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Pedro Santana Lopes - Advogado 04 de Dezembro de 2020 às 17:29

Ser Estadista

Portugal precisa muito para inverter a tendência, parar a queda e retomar a ascensão que se verificou nos primeiros anos da nossa integração nas Comunidades, hoje União.

4 de dezembro de 2020. Saindo este texto neste dia, é impossível que seja sobre outro assunto sem ser a inspiração que nos foi transmitida por Francisco Sá Carneiro.

 

Já falei, noutra sede, sobre o meu testemunho da inesquecível vivência que tive com o Estadista. Aqui, quero falar disso mesmo, mas a propósito, não do passado, mas do presente e do futuro.

 

Sempre se falou muito – ou pouco – de sentido de Estado. Verdade é que se tem falado cada vez menos. Fala-se muito de afetos, de habilidades, de manobras, até de birras. Não digo, com esta referência, que os responsáveis atuais - a propósito de quem se mencionam alguns daqueles termos – sejam desprovidos de sentido de Estado. Nada disso.

 

O defeito, o erro, o problema, está, muitas vezes, na degradação do nível daqueles que avaliam, analisam, comentam os assuntos sérios da governação e da atividade de todos os órgãos de soberania. Muitos dos que o fazem nunca se colocam na perspetiva de analisar as decisões, os atos, as palavras, as faltas dos responsáveis pela perspetiva da política como responsabilidade perante o Estado e a comunidade a que pertencem e devem servir, mas fazem-no sim, com frequência, a apreciação da dita política como atividade quase circense (sem qualquer menosprezo), ou da área dos espetáculos, algumas vezes pirotécnicos. Diga-se, a propósito que as eleições legislativas de há um ano foram um exemplo dessa prevalência dos efeitos especiais (e não o digo por não ter sido eleito).

 

Normalmente, essa avaliação da envergadura de cada decisor é mais fundada quando passa algum tempo, e arrisca-se a ser injusta quando feita em cima do acontecimento.

 

O que quero aqui realçar, a propósito de Sá Carneiro, é exatamente essa dimensão que demonstrou, de modo incontestável, no ano em que chefiou o Governo de Portugal. Também o fez enquanto líder da oposição, por exemplo, no modo como se empenhou em apoiar toda a ação dos Governos do Partido Socialista, no processo de adesão às Comunidades Europeias. Mas antes de ganhar as legislativas, em 2 de dezembro de 1979, tinha consumido boa parte dos cinco anos que passavam desde o 25 de Abril, primeiro no I Governo Provisório, depois no estrangeiro, por motivo de doença, e, depois, ainda, "consumido" pela contestação interna no seu próprio partido.

 

Para o presente e para o futuro de Portugal, importa cada vez mais que essa noção de responsabilidade perante o Estado e a comunidade, esteja presente. Essa noção não tem de ser exclusiva de quem é Chefe de Estado e de quem governa ou está na oposição, ou de quem serve na área da Justiça, investigando, acusando, inocentando, julgando nos tribunais. A bem ver, todos nós, todos os dias, fazemos política ao contribuirmos, ou não, para a Polis. E contribuímos, positiva ou negativamente, consoante o que fazemos e como fazemos.

 

Para o sentido de Estado é, também, importante a chamada postura de Estado, ou gravitas. Sem dúvida, também por causa do exemplo. Se queremos exigir nível elevado aos vários intervenientes na vida comunitária, os mais Altos Representantes devem manter o devido equilíbrio entre a compostura exigível a quem está mandatado e fala e age em nome do Estado e a naturalidade que é exigida pela realidade dos tempos de hoje. O tempo já não está para poses de monarca absoluto ou de sultão, mas também não pode ser de atitudes que vulgarizem, desprestigiem, banalizem os cargos e os seus titulares.

 

Lembremos, sobre presente e futuro, que chegam fundos europeus para a grande recuperação e, ao mesmo tempo, sucedem-se notícias sobre a ultrapassagem de Portugal por outros países da União Europeia, no que respeita ao rendimento das pessoas. Falta pouco para estarmos no último lugar, trinta e cinco anos depois da nossa adesão.

 

Ser Estadista e/ou ter noção do serviço à comunidade é saber o que é mais importante e respeitar a hierarquia dos princípios, dos valores, dos objetivos, das aspirações, das necessidades, dos temas que devem mobilizar a ação, individual e coletiva. Só assim, Portugal poderá recuperar, mudar, subir, progredir, qualificar, desenvolver, enriquecer, distribuir. Não o conseguirá se continuar a perder tempo com o que não importa ou não é o mais prioritário, a agir com destempero, a romper por motivos menores, a contradizer, a cada momento, escolhas anteriores.

 

Francisco Sá Carneiro tinha tudo isso que apontei como necessário. Por esse motivo, causou tão forte impressão, principalmente, quando primeiro-ministro. Chamavam-lhe teimoso porque era coerente. Nunca perdia a compostura. Tinha as que eram, no seu entender, as prioridades nacionais, bem definidas. Ou seja, sabia o que queria e bastava isso para não ter de disfarçar nada ou entreter o povo com o que menos importa. Não se trata de glorificar quem partiu. Detesto essa mania de só se dizer bem das pessoas quando já cá não estão. Eu já pensava assim e dizia-o quando estava entre nós. E o facto de tantos, nomeadamente, os jovens, quarenta anos depois, quererem saber tudo dobre a sua personalidade, a sua intervenção política e a sua ação como governante, demonstram bem que era mesmo assim. Oxalá se entenda, cada vez mais, a questão do nível, da categoria, do sentido de responsabilidade, da definição de prioridades, da determinação em servir. Portugal precisa muito para inverter a tendência, parar a queda e retomar a ascensão que se verificou nos primeiros anos da nossa integração nas Comunidades, hoje União.

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