Opinião
"Tasca Zézadas"
Quem tem por função prestar serviços e/ou fornecer bens não é protagonista, nem tem umbigo, espelho ou estados de alma.
De há um ano para cá, por razões que agora não vêm ao caso, tenho frequentado a "Tasca Zézadas", que fica em São Lourenço de Mamporcão, um lugar à direita de quem sobe pelo IP2 de Estremoz para Monforte. Embora este escrito não seja sobre comida e bebida ou "life style", peço vénia aos especialistas (reais ou supostos) para recomendar este estabelecimento de restauração, mercearia, café e refeições para fora. Quem goste de coisas boas e simples não sairá desiludido, creio. Eu não saio.
E, às vezes, ponho-me a observar e vejo ali, naquela "Tasca" com apenas quatro pessoas (o Jorge, comandante, a Filipa, chefe de máquinas, o Filipe, imediato, e a Helena, segunda oficial), coisas que às vezes se perdem de vista em empresas maiores. Em primeiro lugar, impera o valor que deve nortear qualquer organização que preste serviços e/ou forneça bens: a satisfação das necessidades do cliente. E seguindo o básico princípio que, uma vez, por razões que agora também não vêm ao caso, um sul-africano me recordou no Cabo: "kiss", ou seja, "keep it simple stupid". O cliente quer que o atendam, que o percebam, que o satisfaçam. O cliente quer respostas, entrega e resultados. A não ser quando o que o cliente procura é a complicação ou a sofisticação, estas podem bem, e devem, ser arredadas da relação com o cliente. Quem tem por função prestar serviços e/ou fornecer bens não é protagonista, nem tem umbigo, espelho ou estados de alma. Ou melhor, ter tem, mas deve deixá-los em casa, tal como deve lá deixar qualquer gosto que tenha pela complicação ou qualquer fraqueza ou narcisismo que o leve a "sofisticar" o que se quer simples, prático e direto. Qualquer empresa é um negócio (é assim, chão e claro, sem pudores mal disfarçados), e o negócio de sucesso tem como primeiro e básico propósito a satisfação dos clientes. E só assim alcança os outros pontos fundamentais da cartilha: retorno para o empresário, perenidade da empresa e satisfação dos trabalhadores, fornecedores e outros. É preciso ter as coisas claras e perceber o que é instrumento e condição do quê. Quando se começa a misturar ou inverter, começa o caldo a entornar, e no fim do dia nem uma coisa nem as outras se alcançam.
É por isso que, na sua saudável simplicidade (que muitas vezes se perde em organizações maiores, prisioneiras de conflitos, falta de foco, falsos princípios, excesso de ideias e inversão de valores), a "Tasca Zézadas" é um modelo de gestão: orientação para o cliente, qualidade do produto e do serviço, atenção, prontidão, transparência e procura de melhoria. E cada um sabe o seu lugar, e todos se tratam com respeito e com verdade, que são os princípios fundamentais que devem nortear as relações prestador-cliente, mas também as relações entre todos quantos compõem uma organização. As organizações empresariais não são lugar para afeto ou outros substantivos de recorte emocional, não só porque aí não é o seu lugar e não é para isso que elas servem (até pode nelas haver afeto, mas como consequência, não como propósito ou princípio de gestão), mas também porque a colocação do afeto ou de substantivos similares, no discurso ou no horizonte, pode confundir as coisas, dificultando ou impedindo uma coisa muito básica e importante para o sucesso de qualquer projeto: a exigência. Sem ela, e sem as suas difíceis mas necessárias consequências, não há projeto que satisfaça e conserve clientes, se perpetue e gere retorno, e assim possa satisfazer também os trabalhadores. É vital não viver sob doces, fáceis e enganadoras "burlas de etiquetas".
Advogado
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico