Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
04 de Março de 2025 às 19:47

Superando a mentalidade tudo ou nada ("Zero-Sum")

O sucesso do futuro não pertence a quem fecha portas, mas sim a quem constrói novas conexões. Se queremos um futuro de inovação e prosperidade, é hora de abandonar o jogo de soma zero e apostar na colaboração como a maior vantagem competitiva do século XXI.

  • ...

Nos dias de hoje, a mentalidade de "tudo ou nada" ("zero-sum", em inglês) está presente em muitos contextos, com efeitos prejudiciais. Em tempos de guerras comerciais, protecionismo económico e tensões políticas, muitos acreditam que o sucesso só pode ser conquistado à custa dos outros. Esta visão cria um jogo de soma zero: se um ganha, o outro perde. Mas será que ainda faz sentido pensar assim?

A resposta é não. Mais cedo ou mais tarde, todos acabam por perder. Esta mentalidade reflete-se em negociações rígidas, onde empresas e países se comportam como adversários. No entanto, esta lógica trava a inovação, reduz o crescimento e prejudica todos. Mas, quem ri hoje pode estar a chorar amanhã. Se, a curto prazo, pode parecer lucrativa, a longo prazo torna-se soma negativa ("negative-sum"), no qual todos perdem.

Com a Economia Digital e a ascensão da Inteligência Artificial, o mundo está a mudar. Hoje, as empresas que mais crescem apostam na colaboração, na partilha de conhecimento e na construção de ecossistemas. O futuro pertence a quem cria valor em conjunto, e não a quem insiste em competir sozinho.

A armadilha do pensamento "zero-sum"
A teoria dos jogos, formulada por John von Neumann e Oskar Morgenstern em 1944, explica que existem três tipos de relações. Na soma zero ("zero-sum"), um ganha e outro perde, como num jogo de xadrez. Na soma negativa ("negative-sum"), todos perdem, como em crises económicas ou guerras. Já na soma positiva ("positive-sum"), todos ganham, criando mais valor, como em parcerias estratégicas e inovação colaborativa. Embora útil para descrever competições como um jogo de xadrez ou uma negociação rígida, a lógica "zero-sum" torna-se um obstáculo quando aplicada ao mundo real dos negócios e das relações internacionais.

Um dos maiores perigos deste pensamento é a ideia de que qualquer país ou organização que avance em tecnologia, inovação ou conhecimento representa uma ameaça. Este receio leva governos e empresas a restringirem colaborações estratégicas, criando barreiras desnecessárias à troca de talento e ideias. No final, esta postura sufoca a inovação e prejudica todos.

A mentalidade "zero-sum" tem outro efeito perverso: a inércia. Temos exemplos próximos disso, como o desenvolvimento de projetos megalómanos que passam anos em discussão e nunca se concretizam, sob o argumento da falta de recursos. Este ciclo cria uma cultura onde há desejo de mudança, mas nada se materializa. O bloqueio não acontece por falta de meios, mas sim pela ausência de um modelo colaborativo eficiente.

Soma-positiva: do isolamento à colaboração
O mundo de hoje já não recompensa quem compete sozinho, mas sim quem sabe construir pontes. O conceito de soma positiva ("positive-sum") – onde todos podem ganhar juntos – é a chave para um crescimento mais sustentável e inteligente.

Empresas que adotam esta mentalidade investem em alianças estratégicas, cooperação entre setores e inovação aberta. Os maiores avanços da atualidade resultam de parcerias inesperadas: fabricantes de automóveis a trabalhar com empresas de tecnologia, farmacêuticas a colaborar com startups de biotecnologia, bancos a aliarem-se a fintechs.

No setor público, a lógica é a mesma. Países que investem em acordos de cooperação em ciência, tecnologia e sustentabilidade obtêm resultados muito mais positivos do que aqueles que se fecham em políticas protecionistas. Na União Europeia, por exemplo, os desafios económicos, tecnológicos e energéticos exigem mais interconectividade e confiança mútua, e não novas barreiras comerciais e diplomáticas.

Uma abordagem essencial para evitar a inércia e fomentar a colaboração é o pensamento computacional. No mundo da informática, este modelo de raciocínio baseia-se na decomposição de um problema complexo em partes menores e mais geríveis, permitindo avanços progressivos sem bloqueios paralisantes. Aplicado a diversas áreas, desde a gestão de projetos até às políticas públicas, este método possibilita um progresso contínuo e eficaz, evitando ciclos intermináveis de debates sem soluções concretas.

Portugal: um hub de soma positiva
Portugal deve avançar rapidamente para uma mentalidade de soma positiva, baseada na colaboração. O país já se destaca pelo investimento em startups tecnológicas, pela crescente atração de nómadas digitais e pela aposta em novos modelos de negócio centrados na economia circular e na sustentabilidade. No entanto, há espaço para ir muito mais além. Para se consolidar como um verdadeiro hub de inovação, o país precisa de abandonar a mentalidade de escassez e adotar uma abordagem mais colaborativa e integrada na economia global.

Reforçar parcerias internacionais em tecnologia, inteligência artificial e energias renováveis é essencial, assim como modernizar o sistema educativo para preparar os jovens para a era digital e flexibilizar políticas laborais para atrair e reter talento qualificado. Portugal pode consolidar-se como um verdadeiro hub global de inovação e talento, reforçando as suas ligações com a Europa, a África, a América Latina e os mercados emergentes.

Para isso, Portugal precisa de se abrir verdadeiramente ao mundo, adotar as melhores práticas internacionais e, sobretudo, implementar mudanças estruturais profundas. Não basta receber fundos europeus e seguir a "moda portuguesa" com ajustes superficiais ou reformas cosméticas que pouco alteram a realidade. É fundamental transformar estruturas organizacionais, modernizar processos e abandonar culturas obsoletas.

A recente revisão da lei da educação é um exemplo claro deste problema. Anunciada como uma grande reforma, acabou por ser apenas uma mudança mínima – um verdadeiro caso de "a montanha pariu um rato". Os interesses e os "lobbies" de uns quantos sobrepuseram-se a uma transformação real, adiando um sistema educativo alinhado com os padrões internacionais e as exigências do futuro.

E isto não pode esperar. Como disse Mark Twain: "Daqui a 20 anos, ficarás mais desapontado com as coisas que não fizeste do que com as que fizeste." A pergunta impõe-se, tanto para Portugal como para a Europa: porque é que as mudanças demoram tanto?

O futuro é colaborativo
Num mundo cada vez mais digital e interligado, insistir no pensamento "zero-sum" é um retrocesso. A colaboração já provou ser a chave para enfrentar os maiores desafios globais – da pandemia à crise climática. Empresas, governos e sociedades que adotam uma mentalidade de soma positiva têm maior capacidade de adaptação, inovação e crescimento sustentável.

O sucesso do futuro não pertence a quem fecha portas, mas sim a quem constrói novas conexões. Se queremos um futuro de inovação e prosperidade, é hora de abandonar o jogo de soma zero e apostar na colaboração como a maior vantagem competitiva do século XXI.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio