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Pedro Santana Lopes - Advogado 26 de Novembro de 2020 às 18:48

Nem se atrevam

Que ninguém queira lucros desta missão. E parem de assustar as pessoas com as coisas que dizem sem ter a certeza, é completamente fora de tempo. Esta é uma daquelas gestas que fica na História da gente. Por Portugal e pelos portugueses.

Estava longe de algum dia escrever as palavras que vêm a seguir: a maior prova de sentido de responsabilidade que vi, nos últimos tempos, em Portugal, foi dada pelo PCP, com a abstenção no Orçamento.

Eu sei que o PC insiste em fazer o seu congresso, apesar dos números da pandemia. Manda a verdade dizer que não são os primeiros, entre congressos e convenções, nacionais e regionais (no continente). Mas o facto de assumirem as responsabilidades e a coerência do apoio que deram ao Governo de António Costa durante cinco anos é uma atitude rara. Podem até ter dúvidas se não os prejudica viabilizar o Orçamento numa altura de crise. Mas não fugiram ao dever e à consciência de que o país não podia ter agora uma crise política e um Governo em gestão.

Dito isto, que é justo, devo dizer que assisti, por estes dias, a uma sequência de cenas de estarrecer. Já escrevi cem vezes que não quero contribuir para desgastar e diminuir quem está incumbido nesta altura tão difícil das nossas vidas. Na semana passada, escrevi aqui umas breves mas veementes palavras sobre a vergonha do que se passa com a vacina da gripe. Conheço pessoas com 80 anos, que há anos tomam a vacina, que se inscreveram e reservaram a deste ano e ainda não conseguiram ser vacinados. Eu vacino-me só há uns anos mas também reservei a tempo, e nada. Acreditei, acreditámos no que disseram os responsáveis cimeiros do Estado, que haveria vacinas para todos. Acreditei, embora tivesse logo considerado muito estranho o número anunciado, manifestamente insuficiente. Mas admiti que se tratasse de uma primeira leva de fornecimento. Agora isto? Não há mais? Como é possível?

A sequência de cenas que refiro acima e que deixou estarrecidos todos com quem falei e que, naturalmente, estão muito preocupados com o assunto, foi a propósito da preparação da chegada e distribuição das vacinas da covid-19, em Portugal. No início da semana, assistiu-se a uma excelente reportagem no Jornal Nacional, da SIC, sobre o sistema que nos EUA está montado, organizado, já pronto para o efeito. Pronto a tal ponto de que o comandante da operação afirmou, perentoriamente, que, se a ordem de avançar chegasse naquele dia, estavam aptos para a executar imediatamente. E executar a ordem, neste caso, é levar milhões e milhões de vacinas a todos os cantos dos EUA.

Nos dias a seguir ouviram-se outros anúncios semelhantes da Alemanha, de Espanha, do Reino Unido, entre outros. Perante tudo isso, surgiu, em todos, a pergunta óbvia: e nós? Por sinal, foi já o título do meu artigo anterior. E que resposta veio? Que ia ser nomeado um coordenador da comissão (claro...) que ia tratar do assunto. E vieram umas declarações esparsas a garantir que já se estava a pensar no assunto há uns meses. E ontem, o Presidente da República anunciou que ia fazer videoconferências com os laboratórios/farmacêuticas. Só lembrar que a Comissão Europeia avisou todos os Estados para prepararem tudo a 20 de outubro.

Bem: nós sabemos como é este país e a conversa do correu mal, mas não se pode repetir; vamos abrir um inquérito e apurar responsabilidades bem como o encobrimento dos apaniguados comentadores. Desta vez, não. Ponham-se ao trabalho 22 horas por dia, integrem quem sabe de logística, armazéns, sistemas de frio, organização e gestão de recursos e não venham com desculpas. Nos armazéns, por exemplo, é melhor tê-los arrendados e prontos à espera que cheguem as vacinas do que elas chegarem e os armazéns não estarem prontos. Como disse o ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn: “Prefiro ter os centros de imunização prontos e que fiquem inativos durante vários dias do que ter vacinas autorizadas que não possam ser administradas.”

Não dá para desculpas, é impossível sequer tentarem articular qualquer justificação. Sabemos dos incêndios todos os anos, da tragédia de Pedrógão e de Viseu, sabemos que as coisas falham sempre ou quase sempre. Aqui, não dá. Senhor Presidente, Governo, oposição: esta é tarefa imperativa, prioritária, cimeira. Há quem não se queira vacinar? Pois, é outro assunto. A humanidade está ansiosa, como é natural, pela chegada das vacinas. Não comecem com a conversa de que não somos logo os primeiros. A UE já garantiu que chega ao mesmo tempo a todos os Estados-membros. A da Pfizer, a Moderna, a Sputnik, a Coronavac? Desde que aprovadas pelas autoridades competentes, venham de todas. A nossa excelente diplomacia que se dedique ao assunto em plenitude. Todos temos desculpado erros, enganos, falhas uns dos outros. Já todos vimos inquéritos que nunca concluíram e outros que concluíram nada. Aqui, não há margem. Aqui é a vida, a saúde de muitos milhões, biliões de pessoas. Em Portugal, somos mais de dez milhões. E são também os empregos e as empresas que desaparecem a cada dia que passa.

Não se distraiam, não se atrasem. Não se pode falhar em nada. Nem se atrevam. Esta é uma grande missão. Nessas somos bons. Nesta, temos de ser nota vinte, sermos top, sermos um exemplo. Oxalá todo o mundo o seja. Mas falo de Portugal. Deixem lá outros assuntos, a não ser os de cuidar de quem precisa de ajuda e não pode adiar. Deixem-se de guerras, de ataques ou preconceitos. Mobilizem todos: setor público, setor social, setor privado. Que ninguém queira lucros desta missão. E parem de assustar as pessoas com as coisas que dizem sem ter a certeza, é completamente fora de tempo. Esta é uma daquelas gestas que fica na História da gente. Por Portugal e pelos portugueses.

 

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