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13 de Julho de 2016 às 19:56

Bagunça e hipocrisia

Já perdemos muito tempo, tempo demais a olhar para o lado, a ignorar tão sérios avisos que têm surgido. E agora, como se sabe, também podem soprar ventos de Itália.

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Cada vez lembro-me mais do célebre documentário "Inside Job" ("A Verdade da Crise"). Lembro-me de como as mesmas agências de notação financeira que continuam a avaliar Estados, economias, bancos e outras entidades e, com isso, a influenciar a vida de milhões e milhões de cidadãos, davam no dia da falência do Lehman Brothers, do Bear Stearns ou do Merrill Lynch a cotação máxima a estas instituições, ou seja, Triple A. Em condições normais estas agências teriam fechado portas, mas continuaram a fazer o mesmo, como se a sua credibilidade tivesse ficado imaculada. O facto de terem continuado a ser aceites demonstra a falta de sanidade e de lógica de todo o sistema financeiro e dos próprios sistemas económicos. Quando alguém aceita ser avaliado por entidades que falharam rotundamente, perdendo toda a autoridade, é porque algo de muito errado se passa com esse alguém. Bancos, mesmo que de atividade um pouco diferente, mas que continuam a ser bancos e, portanto, instituições financeiras, avaliam outros bancos e publicam notas sobre as debilidades ou fraquezas dos seus concorrentes. Algumas vezes, esses bancos são controlados por acionistas da mesma nacionalidade de investidores tidos com potenciais interessados na aquisição da instituição financeira que foi objeto de uma avaliação pública.

 

Já aqui referi em semanas anteriores como continua a incongruência da permissão de investimentos em bolsa em perdas de cotação de títulos. Na prática, são as economias e os sistemas financeiros, e também os mercados de capitais, a fazerem mal a si mesmos. São também participações cruzadas de acionistas ou indiretas de pessoas ou entidades em diferentes bancos, mas que, de um modo ou de outro, têm interesses próximos ou concorrenciais. É o BCE que quer impor limites significativos ao relacionamento entre bancos dos PALOP e bancos portugueses, como se os bancos de outros países grandes da Europa só se relacionassem com instituições financeiras situadas em países que vivem em plena democracia. É a bagunça e a hipocrisia misturadas que produzem cada vez mais resultados negativos e que têm como consequência avassaladora perdas de valor em instituições que eram sólidas.

 

São bancos de países poderosos que estão em situação débil a falar sobre as necessidades de recapitalização de bancos sediados em países menos poderosos. Tanta bagunça e hipocrisia gera o caos, e o caos em sistemas financeiros é absolutamente indesejado. Já tarda muito a conferência porque me bato há anos a nível mundial, um Bretton Woods para a área financeira. Precisamos, como de "pão para a boca", dessa nova ordem neste domínio.

 

A UE, principalmente depois do Brexit, deve ser a primeira interessada na credibilização de todo este sistema. Apesar de tudo, é a sua economia que menos cresce e são os seus bancos que apresentam mais problemas e que mais têm adiado a sua resolução. Na Grã-Bretanha e nos EUA, as economias crescem mais e houve medidas adotadas há mais tempo e mais profundas para regenerar as instituições financeiras com problemas. Não significa que estejam todos resolvidos, nem pouco mais ou menos. Mas essas instituições estão melhor, pelo que se sabe, do que as do continente a que pertencemos. Já perdemos muito tempo, tempo demais a olhar para o lado, a ignorar tão sérios avisos que têm surgido. E agora, como se sabe, também podem soprar ventos de Itália.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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