Opinião
O nosso ritmo
Nós somos bons nas grandes epopeias. O ritmo é muito importante. Já provámos que o ditado “depressa e bem não há quem” não é uma verdade absoluta. Nem pouco mais ou menos.
É sempre complicado falar ou escrever sobre assuntos sensíveis, especialmente quando são especializados e não se é especialista. Mas a exigência coletiva, feita de esperança e de ansiedade, fundamenta que façamos todos um esforço para exercitar o chamado senso comum.
Tenho boa ideia da capacidade de Francisco Ramos, coordenador do processo de vacinação contra a covid-19. Não tenho dúvida das boas intenções de todos os envolvidos no processo e da sua vontade em que tudo corra muito bem e tão depressa quanto possível. Só que, sabemos todos, por vezes há decisões, omissões, confusões, hesitações, intenções, indefinições, submissões, informações, que não se compreendem. Querem um exemplo? Aquela primeira página do Expresso com a manchete assegurando que os mais idosos (julgo que com mais de 75 anos) não eram prioritários. Aquela notícia não surgiu do nada. Alguém pensou aquilo. Num tempo em que se fala tanto de racismo, de homofobia e de outros pecados graves, como não houve um inquérito para saber donde veio aquele pensamento quase nazi? Noutros países tal monstruosidade não passou pela cabeça de ninguém ou, pelo menos, ninguém se atreveu a sugeri-la nem nenhuma notícia com essa hipótese repulsiva. E, já agora, quando falo em submissões, não refiro nada de indevido no plano da honestidade, mas antes a aceitação de uma lógica comunitária, no caso da União Europeia, para tudo o que envolve este assunto.
Não ponho em causa que, também nesta matéria, tenhamos benefícios vários por agirmos nesse quadro. Mas gostaria de recordar que a saúde, bem ou mal, tem estado, todos estes anos, fora das atribuições de Bruxelas. Mesmo nas áreas que fazem parte, ou estão entregues à União Europeia, deve funcionar, sempre que possível, o princípio da subsidiariedade. E, os Estados, respeitando a distribuição de competências dos tratados, têm sempre alguma liberdade de iniciativa. Começaria, pois, por perguntar: assinámos algum acordo, algum compromisso, que nos impeça de ter iniciativa própria neste assunto? Traduzindo: comprámos vacinas de um laboratório, tal como outros países da União; Bruxelas tem contrato assinado com outras farmacêuticas, mas podemos comprar a entidades que Bruxelas não tenha escolhido?
Vou dar um exemplo mais: mandámos vir ventiladores da China; podemos comprar-lhes vacinas? Ou à Rússia? A Entidade Reguladora da Saúde do Reino Unido já aprovou, há dias, a vacina da Pfizer, a Entidade Europeia ainda não. Porquê?
É que o calendário é, obviamente, muito importante. Se não houvesse vacina(s) as pessoas tinham de aguentar. Mas havendo, é difícil para qualquer ser humano, no meio de uma pandemia, ouvir que será vacinado lá mais para o verão... Há entidades reguladoras que vão aprovando diferentes vacinas, em diferentes continentes, em diferentes civilizações. E aqui não pode estar em causa qualquer fidelidade com aliados. Aqui, o que importa é salvar vidas.
Recursos? Há meses, a 20 de agosto, quando foram anunciadas, pelo primeiro-ministro, 4 milhões de doses, disse-se que custariam 20 milhões de euros. Agora, fala-se em cerca de 20 milhões de doses por cerca de 200 milhões de euros. Seja. Mas em que ritmo?
Tenho poucas dúvidas de que, dentro de algum tempo, quase todas ou todas as vacinas que já existem e já são administradas serão aceites e todos comprarão a todos.
No Brasil, nos Emirados, no Canadá, em Israel, em vários países do mundo, começam a chegar e anunciam-se vacinas de várias paragens. Nesta matéria, o único critério válido é o da eficácia e a certeza, tanto quanto se deve ter nestes instrumentos, de que são bem toleradas.
O próprio coordenador nacional já afirmou que é possível nas cidades encontrar espaços bem maiores do que centros de saúde. Claro que sim. Por exemplo, estádios e pavilhões. É disto que falo quando alerto para o erro de se aceitar o quadro estabelecido noutras instâncias. Nós somos bons nas grandes epopeias. O ritmo é muito importante. Já provámos que o ditado “depressa e bem não há quem” não é uma verdade absoluta. Nem pouco mais ou menos.
Não vou fazer demagogia e falar dos montantes que se anunciam para apoiar bancos ou salvar empresas. Aqui, trata-se de salvar vidas. Já chegam os casos de hospitais prontos e fechados e de outros que há muito deviam estar concluídos e não estão. Aqui, é dar uma vacina, numa ou em duas doses. Seis meses ou mais? Não pode ser. Vamos a isso e mostrar que quando a tarefa é grande, de facto, ninguém nos bate.