Opinião
COP29: avanços, mas com um amargo de boca
Embora a meta de 1,3 biliões de dólares seja um passo significativo, as decisões tomadas em Baku devem ser complementadas por ações imediatas, compromissos firmes e a criação de estruturas financeiras robustas que integrem justiça, inovação e pragmatismo.
A COP29, realizada em Baku, Azerbaijão, entre 11 e 22 de novembro, surgiu como uma oportunidade histórica para corrigir uma das principais lacunas deixadas pela COP28: a ausência de um plano claro e sustentável para financiar a transição climática global. Sob a liderança de Mukhtar Babayev, a conferência teve como prioridade central o estabelecimento de um novo paradigma financeiro, por meio do New Collective Quantified Goal (NCQG), para apoiar os países em desenvolvimento a enfrentarem as mudanças climáticas.
A COP28 foi marcada pela incapacidade dos países desenvolvidos de se comprometerem firmemente com o financiamento climático, essencial para apoiar os países mais vulneráveis no cumprimento dos seus objetivos de mitigação e adaptação. Apesar do compromisso anual de 100 mil milhões de dólares, estabelecido até 2025, este valor foi alcançado apenas uma vez desde 2020. A ONU estima que, até 2030, os países em desenvolvimento precisarão de pelo menos 6 biliões de dólares para atingir metas climáticas adequadas. Essa lacuna de financiamento não é apenas uma questão de justiça climática, mas também de pragmatismo: sem recursos adequados, os avanços globais necessários para reduzir as emissões de carbono e promover a resiliência climática estarão comprometidos.
O NCQG representa um avanço necessário na abordagem ao financiamento climático. Este modelo multifacetado propõe um sistema de camadas que une recursos públicos, privados e mecanismos inovadores para alcançar metas financeiras mais ambiciosas e, ao mesmo tempo, viáveis. A meta central discutida na COP29 sugere mobilizar 1,3 biliões de dólares anuais até 2035, representando um salto significativo em relação aos compromissos atuais.
A primeira camada é o financiamento público, que é a espinha dorsal da estratégia de mitigação e adaptação para os países em desenvolvimento. Contudo, a contribuição proposta de 300 mil milhões de dólares anuais pelos países desenvolvidos representa apenas uma fração do necessário. Para muitos países em desenvolvimento, a prioridade é que esses recursos sejam disponibilizados sob a forma de subsídios, e não empréstimos, evitando o aumento da sua dívida pública. Apesar de representar um avanço em relação à COP28, a proposta enfrenta críticas, nomeadamente pela sua implementação tardia (a partir de 2035) e pelo volume insuficiente de recursos públicos.
A segunda camada está relacionada com as fontes inovadoras de financiamento, tais como a alocação de fundos oriundos de taxas sobre combustíveis fósseis e atividades de alto teor de carbono; o "blended finance", uma abordagem que combina fundos públicos (subsídios e garantias) com capital privado, reduzindo riscos e incentivando investimentos em projetos de alta relevância climática; e o financiamento baseado em resultados, alinhando os desembolsos financeiros ao cumprimento de metas específicas, garantindo eficiência na alocação de recursos. Essa camada, embora promissora, depende de esforços coordenados para criar regulamentações transparentes e estáveis, capazes de atrair investidores a longo prazo.
A terceira camada assenta na mobilização do setor privado. O setor privado é essencial para fechar a lacuna financeira, especialmente em investimentos relacionados à transição energética e infraestruturas verdes. No entanto, embora o mercado de finanças sustentáveis tenha crescido, ele ainda representa uma parcela pequena dos mercados globais. O mercado de ações sustentáveis representa apenas 6% do mercado global em 2023. Já o mercado de dívida representa apenas 9% para obrigações sustentáveis (obrigações verdes, sociais e ligadas a objetivos ESG) e 14% para empréstimos bancários sustentáveis (empréstimos verdes e ligados a objetivos ESG).
Mecanismos como "project finance" e a titularização de ativos podem ampliar a capacidade dos bancos na gestão dos seus riscos e atraírem investidores. Além disso, o papel dos bancos multilaterais é fundamental para alavancar capital privado, oferecendo garantias e mitigando riscos financeiros associados a projetos climáticos.
A COP29 representa, assim, um marco no esforço global para enfrentar as mudanças climáticas. A questão do financiamento climático, destacada pelo NCQG, é central não apenas para alcançar as metas do Acordo de Paris, mas também para construir uma transição climática justa e inclusiva. Embora a meta de 1,3 biliões de dólares seja um passo significativo, as decisões tomadas em Baku devem ser complementadas por ações imediatas, compromissos firmes e a criação de estruturas financeiras robustas que integrem justiça, inovação e pragmatismo. Somente assim será possível transformar os compromissos da COP29 em resultados concretos.