Opinião
O Brexit (ou outra coisa qualquer) visto de Savile Row
Savile Row é liberdade de comércio, é facilidade de circulação, é generosidade migratória. É a velha Londres na nova Londres, que é o ponto de encontro do mundo.
Savile Row é uma das ruas que elejo na cidade que prefiro a todas as que conheço (e suspeito que mesmo às que ainda não conheci).
Num tempo em que a popularidade (e não só) se conquista e cavalga dizendo o que muitos querem ouvir - o que lamento -, talvez devesse dizer que é Lisboa. Mas não é, embora lhe seja muito afeiçoado; e também não estou no campeonato da popularidade. Pois aqui fica a verdade: Londres é, exceção feita porventura às cidades invisíveis de Calvino, a cidade que coloco no topo. E nem é a mais bonita, nem a mais isto ou a mais aquilo, mas, juntando tudo, é a que tem, para mim, um especialíssimo "it".
Como posto de observação, é do melhor que há. E, sendo-o, em tempos de Brexit no horizonte é simultaneamente causa de atormentada perplexidade e de humilde aprendizagem. Percorrendo-a, olhando para quem circula e entra e sai, perscrutando as casas de alfaiataria (quer os seus glamorosos andares térreos ou altos, quer as subcaves e caves onde se corta e cose), e também pensando um pouco, vemos logo duas ou três coisas que o Brexit parece negar, mas que são o coração da vida de Savile Row e da alfaiataria que hoje ali se faz pela mão de poucos caucasianos, que ali é comprada por gente (com cabedais) de todo o mundo e que dali sai facilmente "urbi et orbi".
Savile Row é liberdade de comércio, é facilidade de circulação, é generosidade migratória. É a velha Londres na nova Londres, que é o ponto de encontro do mundo. E, no entanto, isso é em grande parte, e simplificando, o que o Brexit parece não pretender. Bem sei que Londres não é o Reino Unido, e bem sei que eu - como outros que não pensam que o Brexit seja coisa boa - poderia rapidamente alinhavar meia dúzia de causas para o que a maioria dos que votaram e votam parece querer (mas será?), e poderia, do alto de uma confortável e superior sensação de saber melhor, apontar-lhes equívocos, falsas nostalgias pela "Pax Britannica", um mítico espírito cavalheiresco cunhado desde a fábula do Rei Artur, ou superficialidade de pensamento, sobranceria, cinismo, raiva, medo; e tantas outras coisas. Mas isso não chega, nem creio que seja o melhor caminho.
Quanto aos que não pensam como nós, e sobretudo quando os que não pensam como nós elegem ou ganham (nesse regime que é o pior, à exceção de todos os outros - como disse Churchill sobre a democracia, o homem que tanto ajudou a ganhar a guerra e que logo depois foi apeado do poder pelo voto), talvez seja mais avisado não apaziguar as perplexidades tão rapidamente. Será melhor aprofundar um pouco mais, escavar, tentarmo-nos colocar no lugar do outro, verificar o que se calhar não estamos a ver (ou a fazer) bem. Mesmo que seja para depois de um longo caminho chegarmos à mesma conclusão, é bom que, quando discordam de nós e/ou quando perdemos, e também quando não gostam ou deixam de gostar de nós, questionemos: "Que diabo, porque será realmente, vejamos ponto a ponto?" Essa indagação séria e calma é a humilde aprendizagem que nos pode ajudar a perceber melhor, e, depois, a tomar as melhores decisões, sejam elas: continuar a lutar, desistir, calar, gritar, mudar de ideias ou conduta, ou fugir a sete pés - seja da minha amada Londres seja de outra coisa qualquer. Mas não sem antes tentar, e tentar uma e outra vez, compreender.
Advogado