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Quanto investem as empresas nacionais em I&D?

Penso que em Portugal ganharíamos em olhar para o interessante caso dinamarquês nas suas várias vertentes, incluindo a lógica dos investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação, o modelo de governo das empresas e o papel das fundações que as detêm.

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A propósito do lançamento do livro “O futuro da Ciência e da Universidade” a reitora do ISCTE e ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tem vindo a público defender que o financiamento público em ciência está ao nível de 1991 e a menos de metade da média da OCDE. Entretanto, Manuel Heitor, ex-ministro da Ciência e do Ensino Superior, corrigiu essa conclusão mostrando que o estudo da ex-colega de governo induz em erros, já que “considera apenas as dotações orçamentais dos fundos nacionais e não o total dos fundos públicos, que incluem os nacionais e os comunitários”.

De facto, apesar de nos últimos anos as dotações públicas nacionais em Investigação e Desenvolvimento (I&D) terem diminuído, o investimento total em I&D tem aumentado consistentemente nos últimos anos graças ao aumento das outras componentes deste investimento, i.e. o financiamento através de fundos europeus e o investimento privado em I&D, como salienta Manuel Heitor. O ex-ministro nota que o crescimento da despesa em I&D nos últimos anos é particularmente expressivo no setor das empresas, tendo crescido cerca de 108% desde 2015.

O investimento público em I&D cumpre um papel da maior importância, e bastante diferente do investimento das empresas. Porém, a discussão pública sobre o financiamento da ciência protagonizada por Maria de Lurdes Rodrigues tem omitido não só a contribuição dos fundos europeus, mas a maior fatia do investimento nacional em I&D: os investimentos privados em ciência. De facto, os investimentos empresariais em I&D representam já 60% do total nacional, de acordo com os resultados do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional publicados pela Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC).

O mesmo relatório destaca que a despesa em I&D das empresas atingiu os 2.154 milhões de euros, representando 1% do PIB. Além disso, e pela primeira vez, o “ranking” de despesa em I&D em Portugal é liderado por um grupo do setor da indústria farmacêutica, a BIAL com um investimento de 81,6 milhões de euros. No que respeita a PhD, a BIAL emprega 61 PhD, acompanhada de perto pela Hovione com 56 e do Grupo Bluepharma com 35 PhD.

No que respeita a investimento, o Grupo Altice Portugal manteve a segunda posição com 71,1 milhões de euros e a Nos o terceiro lugar com 67,7 milhões de euros. No que respeita a recursos humanos, a Altice Portugal é a empresa que tem mais profissionais alocados a inovação com 673 colaboradores, seguido do Grupo Bosch com 572 e da Sonae com 496 pessoas em I&D.

Tendo vivido os últimos cinco anos em Copenhaga, é tentador comparar o nível de investimentos em I&D em Portugal e Dinamarca, um país com cerca de metade da população portuguesa onde a maior empresa (Novo Nordisk) investe cerca de 3.215 milhões de euros, ou seja, uma única empresa representa um investimento 1,5 vezes superior a todo o setor empresarial em Portugal e 40 vezes superior ao da empresa nacional que mais investe em I&D. A percentagem das despesas da Fundação Novo Nordisk em I&D corresponde aproximadamente a 0,43% do PIB dinamarquês. A soma dos investimentos da Fundação Novo Nordisk em I&D no setor público, bem como no setor privado, é estimada em 0,58% do PIB do país.

A Novo Nordisk celebrou recentemente o seu centenário, tendo-se tornado este ano a empresa mais valiosa da Europa, com um valor de cerca de 400 mil milhões de euros, por causa dos medicamentos para a diabetes e a perda de peso, o Ozempic e Wegovy. O valor de mercado da Novo Nordisk ultrapassou já o tamanho de toda a economia dinamarquesa, cujo PIB (produto interno bruto) é atualmente estimado em 381 mil milhões de euros.

Valendo a pena conhecer um pouco da sua história e a importância da ciência e da I&D no seu desenvolvimento, e principalmente o seu principal produto, a insulina, é considerada uma das inovações mais importantes da medicina moderna.

Até 1921, a diabetes tipo 1 era uma doença fatal. O único tratamento passava por dietas muito restritivas e que, na melhor das hipóteses, acrescentavam alguns anos à vida dos diabéticos. Com a descoberta da insulina em 1921, tudo mudou. Recuando no tempo, já em 1922 o professor da Universidade de Copenhaga e Prémio Nobel da Medicina, August Krogh, visitou Toronto, a pedido da mulher, Maria Krogh, diabética e cientista. Maria convenceu o marido a negociar uma licença para fabricar insulina nos países nórdicos. Esta licença foi o ponto de partida para a fantástica história da Novo Nordisk. A Nordisk Insulinlaboratorium iniciou a produção de insulina há 100 anos, usando a técnica de extração e purificação trazida do Canadá para a Dinamarca pelos Krogh. Em 1925, dois irmãos ex-funcionários da Nordisk (Harald e Thorvald Pedersen) formaram a sua própria empresa, a Novo Terapeutisk Laboratorium. A Novo e a Nordisk competiram vigorosamente até se fundirem em 1989 para se tornarem numa só, a Novo Nordisk A/S.

O impacto social da insulina é inestimável. A diabetes deixou de ser uma sentença de morte e a esperança de vida dos doentes melhorou drasticamente. A insulina é considerada o 2.º medicamento que mais vidas salvou, ultrapassada apenas pela penicilina. Apesar de ter nascido num pequeno país, a Novo Nordisk “nasceu global” e sempre desenvolveu produtos para o mercado global, crescendo fora de portas.

Penso que em Portugal ganharíamos em olhar para o interessante caso dinamarquês nas suas várias vertentes, incluindo a lógica dos investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação, o modelo de governo das empresas e o papel das fundações que as detêm.

 

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