crasso. Além da Portuguesa, o reclame transporta inúmeros outros símbolos e ícones visuais totalmente identificados com o país num sentido patriótico: a baixa pombalina, o Largo D. João da Câm

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O actual anúncio televisivo da PT com o hino nacional não precisa de mensagem vocal. Usa apenas a música da Portuguesa numa versão instrumental lenta com a melodia tocada ao piano sobre imagens carregadas de simbolismo e umas legendas sobre elas. Começa com uma rapariga abrindo uma janela num lugar pombalino para um dia de sol. Depois vão-se vendo clientes, empregados e beneficiários da política de responsabilidade social da PT, todos em Lisboa, capital-símbolo de Portugal.

A maior parte das personagens olha para a câmara, para nós. Todos se vão pondo em pé, como se fosse por causa do hino (ou como se fosse por causa da PT), como se estivessem a ser chamados pelo hino (e pela PT) a caminho da cena final do anúncio.

Enquanto decorre a narrativa, as legendas dão conta dos serviços e da expansão da PT. A última legenda serve para justificar o uso do hino e a identificação com o país: «A empresa privada que mais investe em Portugal». No reclame, Portugal corresponde-lhe, amando a PT. Esta legenda surge quando se vê a torre de comunicações de Monsanto com os dois símbolos que o anúncio pretende unir: inscritas na barriga da torre estão as letras e as cores da PT e no varandim mais abaixo, uma série de pessoas segura uma enorme bandeira nacional.

Começando de manhã, o anúncio termina ao pôr-do-sol com uma fila de pessoas de mãos dadas junto ao Tejo, ao lado do Padrão dos Descobrimentos, as tais que de alguma forma se pressupõe que responderam ao apelo do hino (e da PT). Este plano final começa vendo-se ao fundo a Torre de Belém e termina com o símbolo da PT sobre as pessoas unidas à beira-Tejo. Estas pessoas de mãos dadas simbolizam a comunidade nacional unida. Neste caso pela PT.

Entretanto, o hino toca em crescendo instrumental. Devido à dimensão do anúncio, está cortado o refrão, faltando a melodia que corresponde ao verso final, «Contra os canhões, marchar, marchar». Este corte torna a audição um pouco frustrante. Com mais cinco segundos respeitava-se a integridade do hino. Todavia, o anúncio é emocionante. A manipulação emocional está perfeitamente concretizada. Não entendo as críticas à versão musical, que me parece bonita: o piano, os instrumentos de arco em «pizzicato», o instrumento electrónico fornecendo um baixo contínuo, como se fossem vozes, e, no final, uma ligeira percussão.

Limitar a simbologia nacional deste anúncio ao hino é um erro crasso. Além da Portuguesa, o reclame transporta inúmeros outros símbolos e ícones visuais totalmente identificados com o país num sentido patriótico: a baixa pombalina o Largo D. João da Câmara entre o Rossio e os Restauradores, reconhecendo-se o Teatro Nacional D. Maria II, a Ponte Vasco da Gama, a Gare do Oriente, o Panteão Nacional, o mapa de Portugal (num ecrã olhando para o qual trabalhadores se levantam), a palavra Portugal num cachecol, a bandeira nacional, a foz do Tejo e a Torre de Belém. Isto é, cerca duma dúzia de símbolos e ícones nacionais.

Podia ainda referir uma paisagem rural típica do país, o edifício Marconi, a torre de Monsanto e o Padrão dos Descobrimentos, que não se vê mas se imagina no contracampo. Nunca um anúncio foi tão longe na identificação de uma empresa com Portugal. Do ponto de vista técnico e ideológico, bem como na provocação emotiva, o anúncio está, portanto, impecável.

Este anúncio remete para um da Galp apresentado por altura do Euro 2004. Nesse, era extensivo o uso da bandeira nacional e da simbologia da Selecção Nacional (Luís Figo incluído). Há uma ligação directa entre esse anúncio da Galp e este da PT através da presença neste último de dois indivíduos com cachecóis da Selecção num edifício (um estádio?). O reclame da Galp foi muito louvado em 2004. Não tinha o hino, tinha a bandeira nacional, muitas bandeiras nacionais. A frase final desse anúncio era tão patrioticamente abusiva como qualquer utilização de símbolos nacionais: «Se a Galp é número um em Portugal, Portugal também pode ser número um.» Como se as qualidades do país (ali associado à Selecção Nacional de futebol) decorressem das capacidades de uma empresa privada em ser número um no país.

Mas a época em que foi apresentado o anúncio da Galp coincidiu com a excitação colectiva em torno das vitórias da Selecção no Euro 2004. O aproveitamento oportunístico de símbolos nacionais só se colocou agora com este anúncio da PT e por usar o hino. Porquê? Porque passou o momento da exaltação nacional que tornava aceitável o mesmo oportunismo que agora se verifica. Porque o uso da bandeira está mais banalizado do que o do hino. Porque os outros símbolos usados (Torre de Belém, etc.) estão «abaixo» no patamar da consagração institucional simbólica do país. Porque o hino é reservado para uma utilização colectiva, muito sentida e emotiva. E porque é a primeira vez que se usa o hino em publicidade.

Tal como sucede com a campanha da Renova usando uma mensagem de Jesus Cristo para publicitar a empresa, também neste caso se pode debater o uso de um símbolo consagrado pela Constituição para vender a imagem de uma empresa privada, como a Renova. Eu tendo a considerar que é um oportunismo excessivo, porque estas empresas apropriam-se de valores espirituais da comunidade (cristianismo, pátria) para valorizarem a carteira dos seus accionistas ou proprietários. Fazer-se isso não é pouco quando as sociedades pós-modernas, pós-sagradas e tão democrática e civilizacionalmente divididas vão tendo poucos valores com que a maior parte da comunidade se identifique.

Mas é necessário considerar que, a par do oportunismo da empresa, neste caso a PT, pode não haver consequências negativas pela utilização desses valores. Pelo contrário, o uso do hino nacional e dos outros símbolos nacionais no anúncio pode realçá-los e confirmá-los, pode acrescer o patriotismo e pode até, por paradoxo, ser menos vantajoso para a PT do que para Portugal.

Na verdade, o anúncio é emocionante, bonito, mostra coisas bonitas do país e mostra pessoas serenas e confiantes. Quem sabe, talvez o espectador veja este anúncio como a um hino nacional ilustrado (que a RTP deixou de ter há anos no fim da emissão), talvez o espectador desvalorize a empresa que, tentando com oportunismo associar-se tão totalmente ao país, fez um anúncio em que o hino e o patriotismo acabam por esmagá-la por KO. Os portugueses são quase todos grandes accionistas de Portugal, e quase nenhuns são grandes accionistas da PT. É nessa sua singela circunstância que vêem o anúncio.

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