Opinião
(130) Mazda, Mon Chéri, Ferrero Rocher, Euphoria
Quando há uns 15 anos visitei Orlando, na Florida, um taxista disse-me o mesmo que devia dizer a todos os turistas: que as pessoas chegavam ao Disneyworld como o Mickey e saíam de lá ao fim de uns dias como o Pateta.
Com o Natal acontece o mesmo: é difícil aguentar tantas semanas de publicidade natalícia infantilizada. Um anúncio do Mazda 3 conseguiu mesmo antecipar em mais de dois meses o «espírito de Natal», anunciando em Outubro com letras garrafais na imprensa: «Feliz Natal». A marca estava numa de oferecer «3 meses grátis».
Terá o anúncio funcionado? As pessoas desconfiam do Natal antes de tempo. Lembrou-me um desenho animado em que uma série de bichos tentava entrar em casa do gato Silvester para lhe comer um passarinho. Um dos intrusos conseguiu mesmo entrar, pois vestiu-se de Pai Natal e fez «oh oh oh!». (Mas o gato descobriu a marosca porque olhou para o calendário e viu que estavam no mês de Julho!)
A infantilização da publicidade no Natal tem efeitos terríveis. Que dizer do anúncio dos bombons Mon Chéri? Acaba a festa. O casal debate a sós qual deles fica com o último bombom. Eis que regressa um dos convivas: esqueceu-se das chaves... vê o Mon Chéri e come-o. É narrativa a mais para tão pouco.
Além de Mon Chéri, a Ferrero também acentua no Natal a sua campanha dos bombons Ferrero Rocher. Eu espero sempre com expectativa o regresso da Senhora e do Ambrósio, mas tenho ficado desiludido. Não há amor como o primeiro. O primeiro anúncio da Senhora e do Ambrósio era genial, o segundo (com a pintura) de simbologia impenetrável e este terceiro fica a meio caminho. Mas, sendo um anúncio da Senhora e do Ambrósio, vale sempre a pena ver. Nesta sequela, a Senhora volta a tocar ao de leve no braço do Ambrósio, o que constitui o mais erótico momento da época publicitária natalícia. Bastante mais erótico que os regressados reclames de perfumes e águas de cheiro como o do Euphoria, de Calvin Klein. Nele sugere-se às mulheres que, usando-o, arranjam parceiro e atingem o orgasmo. Se o leitor não acredita, veja com atenção a sucessão de planos: a sobreposição dos corpos, a fusão das águas do mar (dos líquidos corporais), a explosão da flor que desabrocha... O slogan do perfume, «vive o sonho», evita-lhe ter de dizer: já que não arranjas parceiro, usa este perfume...
O anúncio do cheiro para homens Polo Black concentra a longa narrativa do reclame televisivo no macho a quem a observadora deverá oferecer esta água de Ralph Lauren pelo Natal. A longa narrativa (mais uma), com um modelo masculino um bocado canastrão, destina-se a mostrar um sonhado encontro sexual. Essa cena surge como que interpolada na viagem de automóvel do macho até casa «dela», isto é, da observadora do anúncio. Ele entra nela, portanto. O anúncio é todo a preto e branco (que chique!), ao qual se acrescentou um toque de vermelho, a simbolizar a paixão erótica.
Mas este ano o prémio da debilitação intelectual da publicidade natalícia vai para a TV Cabo e o seu anúncio do pacote Funtastic Life. Note-se que o nome do pacote também já aponta para uma certa falta de acerto: perceberão os clientes que o «erro de ortografia» representa uma gracinha (fun+fantastic=funtastic)? Um plano geral mostra um coro formado por personagens próprios de diferentes canais de TV, dos atletas aos extra-terrestres. O coro canta a mais irritante música de Natal portuguesa, quiçá do mundo inteiro: «Para todos um Bom Natá-á-á-á-al, para todos um Bom Natá-á-al». A canção mudou para «Bom Canal», sublinhando que o conjunto das pessoas se satisfaz porque há um canal para cada uma delas.
Muito mais interessante, pela simplicidade e eficácia, é o anúncio dum rapaz numa loja Vobis que ao ver um preço fica de boca aberta e diz para quem está ao lado: «dá para acreditar neste preço?». Ao seu lado está o Pai Natal. Dá para acreditar no preço e no Pai Natal, portanto.