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[106.] BT, Adagio, PT, Renault, Ford, Peugeot

Um anúncio da British Telecom transforma o trabalho e a comunicação num sonho. As pessoas e as suas actividades económicas realizam-se em espaço aberto, no céu, mesmo acima do topo de uma grande cidade. As pessoas voam. As coisas voam.

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Pessoas e coisas contactam umas com as outras, transformam-se à medida que voam de lugar em lugar, dão piruetas quando chegam a um novo departamento. A câmara que filma também voa. O estado de imponderabilidade que ocorre no anúncio é o mesmo que acontece nos sonhos, nos mitos com deuses, nas histórias de anjos e de super-heróis, nas histórias como a de «Peter Pan», nas «Asas do Desejo», em filmes e em séries (como «Donas de Casa Desesperadas») com almas mortas sobrevoando o nosso mundo. Como todas essas histórias e sonhos, o anúncio da BT tira um peso dos ombros a quem vive dificuldades nas comunicações da empresa. Ali, tudo voa, esvoaça, sobrevoa, leve como uma pena. Não há problemas, só soluções.

A leveza voadora é recorrente na publicidade, reforçando a sua existência mitológica e a sua inscrição no imaginário profundo. Detergentes e até pesados jipes fazemnos voar. O iogurte Adagio, quando se experimenta, provoca levitação em posição de ioga ao som de Ella Fitzgerald cantando «Cheek to Cheek», de Irving Berlin: «Heaven, I’m in heaven / And my heart beats so that I can hardly speak...» O sabor é tão bom que não se consegue falar (só o anúncio fala) e sobe-se ao céu. Dura um instante, como o primeiro golo da Sagres Bohemia. Uma empresa parente da BT, a Portugal Telecom, apanhou boleia da prima e aproveitou a ideia do espaço livre do anúncio referido (presença habitual no Eurosport) para fazer um seu reclame televisivo sobre a suas «Soluções PT Casa Segura». Tal como o anúncio da BT, também este émuito conseguido visualmente: as casas não são só quatro paredes, diz-se, e vê-se. As casas sem paredes, cheias de luz, ficam junto ao local das férias com todo o recheio iluminado pela luz do sol. À vista do seu dono – mas também à vista do ladrão!

Será possível que os publicitários tenham feito um anúncio para defesa da casa em que todo o seu recheio está à vista de todos? Quiseram fazer um anúncio bonito e chegaram à ideia contrária da que pretendiam passar. Carros. O que é que o seu carro tem que o meu não tem? Os anúncios chamam a atenção dos novos equipamentos, motivando emoções e sentimentos mistos, como a inveja e o desejo. O DVD nos lugares traseiros dos automóveis é o «gadget» do momento, tema principal de anúncios da Renault Espace, do Peugeot 206 SW e do Ford Focus C-MAX. Qualquer deles apela à dimensão cinematográfica do aparelho. O reclame do Focus coloca o ecrã de DVD que equipa o carro numa sala de cinema. A situação é invertida: em vez do DVD no carro, vê-se o carro no DVD. O Focus é a estrela do «filme» do DVD que equipa o Focus.

O anúncio do Peugeot prefere mostrar que a experiência de andar no carro é a mesmaque a da sala escura: os bancos traseiros estão cheios de restos nojentos de pipocas como os que hoje se pisam nas salas. O reclame da Renault insiste no conceito de espaço exterior: de dentro da Espace vê-se a paisagem. Mas só querendo. Os miúdos, atrás, preferem ver DVD, principalmente se a noite chega, como aqui. Estes miúdos, como os observadores do anúncio do Focus, vêem o próprio carro no ecrã. A paisagem mediática substitui a paisagem real. O ecrã substitui a janela do carro como janela para o mundo.

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