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Para quando os cortes na taxa de juro?

Depois da desaceleração da inflação ao longo dos últimos meses, os principais bancos centrais começam a sinalizar o início da inversão da política monetária, preparando-se para cortar taxas de juro durante 2024.

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Segundo o Banco de Portugal, o rácio de endividamento da economia portuguesa situou-se, em termos nominais, nos 803,1 mil milhões de euros em 2023 (449,3 mil milhões relativos a empresas e famílias e 353,8 mil milhões de euros relativos a administrações públicas e empresas públicas), o que representou 301,3% do PIB. Apesar de ter diminuído para 800,4 mil milhões de euros em fevereiro, o “stock” de dívida da economia portuguesa continua a ser um dos mais elevados da zona euro, ombreando com economias como a italiana e espanhola.

A par do aumento nominal do endividamento da economia portuguesa em 4,2 mil milhões de euros entre 2022 e 2023 e como resposta a pressões inflacionistas, o Banco Central Europeu (BCE) levou a cabo, desde julho de 2022, uma política monetária contracionista sem precedentes, com o aumento da taxa de juro diretora de 0% para 4,5% em pouco mais de um ano. A combinação de um elevado “stock” de dívida com elevadas taxas de juro originou um elevado peso do serviço da dívida no total de rendimentos das empresas e famílias, colocando fortes restrições ao investimento e ao consumo, sendo hoje um dos principais fatores de risco da nossa economia.

Neste contexto, e apesar de simpatizar com a corrente de pensamento que defende que o BCE (a par de outros bancos centrais) foi demasiado brusco na subida da taxa de juro, quando confrontado com uma inflação incomum (causada por interrupções do lado da oferta e mudanças significativas da procura), a questão que importa colocar, perspetivando o futuro, é: para quando os cortes na taxa de juro?

Depois da desaceleração da inflação ao longo dos últimos meses, os principais bancos centrais começam a sinalizar o início da inversão da política monetária, preparando-se para cortar taxas de juro durante 2024. O próprio mercado está a dar esses sinais, com a curva de taxas de juro do euro, que representa a relação entre taxa de juro e prazos de financiamento, a permanecer negativamente inclinada para maturidades até 6 anos. Tal reflete-se em taxas de juro fixas de mercado decrescentes com o prazo do financiamento (cerca de 3,7% para financiamentos a 1 ano face a 2,8% para financiamentos a 10 anos, segundo a Bloomberg). Adicionalmente, os agentes económicos continuam a perspetivar junho como sendo a data mais provável para o início dos cortes de taxa de juro na zona euro, em linha com o reiterado por Christine Lagarde, presidente do BCE, na última reunião da instituição.

Contudo, e apesar da sinalização de que a primeira redução das taxas de referência poderá estar para breve, a persistência do atual fenómeno inflacionista é ainda fonte de preocupação, podendo pressionar o BCE a limitar o âmbito das suas decisões e, até mesmo, a adiar cortes adicionais dos juros diretores. Simultaneamente, dinâmicas recentes ameaçam provocar novas distorções nos preços, tais como o alastrar do conflito Israel-Hamas a outros países da região (e.g., Irão), bem como ao mar Vermelho, com consequentes impactos na circulação marítima e disrupções no comércio internacional.

Aliás, mesmo tendo revisto em baixa a inflação esperada para a Zona Euro para os 2,3% em 2024, 2% em 2025 e 1,9% em 2026, o Conselho de Governadores do BCE decidiu, na sua reunião de abril, manter inalterada a taxa de juro de referência, uma vez que as pressões sobre os preços domésticos permanecem elevadas, em parte devido ao forte crescimento nos salários. De facto, apesar da economia dar sinais de fraqueza, com os consumidores a conterem os seus gastos, o investimento a reduzir-se e as empresas a exportarem relativamente menos, refletindo uma desaceleração na procura externa e algumas perdas de competitividade, o BCE continua a apontar, talvez de forma demasiado otimista, para uma recuperação gradual ao longo de 2024.

Também é percetível, pela leitura do seu último Boletim Económico, que o BCE continua fortemente determinado em garantir que a inflação regresse rapidamente ao seu objetivo de médio prazo de 2%, considerando que as principais taxas de referência se encontram em níveis que, mantidos por um tempo suficientemente longo, contribuirão substancialmente para este objetivo. Adicionalmente, e mesmo que se assista a uma redução dos juros diretores em junho de 2024, as decisões futuras da instituição continuarão a ser tomadas reunião a reunião, baseadas na informação macroeconómica que for sendo conhecida.

Em conclusão, mesmo que os cortes de taxa de juro esperados se materializem no segundo semestre de 2024 e considerada a taxa de inflação esperada, bem como a taxa de crescimento do PIB potencial na zona euro, não é expectável que a taxa de juro nominal de referência caia para valores negativos ou próximos de zero, tal como verificado entre 2016 e 2022, mas antes para perto dos 2%, a médio prazo.

 

Os agentes económicos continuam a perspetivar junho como sendo a data mais provável para o início dos cortes de taxa de juro na Zona Euro.
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