Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
08 de Janeiro de 2025 às 10:15

Indústria em Portugal: entre o "vamos ver" e o "precisamos agir"

Uma estratégia industrial para Portugal deveria reforçar a inovação tecnológica, promovendo ligações mais fortes entre universidades, centros de investigação e empresas, colocando o país na vanguarda da modernização produtiva.

  • ...

Têm ouvido falar sobre a indústria em Portugal? No meio das discussões sobre geopolítica, inteligência artificial, o regime jurídico da educação, imigração, turismo e até as movimentações políticas de figuras internacionais como Donald Trump, o tema indústria parece ser tratado como secundário ou, simplesmente, ignorado. E Portugal? Onde estamos neste debate? Parece que, enquanto outros países enfrentam o desafio de frente, neste país à beira-mar plantado, vemos a vida passar a nível de estratégia industrial, sem uma resposta clara e estruturada aos desafios da modernização industrial.

Se há algo que deveríamos ter aprendido com a recente pandemia, é o impacto crítico da ausência de uma base industrial sólida na Europa (e noutras regiões) e a nossa dependência quase absoluta da Ásia para bens essenciais. Os serviços representam 72% do PIB da União Europeia e a indústria quase toda a percentagem restante. Esta fragilidade, tanto económica como estratégica, deveria ocupar um lugar central na agenda dos decisores políticos.

Embora a União Europeia tenha dado passos para posicionar a indústria como um eixo estratégico, as ações permanecem tímidas e descoordenadas quase como se estivéssemos a esperar que a indústria se modernizasse sozinha. Já nos Estados Unidos, a reindustrialização tem sido uma prioridade explícita, com esforços liderados por Donald Trump quanto por gigantes como Elon Musk, que pretendem transformar a reindustrialização num verdadeiro "show" de inovação e competitividade. A estratégia norte-americana procura reforçar as cadeias produtivas locais, reduzir dependências externas e apostar na inovação, criando um modelo de sucesso que, por cá, parece estar em "stand-by".

Outro exemplo de ambição industrial vem do Reino Unido, que, após o Brexit, iniciou um debate nacional sobre um plano estratégico industrial abrangente. Entre os pilares dessa estratégia estão a modernização tecnológica, a criação de empregos qualificados, a sustentabilidade e o reforço da autonomia produtiva.

Em Portugal, a indústria contribui com cerca de 20% para o PIB, um valor inferior quando comparado com diversos países europeus. O nosso país enfrenta desafios históricos para consolidar uma base industrial robusta. Portugal, por exemplo, tem um potencial enorme para criar marcas universais, mas parece que estamos a desperdiçar essa oportunidade. A ausência de marcas globais com origem em Portugal reflete uma falta de uma estratégia industrial focada não apenas na produção, mas também na criação de valor através da inovação, do design e da internacionalização. Países como a Alemanha, a Itália ou até os Estados Unidos sabem como transformar uma indústria sólida numa marca reconhecida globalmente. Ultimamente, além do Cristiano Ronaldo e dos pastéis de nata, que outras marcas têm origem em Portugal?

Apesar de exemplos de excelência em setores como o calçado, os têxteis e as tecnologias inovadoras, falta uma visão integrada que alinhe a indústria nacional às grandes tendências globais, como a transição energética, a digitalização e a economia circular. Uma estratégia industrial para Portugal deveria reforçar a inovação tecnológica, promovendo ligações mais fortes entre universidades, centros de investigação e empresas, colocando o país na vanguarda da modernização produtiva. Além disso, deveria incluir uma aposta clara na sustentabilidade, com o desenvolvimento de indústrias verdes e a redução significativa de emissões de carbono, alinhando-se às metas climáticas europeias.

Esta estratégia exige também um plano robusto de infraestruturas e logística, com investimentos estratégicos nos portos portugueses para aumentar a sua competitividade, num contexto global em que potências como a China e os Estados Unidos continuam a investir fortemente nas suas infraestruturas portuárias. De acordo com o último Container Port Performance Index do Banco Mundial, que classifica portos de contentores globais por eficiência (um total de 405 portos), os portos portugueses ocupam as seguintes posições: Lisboa (134.ª), Sines (135.ª), Leixões (290.ª) e Setúbal (351.ª). Além disso, é essencial melhorar as conexões ferroviárias, garantindo ligações rápidas e eficientes aos principais corredores transeuropeus. Caso contrário, corremos o risco de ver o mercado potencial dos nossos portos ser absorvido pelos concorrentes mais bem posicionados, como os portos espanhóis do Mediterrâneo e do norte da Espanha.

Portugal tem também a oportunidade de reforçar a sua presença em África, em especial nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Estes países já priorizam o desenvolvimento industrial nos seus planos estratégicos, e Portugal poderia criar sinergias significativas em áreas como a energia, a logística e a formação de talentos, fortalecendo laços económicos e culturais.

Outro elemento fundamental é a requalificação da força de trabalho, garantindo que as competências dos trabalhadores acompanham as exigências do mercado atual e futuro. As universidades e as escolas de negócios podem desempenhar um papel essencial neste processo, promovendo a formação de líderes e profissionais qualificados para uma nova era de industrialização. O problema é que estamos a formar mão de obra qualificada que, no fundo, não usamos – ela vai em massa para o estrangeiro, onde há postos de trabalho na indústria à espera deles. Afinal, é sempre mais fácil exportar engenheiros do que importá-los, não é? Além de mitigar a fuga de talentos, oferecer perspetivas de carreira para engenheiros e técnicos qualificados ajudará a criar um ecossistema industrial mais robusto. É fundamental que os planos de estudo das instituições de ensino superior estejam alinhados às necessidades da indústria, para evitar que os formados em áreas técnicas acabem absorvidos por setores como o turismo ou o comércio/retalho.

Na Porto Business School, reconhecemos a importância da indústria como pilar estratégico. Somos sócios fundadores do Industry Club, uma aliança pioneira com a COTEC, o INESC TEC, o Kaizen Institute e a Nos, que trabalha para dinamizar a indústria nacional e promover a transformação digital e a competitividade do setor. Além disso, oferecemos várias pós-graduações orientadas ao desenvolvimento de competências industriais e organizamos debates e eventos sobre o tema. Um exemplo disso é o próximo evento, patrocinado pelo Africa Futures Center, onde discutiremos sinergias entre a indústria e a energia, com a participação do Ministro da Indústria e Energia de Cabo Verde.

A pergunta que fica é: estamos prontos para encarar este desafio com a seriedade necessária? Fortalecer a indústria em Portugal não é apenas uma questão de crescimento económico, mas também de garantir resiliência, autonomia e relevância num mundo cada vez mais complexo.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio