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Mas afinal o que pretende Donald Trump?

A chamada política de "Tarifas Globais Recíprocas" reflete uma visão económica centrada na autossuficiência. O objetivo é claro: encarecer os bens importados para promover o consumo de produtos fabricados nos EUA, incentivar o investimento doméstico e, curiosamente, atrair investimento estrangeiro para produção em solo norte-americano.

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A Administração Trump, na sua segunda passagem pela Casa Branca, retomou e radicalizou uma agenda comercial profundamente protecionista. Com a imposição de tarifas alfandegárias sobre praticamente todos os países do mundo, o Presidente norte-americano procura relançar a economia dos EUA com base numa lógica de produção interna e penalização da concorrência externa. Mas quais são, de facto, os objetivos desta estratégia, e que impactos terá ela a nível global e em particular para Portugal?

Objetivos de Trump: protecionismo como política económica
A chamada política de "Tarifas Globais Recíprocas" reflete uma visão económica centrada na autossuficiência. O objetivo é claro: encarecer os bens importados para promover o consumo de produtos fabricados nos EUA, incentivar o investimento doméstico e, curiosamente, atrair investimento estrangeiro para produção em solo norte-americano.

Num primeiro momento, esta abordagem pode parecer eficaz. Com tarifas elevadas, produzir dentro dos EUA torna-se relativamente mais competitivo. No entanto, os efeitos colaterais são imediatos: aumento dos preços e, portanto, da inflação, como o próprio Congressional Budget Office já prevê. Uma inflação interna mais alta leva à desvalorização do dólar, o que à partida favoreceria as exportações. Mas este efeito é largamente anulado pelas medidas de retaliação que os principais parceiros comerciais, como a União Europeia e a China, estão já a implementar.

A reação da China
Um dos movimentos mais agressivos foi protagonizado pela China. Face à imposição de tarifas de 104% a produtos chineses, Pequim respondeu com uma arma silenciosa, mas potentíssima: vendeu 50 mil milhões de dólares em títulos da dívida norte-americana. Esta decisão provocou de imediato uma subida dos juros das obrigações de dívida soberana a 10 anos de 3,85% para 4,20% num só dia, revelando uma crescente desconfiança dos mercados quanto à estabilidade financeira do país.

Com esta medida, a China sinaliza que pode continuar a pressionar os EUA através do mercado da dívida. Detendo ainda cerca de 650 mil milhões em treasuries, Pequim mantém uma poderosa ferramenta geoestratégica. O Japão, maior credor estrangeiro dos EUA, pode ser o próximo a agir. Se também vender parte da sua carteira de dívida, a pressão sobre os juros aumentará significativamente, agravando o custo de financiamento da administração norte-americana, tornando esta estratégia comercial ainda mais onerosa.

Impacto global: um mundo mais volátil
A nova vaga de tarifas está a alimentar um círculo vicioso: tarifas levam a retaliação, o que por sua vez leva a mais tarifas. Este ambiente de incerteza e instabilidade está a provocar um aumento do risco sistémico. O mercado acionista nos EUA reagiu de forma negativa ao anúncio das tarifas, com o S&P500 a cair mais de 12% numa semana. Adicionalmente, os investidores procuram ativos mais seguros e o risco de uma intervenção da Reserva Federal Americana através de cortes inesperados na taxa de referência ou da recompra de ativos, torna o ambiente macroeconómico ainda mais imprevisível e volátil.

Portugal: entre o risco e a oportunidade
Em Portugal, apesar das exportações para os EUA representarem cerca de 5% do total, os efeitos serão diferenciados por setor e grau de exposição ao mercado norte-americano. Empresas portuguesas com produção nos EUA podem ver vantagem em expandir essa presença. Já as que exportam diretamente de Portugal enfrentarão uma maior dificuldade competitiva.

Para alguns setores, como o calçado, as tarifas sobre concorrentes asiáticos (40% para o Vietname e, com base na última atualização disponível, 104% para a China) podem representar uma janela de oportunidade. Se Portugal enfrentar tarifas mais moderadas, pode beneficiar da menor competitividade dos seus rivais.

Porém, muitas empresas portuguesas não conseguirão repercutir o custo adicional nos preços finais e ver-se-ão obrigadas a absorver os impactos nas suas margens. Isso pode resultar em cortes de custos fixos, incluindo o emprego, o que é particularmente preocupante num momento em que a economia portuguesa tenta consolidar a sua recuperação.

O papel da União Europeia e a resposta nacional
A resposta política terá de vir, em primeira linha, da União Europeia. Foi anunciado um pacote de investimentos de 12 mil milhões de euros para a Ásia Central, num claro movimento de reposicionamento estratégico dos blocos.

Em Portugal, são de saudar as medidas apresentadas pelo Governo português através do 'Programa Reforçar', com um volume de apoio superior a 10 mil milhões de euros. A rápida implementação deste programa é crucial para apoiar as empresas nacionais no reforço da sua competitividade e na diversificação de mercados. Além disso, pode ser importante considerar medidas fiscais que amorteçam o choque para empresas mais expostas aos EUA.

Em conclusão, as tarifas Trump são mais do que uma medida económica: são uma declaração política de que os EUA querem redesenhar as regras do jogo global. Portugal, como pequeno país aberto ao mundo, deve responder com agilidade e inteligência, identificando onde está o risco e onde pode residir a oportunidade. Num mundo em que as relações comerciais se transformam em arenas de confronto geopolítico, a diplomacia económica e a capacidade de adaptação são dois dos principais ativos de um país como o nosso.

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