Opinião
Líderes e a síndrome dos abacates
O impacto da "síndrome do abacate" é claro: decisões adiadas tornam-se mais caras e menos eficazes quando finalmente implementadas. Seja na modernização tecnológica, na resolução da crise habitacional ou na adaptação às exigências de cibersegurança, a hesitação tem custos elevados.
Com o fim do ano, é habitual refletirmos sobre o que foi alcançado e traçarmos planos para o futuro. Contudo, é também um momento para reconhecer as decisões adiadas, frequentemente com consequências negativas que poderiam ter sido evitadas.
Na tomada de decisões de negócio, "há mais para decidir do que apenas selecionar opções disponíveis". A expressão "o mais rápido possível" raramente é a resposta certa quando se pede uma decisão. Mas, entre o "quanto antes" e o "tarde demais", os líderes devem identificar o momento ideal para agir.
Esta dinâmica pode ser comparada à "síndrome do abacate". Todos conhecemos o dilema: compramos um abacate duro como uma pedra, aguardamos pacientemente pelo ponto perfeito para o consumir, mas, num instante de distração, ele apodrece.
Assim como com um abacate, as decisões têm um prazo de validade. Qualquer chef sabe que um abacate deixado de lado, transforma-se, em pouco tempo, num pedaço de fruta estragada e inútil. O mesmo acontece com decisões que "se tomam por si" quando ninguém age a tempo. Entre o momento de compra e o descarte existe uma janela de oportunidade para agir.
Em Portugal, a "síndrome do abacate" é evidente tanto no setor público como no empresarial. Reformas e iniciativas fundamentais para a sustentabilidade e competitividade das empresas são, muitas vezes adiadas, com consequências desastrosas.
Empresas portuguesas que durante anos dominaram o mercado local enfrentam agora a concorrência de marcas estrangeiras que rapidamente conquistam quota de mercado ou são adquiridas por essas marcas. Este atraso, aliado a respostas lentas às mudanças globais, coloca em risco a competitividade internacional.
Na digitalização, a "síndrome do abacate" também se manifesta. Tecnologias emergentes como a inteligência artificial e a automação prometem ganhos significativos de eficiência e inovação, mas as empresas que hesitam em modernizar as suas operações arriscam-se a perder relevância. Pequenas e médias empresas, que formam a base do tecido empresarial português, enfrentam desafios financeiros e técnicos adicionais. Este atraso é agravado por reuniões infindáveis, estudos inconclusivos e burocracia, criando um ciclo de inação que prejudica a competitividade.
Outro exemplo crítico é a necessidade de captar talento estrangeiro. Muitas empresas ainda não implementaram estratégias eficazes de recrutamento, integração e colaboração em equipas diversas. Esta inação não só limita o progresso, como torna as empresas menos atrativas num mercado de trabalho globalizado e competitivo.
Embora o foco principal seja o setor empresarial, o impacto da "síndrome do abacate" no governo é igualmente preocupante. A demora na transposição de diretivas europeias, por exemplo, não só expõe Portugal a potenciais multas da União Europeia, como também retarda a adaptação do ambiente legislativo, dificultando a concorrência em pé de igualdade com outros países.
Outro caso emblemático é o setor da habitação. A falta de políticas públicas eficazes para combater a crise da habitação agravou o custo de vida nas grandes cidades, dificultando a retenção de talento. Esta inação afeta não apenas as condições de vida da população, mas também o potencial de crescimento económico do país.
Um tema onde frequentemente se assiste ao efeito "abacate" e negligenciado pelas lideranças empresariais é a cibersegurança. Muitas empresas evitam abordar esta questão, seja por desconhecimento, receio de expor vulnerabilidades, ou, porque simplesmente o veem como o custo de pouco valor acrescentado para o negócio. Contudo, num mundo cada vez mais digital, ignorar a cibersegurança é um erro crítico.
A recente atualização da diretiva europeia de cibersegurança, a NIS2, reflete esta prioridade. A normativa exige mudanças substanciais tanto no setor público como nas empresas, incluindo a responsabilidade direta das lideranças na supervisão e implementação de estratégias de cibersegurança. As penalizações para o incumprimento são severas, destacando a necessidade de ação imediata, e a NIS2 vai mais longe ao tornar os líderes empresariais pessoalmente responsáveis pela segurança das infraestruturas críticas.
A NIS2 sublinha que a cibersegurança deve ser encarada como uma prioridade estratégica de negócio, não apenas técnica. A direção das empresas vai ter uma ação direta, sendo responsável por informar as partes interessadas, os fornecedores, os clientes e as autoridades nacionais o mais rapidamente possível em caso de ciberataque. Os executivos não devem apenas subcontratar as tarefas, mas também frequentar ações de formação em cibersegurança para poderem participar no processo de avaliação e implementação de potenciais riscos e medidas.
O impacto da "síndrome do abacate" é claro: decisões adiadas tornam-se mais caras e menos eficazes quando finalmente implementadas. Seja na modernização tecnológica, na resolução da crise habitacional ou na adaptação às exigências de cibersegurança, a hesitação tem custos elevados.
Portugal precisa de superar este fenómeno e adotar uma abordagem mais ágil e proativa. Líderes empresariais e governamentais devem estar preparados para agir com visão e determinação, aproveitando o momento certo para maximizar os resultados.
A mensagem é clara: é tempo de agir antes que os abacates passem do ponto.