Opinião
“Time to rethink”: reflexões e desafios das Conferências do Estoril 2024
A edição de 2024 foi a maior de sempre, tendo reunido 6.851 participantes (4.609 presencialmente, no campus da Nova SBE e 1.121 online) para ouvir os 80 oradores de 27 países que trouxeram as suas perspetivas sobre como enfrentar as crises globais e construir um futuro mais resiliente, inclusivo e sustentável.
Num mundo cada vez mais polarizado, complexo e intolerante, somos constantemente confrontados com exigentes problemas geopolíticos, sociais e económicos de difícil resolução. Existe hoje um conjunto de temas que se tornaram difíceis de discutir livremente por serem absolutamente fraturantes.
Ainda assim, estamos todos melhor quando nos conseguimos sentar à mesma mesa para os debater e repensar o nosso futuro coletivo. Foi, por isso que, este ano, escolhemos o tema "Time to Rethink", tempo para repensar, para a 9.ª edição das Conferências do Estoril, que se realizaram nos passados dias 24 e 25 de outubro, coorganizadas pela Nova SBE, NOVA Medical School, Digital Data Design Institute de Harvard e pela sua entidade fundadora, a Câmara Municipal de Cascais, em parceria com o Turismo de Portugal.
A edição de 2024 foi a maior de sempre, tendo reunido 6.851 participantes (4.609 presencialmente, no campus da Nova SBE e 1.121 online) para ouvir os 80 oradores de 27 países que trouxeram as suas perspetivas sobre como enfrentar as crises globais e construir um futuro mais resiliente, inclusivo e sustentável. Entre eles, destacaram-se alguns dos principais líderes, pensadores e inovadores globais, convidados a debater temas prementes do mundo contemporâneo como a guerra e a paz, as atuais dinâmicas geopolíticas, as eleições americanas, a inteligência artificial e a transformação digital, a saúde, a sustentabilidade ambiental, os direitos humanos, entre outros. Os oradores incluíram: 5 chefes de Estado e primeiros-ministros (atuais e antigos); a primeira-dama da Ucrânia, vários ex-membros e atuais membros do governos, 4 laureados com o Prémio Nobel; 4 diretores de agências da ONU; membros de governos; líderes empresariais; vencedores dos Emmy Awards; académicos, incluindo alguns dos maiores especialistas em inteligência artificial do mundo; especialistas em diversas áreas médicas; artistas; jogadores de futebol; empreendedores e inovadores, para discutir algumas das questões mais urgentes do nosso tempo.
Também a cobertura jornalística dos 65 jornalistas acreditados ajudou a difundir as principais mensagens da conferência, gerando mais de 300 reportagens em meios nacionais e internacionais.
As conferências começaram com uma poderosa discussão sobre os desafios e triunfos de liderar nações em tempos turbulentos. Após o discurso solene do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, José Ramos-Horta, compartilhou as suas reflexões sobre como guiar uma nação rumo à paz duradoura, tirando lições da sua própria experiência com conflitos e recuperação.
De seguida, Olena Zelenska, primeira-dama da Ucrânia, ofereceu uma perspetiva comovente sobre como preservar o espírito de uma nação em guerra. Inspirando-nos com sua resiliência e a do povo ucraniano, a primeira-dama apelou à comunidade internacional para que não fique paralisada. "O tempo gasto em discussões tem de se traduzir em ações". Logo depois, Oleksandra Matviichuk. do Centro para as Liberdades Civis da Ucrânia laureada com o Prémio Nobel da Paz em 2022, fez uma intervenção onde, relatou os horrores vividos diariamente pelo povo ucraniano. "Os russos matam crianças, violam mulheres, roubam e destroem tudo o que está à sua volta. A Rússia fá-lo porque pode, destacando que a segurança da Europa depende de que a Ucrânia continue a lutar pela nossa defesa coletiva.
Seguiu-se um debate entre a vice-primeiro-ministra Yulia Svyrydenko e a ex-vice-primeira-ministra da Albânia, Senida Mesi, sobre o papel das mulheres na construção da paz.
O tema da guerra voltaria a estar em destaque no segundo dia, num painel com a ex-Presidente da Lituânia, Dalia Grybauskaité, o ex-Presidente da Mongólia e o ex-primeiro-ministro da Tunísia, que partilharam as suas perspetivas sobre o aumento dos conflitos ao redor do mundo, especialmente a guerra na Ucrânia e os conflitos no Médio Oriente. Dalia Grybauskaité, considerada a "Dama de Ferro" do Norte da Europa, comparou Putin a Hitler e admitiu que tem faltado coragem e decisão política aos líderes europeus, afirmando que já estamos a viver uma guerra global.
Ainda no primeiro dia, Zaynab Abdi, jovem ativista somali radicada nos EUA, relatou a sua impressionante experiência pessoal, e a da sua irmã, que fugiram da Somália para o Egito e acabaram separadas. Lançou um apelo: "Acredito que, depois de conseguirmos a nossa segurança, não devemos ficar confortáveis, porque o sofrimento dos outros continua. Por isso, foi importante para mim falar". A jovem, de 29 anos, mostrou-se preocupada com o aumento dos extremismos em várias partes do mundo e com a desconfiança da sociedade em relação aos refugiados.
No segundo dia, o Laureado com o Prémio Nobel da Medicina, Richard Roberts, regressou às conferências com uma palestra sobre o papel positivo das bactérias na sociedade, tendo também voltado ao tema dos alimentos geneticamente modificados e às críticas aos governos e associações como a Greenpeace pelos esforços para os bloquear. "Milhões de crianças em África já morreram porque foram bloqueadas plantações de arroz com recurso a OGM", afirmou, defendendo que a utilização de organismos geneticamente modificados na produção alimentar pode ser uma arma poderosa para mitigar as consequências das alterações globais na cadeia de produção alimentar.
Também no segundo dia, Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação salientou a importância da ciência, da inovação e da educação para a democracia e para a construção do futuro. "Temos de nos coordenar e de trabalhar em conjunto" afirmou, destacando que os problemas são muito complexos e as soluções nem sempre evidentes. "Muitas vezes, líderes populistas vendem soluções simples para essas questões - estão a enganar as pessoas. Essa foi em parte uma das razões que me levou a trocar a academia pela política."
As conferências serviram ainda de palco ao lançamento do novo instituto, o Digital Data Design Institute at Nova SBE and NOVA Medical School, dedicado ao estudo do impacto da IA e de tecnologias digitais ao serviço da sociedade, posicionando Portugal na vanguarda do desenvolvimento tecnológico global.
Esta iniciativa é um exemplo claro de como as universidades têm um papel fundamental de valorizar a ciência, criar e traduzir conhecimento e discutir as suas implicações éticas. Precisamos de formar os alunos para que não se sintam ameaçados pelas diferentes opiniões ou crenças dos outros, que sejam tolerantes com as diferenças que os tornam únicos, que sejam pacíficos e respeitosos, que sejam pacientes o suficiente para conquistar os outros através da persuasão e que compreendam que podem acrescentar valor e ter impacto real através da inovação e do empreendedorismo. Precisamos de encontrar espaços de diálogo em que o conhecimento e os cientistas baseados na investigação também estejam no centro do debate.