Opinião
E-commerce e sustentabilidade: amigos ou inimigos?
A análise do impacto ambiental do e-commerce deve ser feita numa perspetiva global. O desenho de incentivos para uma logística de entregas eficiente e amiga do ambiente (e.g. carros elétricos) poderá ser eficaz.
Em 2020, o e-commerce cresceu de forma explosiva. Um estudo da Digital Commerce 360 estima que nos Estados Unidos as vendas online aumentaram cerca de 44% em relação ao ano anterior, representando 21% do volume total das vendas no retalho. As razões para este crescimento são diversas. À medida que os consumidores se habituam a realizar as suas atividades diárias online (e.g., operações bancárias, aulas, reuniões), ficam mais recetivos a comprar digitalmente, prescindindo das lojas físicas. Adicionalmente, os retalhistas têm consistentemente melhorado os seus níveis de serviço online, reduzindo os prazos de entrega das compras para um ou dois dias, ou até algumas horas em alguns casos. As taxas de entrega têm vindo a descer e as políticas de devolução são generosas. Finalmente, estima-se que as restrições colocadas pela pandemia às compras em lojas físicas tenham acelerado entre três e cinco anos a conversão de compras físicas para compras online.
Neste contexto, têm surgido preocupações com o impacto ambiental do e-commerce (Tokar et al. 2021. "A guide to the seen costs and unseen benefits of e-commerce. Business Horizons"). Este impacto inclui o desperdício associado à embalagem dos produtos para entrega (e.g., caixas de cartão, revestimento plástico protetor), assim como as emissões de CO2 e aumento do tráfego urbano resultantes dos veículos de entrega, cada vez mais visíveis na paisagem urbana. Tendo por objetivo limitar este impacto, alguns decisores públicos contemplam a possibilidade de implementar regulamentação própria para o setor, por exemplo, incentivando o uso de veículos elétricos ou restringindo entregas em horas de pico.
No entanto, a investigação que tem sido feita sobre o impacto ambiental do e-commerce alerta para o risco das análises simplistas. Em particular, devem ser considerados e equilibrados não apenas os custos, mas também os benefícios ambientais, porventura menos óbvios, mas igualmente presentes, no e-commerce. Por exemplo, uma embalagem de cartão usada numa entrega online pode potencialmente significar a não utilização de um ou mais sacos de plástico por parte de um cliente para transportar as compras de uma loja física até sua casa. Mais ainda, não devemos esquecer que disponibilizar produtos em prateleiras numa loja envolve também um rasto de desperdício de materiais e energia (sinalética, acondicionamentos em pequenos locais refrigerados na loja em vez de armazéns frigoríficos centralizados mais eficientes, etc.). Igualmente, o trajeto feito por um veículo de entrega que parte de um armazém e faz entregas a vários clientes substitui as viagens que cada um desses clientes teria de realizar entre a loja e a sua casa, muitas vezes em automóveis com um único ocupante e com emissões de CO2 pouco escrutinadas. Se os veículos de entrega usados no e-commerce forem amigos do ambiente (elétricos, ou, até, movidos a força humana, como as bicicletas), o impacto ambiental pode ser mitigado e, até, ter um saldo global positivo.
Adicionalmente, têm emergido modelos de entrega inovadores e eficientes do ponto de vista da utilização de recursos. Empresas como a Uber Eats, Glovo, Mercadão, entre outras, recorrem a voluntários ou trabalhadores em part-time, que utilizam as suas próprias viaturas. Deste modo, aproveita-se o parque automóvel existente, sem necessidade de entrada em circulação de novos veículos. Na Holanda, os retalhistas Wehkamp e Picnic encetaram uma parceria para distribuírem em conjunto as suas encomendas online, partilhando recursos logísticos (Sousa al. 2020. "How to serve online consumers in rural markets: Evidence-based recommendations. Business Horizons").
Em resumo, a análise do impacto ambiental do e-commerce deve ser feita numa perspetiva global. O desenho de incentivos para uma logística de entregas eficiente e amiga do ambiente (e.g. carros elétricos) poderá ser eficaz. Mas dever-se-ão evitar abordagens fundamentalistas, eventualmente precursoras de mais "taxas e taxinhas" que penalizem a economia sem gerar ganhos ambientais ou, pior ainda, causando danos ambientais.