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(128) – Renova

Se o Millennium bcp mostra obras religiosas cuja recuperação pagou porque não poderia a Renova ilustrar publicidade com as bem aventuranças de Cristo no Sermão da Montanha? Com esta comparação, Paulo Pereira da Silva, presidente da Renova, procurava respo

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Mas não é a mesma coisa. O Millennium bcp não apresenta imagens por serem religiosas mas porque o mecenato permitiu recuperá-las. Já a Renova usa a mensagem religiosa na sua nova campanha.

Trata-se duma questão ética. O que pretende a campanha, divulgar as bem aventuranças ou promover a Renova? Não se trata de um aproveitamento artístico, cómico ou oportunístico da mensagem religiosa, como noutras campanhas, mas de uma genuína adesão do presidente da Renova a essa mensagem. Todavia, essa intenção positiva, embora subentendida, não faz parte da mensagem publicitária. Em última análise, uma campanha publicitária serve para promover uma marca usando os valores implícitos ou explícitos, sejam eles religiosos, como é o caso, ou profanos, como são quase sempre (erotismo, amor, beleza, hedonismo, etc.).

O que está apenas em causa é o uso, não de valores, mas de valores religiosos, do domínio do sagrado, consensualmente considerados como um último reduto, «inegociável», da espiritualidade. Nas normas não escritas da sociedade, tudo é relativo, pelo que as fronteiras são móveis. Por princípio não se aceita o uso de determinados valores na publicidade, muito embora se possam aceitar vendilhões à porta do templo, enriquecendo com a venda de imagens sagradas. Não importa aqui, porém, essa diversidade de preconceitos e estereótipos na sociedade. Importa apenas o direito duma empresa comercial apor o seu logótipo no canto inferior esquerdo de imagens apologéticas. Não ajuda o facto de a Renova ser fabricante de papel higiénico, quer dizer, de um produto ligado à sujidade corporal (mesmo que para a limpar).

Em França, um tribunal decretou que esta campanha não poderia expor-se no espaço público (»outdoors», metropolitano), só na imprensa. Já analisei noutros casos esta diferença criada pela exposição duma imagem no espaço público ou no espaço privado. O tribunal considerou o uso das bem aventuranças como parcialmente ilegítimo, ou se se quiser, temeu pelas consequências sociais desse uso no espaço público.

O que poderá chocar não é a presença de valores religiosos no espaço público. Eles estão em todo o lado, a religião vive nele com os seus templos e monumentos. Poderá chocar a ligação à venda de produtos sem relação com os valores religiosos. Desconheço qualquer protesto ou queixa pela presença das bem aventuranças na publicidade da Renova em «outdoors» em Portugal, silêncio que contrasta com protestos com a publicidade natalícia do Amoreiras Shopping em que se representava a Sagrada Família com uma alface no lugar do recém-nascido Jesus. A campanha da Renova distingue-se dessa por não brincar com a mensagem, como poderia parecer a do Amoreiras, e pelo facto de as bem aventuranças serem menos conhecidas, menos interiorizadas, e, como refere o autor das fotos, por não fazerem parte da imagética cristã, dado que tendem para a abstracção. 

Em resumo, esta campanha é feita com uma intenção positiva, o aproveitamento da mensagem religiosa não pretende diminuí-la mas valorizar a sua dimensão humanística; todavia, a ligação desses valores à publicidade comercial permanece questionável, pois a Renova, ou o seu presidente, se queriam divulgar esta versão das bem aventuranças no espaço público pelo seu valor intrínseco, poderiam sempre fazê-lo sem mencionar a marca Renova no canto inferior esquerdo.

Fica feita a reflexão sobre a envolvente ético-social. Falta analisar a campanha. Será na próxima semana.

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