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16 de Maio de 2014 às 10:12

Mick Jagger: a prova científica de que descendemos do macaco

Os Stones trazem no ADN musical os temas da repressão (política, social e sexual), da emancipação geracional e da auto-determinação.

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"And I went down to the demonstration, to get my fair share of abuse, Singing 'we're gonna vent our frustation If we don´t, we're gonna blow a fifty-amp fuse'"
Mick Jagger, "You can't always get what you want", in Let It Bleed (1969)

 

 

Aqui vai uma para os spinners da publicidade, seus enteados, adeptos de eventos, e povo português em geral, responderem: quem diabo são aqueles pseudo-jovens já trintões, meios aparvalhados, com que nos retratam na publicidade da TV? Qual é a ideia? É tipo: "se eles parecerem mais infantis, com umas sapatilhas e uns telemóveis, compram mais"?… Suponho que a vossa ideia - ou ideia de retrato, tipo flower power dos à rasca - seja esconder a fatalidade geracional da precariedade, género: se os infantilizarmos na imagem, talvez não eles não reparem que o smartphone custa meio salário mínimo nacional e que ainda moram em casa dos pais. E vale para telemóveis, cerveja ou mesmo electricidade.


Há uma razão comezinha que emparelha os Stones com Shakespeare: são fenómenos muito superiores em aplitude mediática ao real conhecimento que o público tem da sua obra e história. Por norma, sobrevivem a tudo (se calhar, até à artificialidade de um Rock in Rio), sustentados na solidez intrínseca da sua obra ou marca, se preferirem o termo mais frívolo. No caso dos Stones, por exemplo, o trajecto começa com uma ruptura excepcionalmente bem gerida com a "light teasing fashion" dos Beatles; Jagger achou, no seu infinito sentido de negócio, que a confrontação era o caminho. "Let it Bleed" (deixa sangrar, em tradução literal), onde se encontra "You can't always get what you want", por exemplo, é uma resposta a "Let it Be" (deixa estar, de novo em tradução literal) de Lennon e McCartney.


Em boa verdade, os Quatro de Liverpool nunca foram sequer muito dados à contestação activa, sendo mais inspirados pela contemplação psicadélico-doce, em ruptura suave com o quadrado mediano - quem, de facto, tomou armas de guerrilheiro mais adiante foi Lennon, já na Nova Iorque onde morreria em 1980. Já os Stones, trazem no ADN musical os temas da repressão (política, social e sexual), da emancipação geracional e da auto-determinação, em perfeita celebração da tradição musical americana negra a elas associada - a tradição dos blues, do rythm and blues, do soul, do gospel - ouça o coro feminino no tema que acima cito, e esta afirmação não lhe parecerá assim tão complexa.


Será esta uma das razões da sua planetária fama? É possível, já que, embora os seus temas sejam em si exemplos "de livro e escola", a verdade é que a sua produção sonora é das mais lucidamente enraizadas dos "sixties", o que, em parte, pode ajudar a explicar a sua sobrevivência ao tempo, ou o seu aspecto "clássico", se preferirem. Claro que fenómenos como a invenção dos concertos em estádio, por muitos atribuída a Jagger, também terão contado e de que maneira - "money talks". Jagger e Richards nunca esconderam de nós o que tocavam antes de serem famosos e em 1964 (um ano antes de "Satisfaction"), gravaram (ainda com o infame Brian Jones) "Little Red Rooster", um tema orginal do músico de blues Willie Dixon. Esta revelação tem outras materializações como em "I got the Blues" de Sticky Fingers, o álbum cuja capa é da autoria de Andy Warhol (1971) - o próprio "(I can't get no) Satisfaction" é, em estrutura, um blues de 3 acordes, acelerado ao som da histriónica reivindicativa de Jagger; podem ser ouvidos juntamente com "Honky Tonk Women" (1969) ou "Sympathy For the Devil" (uma espécie de transe voodoo, recitativo das raízes tribais hipnóticas da música negra de Nova Orleães, 1973). Já "Jumping Jack Flash" (1968) foi rotulado pela revista Rolling Stone como uma forma "supernatural de blues, reinterpretada no cânone da swinging Londres".


Claro que o negócio global é cada vez menos feito de música - basta ligar a enésima estação de rádio para topar isso mesmo. No caso dos Stones, o ícon Jagger estará hoje muito distante (e muito mais rico) do jovem Jagger - mas são poemas como "Paint it, Black" (1966) ou mesmo "Satisfaction" que legitimam, na sua incrível originalidade e desassossego, a atenção que os Stones merecem. E quando o ritmo tribal se sublima na palavra antagónica - como na Tragédia Grega - Jagger é a prova científica do mito mais temido por todos os fanáticos clericais e suas reencarnações contemporâneas: somos todos descendentes do macaco, embora ninguém goste que lhe atirem bananas. "And the man comes on the radio, tellin' me more and more about some useless information, supposed to mess my imagination"? Podes ficar com o telemóvel e as redes, mais a energia e até com a cerveja, que tenho o comando da "box" avariado.

 

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