Opinião
As pedras não abanam com o vento
O tempo da presença tutelar do terceto financiador está a terminar. O Povo, cansado, em muitos casos, mesmo extenuado, ainda não sabe ao certo como poderá voltar a ser quase soberano (já que ninguém o é de modo pleno).
1. Durante dois anos, enquanto Vítor Gaspar foi ministro das Finanças, fomos sempre ouvindo a indelicada sugestão da parte de várias pessoas e diferentes setores, de que seria ele o verdadeiro timoneiro da nau do Governo. Na prática, seria ele o verdadeiro primeiro-ministro. Entretanto, após a saída do ex-ministro das Finanças, em Julho do ano passado, o tempo foi passando. E o passar do tempo tem demonstrado que a orientação do Governo, no geral, se mantém apesar de ter mudado o responsável da pasta.
No entretanto, quando da entrada de Maria Luís Albuquerque, disse-se de tudo um pouco: que era uma segunda ou terceira escolha; que não tinha currículo nem "traquejo" para suceder a Vítor Gaspar; que era uma escolha infeliz de Passos Coelho que resolvera convidar alguém que conhecia porque tinha sido sua professora; que não se percebia como iria ser vista e bem aceite a nível internacional; que era nomeada para ser "um pau mandado" do primeiro-ministro.
Só que o tal do tempo foi passando e logo começaram por surgir declarações dos seus colegas do Eurogrupo salientando a confiança na envergadura da sucessora de Vítor Gaspar. Logo depois, tentaram atingi-la com a polémica dos "swaps", mas também aí a nova ministra não se intimidou e bateu-se "que nem uma leoa" na Comissão Parlamentar que se ocupou da matéria. Depois, bem, depois, Maria Luís Albuquerque foi suscitando o respeito generalizado com a sua postura entre o sorriso sereno e a frieza determinada. Tem uma presença que combina um olhar afável com uma distância quase glaciar e, quando necessário, com dureza afirmativa.
Para além das suas caraterísticas pessoais, com o passar dos meses começaram a chegar os resultados positivos da economia. E essa é uma força difícil de contrariar: com a entrada de Maria Luís Albuquerque coincidiu o início da recuperação económica.
2. Poder-se-á perguntar se a nova ministra mudou o rumo ou o discurso. Não mudou. Passou foi a dizer com voz suave, e simpática e vocábulos percetíveis o que Gaspar dizia de modo sonolento, enigmático e, por vezes, ameaçador. Gaspar era mau ministro? Não. Prestou um grande serviço ao País. Não comunicava nada bem e para quem é obrigado a mudar de vida é importante que alguém explique o que se passa. É curioso que Vítor Gaspar tem uma imagem de Português típico, mas uma fala e uma fama de "estrangeirado"; Maria Luís Albuquerque tem imagem de nórdica, mas discurso de mulher de família portuguesa.
Hoje em dia, ninguém discute a ministra e já quase ninguém se lembra daqueles minutos penosos em que tomou posse como ministra de um Governo que todos duvidavam que ainda pudesse continuar para além daquele dia. Nessa cerimónia, manteve aquele ar quase esfíngico que lhe permite parecer quase imperturbável. Acabou por vencer as resistências internas na coligação e por ultrapassar as críticas ferozes dos adversários.
3. Por detrás de tudo isto, quem?
Um ministro, uma ministra. Dúvidas, críticas, reservas, mesmo escárnio e mal dizer. E quem se manteve plácido e de rota constante?
Um ministro, uma ministra. Austeridade, Tribunal Constitucional, veto político, medidas duras, manifestações, mensagens de Ano Novo, cautelares, saídas limpas, Congresso, juros, ida aos mercados. E quem se manteve firme e de rota constante?
Por um ministro, seria mandado, numa ministra mandaria como quisesse. Depois de sair, Gaspar passou a ser bom para quase todos e Maria Albuquerque já o começa a ser mesmo em funções.
Tanta história, tanta tinta, tanta especulação. Antes era Gaspar que mandava em todos, depois já não conseguia fazer frente a Paulo Portas, quanto mais fazer sombra ao Chefe do governo. Depois seria Albuquerque que não teria peso nenhum, agora já ninguém a contesta.
4. Entretanto, o País tudo faz para vencer o desafio de derrotar a crise. Dizem, para lá das fronteiras, que começa mesmo a ser a grande surpresa entre os que precisaram de ajuda externa. O tempo da presença tutelar do terceto financiador está a terminar. O Povo, cansado, em muitos casos, mesmo extenuado, ainda não sabe ao certo como poderá voltar a ser quase soberano (já que ninguém o é de modo pleno).
À frente de tudo isto, um primeiro-ministro granítico. A História das Pátrias seculares não se faz com ficções, mas sim com decisões.
Advogado
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.