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Nicolau do Vale Pais 23 de Outubro de 2015 às 10:36

Então e a "minha alegre casinha"?

A política não está em lado nenhum senão nos jogos de poder medíocres, mais próprios dos serventuários que dos verdadeiros líderes.


Fechamos mais uma semana - a terceira - após as eleições legislativas, e a única certeza que temos é a do cenário quase inevitável de novas eleições ainda antes do próximo Verão. Minto, temos mais três: a morte e os impostos, e as contas para pagar. Incluindo a do carro e a da casa, bens-base para a prosperidade da tal classe que faz a democracia, a chamada "classe média".

Entre a minha geração e a do meu irmão - nove anos mais novo do que eu -, a mudança radical e inusitada de paradigma no que toca aos pilares da estabilidade de vida - casa e emprego - constitui-se como um verdadeiro e acabado exemplo do que é a vitimização dos cidadãos ao desvario da política do cata-vento. Se "no meu tempo" o que ditava a lógica era a compra a crédito, já nesta geração que hoje emigra, a precariedade laboral e a inevitabilidade da emigração forçada fizeram retomar - e de que maneira - os preços dos alugueres por essa Europa fora, ameaçando equilíbrios já de si débeis da desregulação instituída.

Sabemos das centenas de milhares de jovens portugueses qualificados que abandonaram o país nos últimos anos, mas o que talvez nos esteja a escapar é o nível de desequilíbrio demográfico que a emigração acarreta, não só para o país que se esvazia, mas também pela inflação que este aumento de procura provoca nos custos da habitação no país que acolhe; e, claro está, a precariedade que impõe quase automaticamente ao jovem emigrante. Reino Unido, Alemanha e Suíça são os países para onde mais recentes emigrantes portugueses se mudaram. Os problemas, agravados por uma indústria de turismo acelerada e uma especulação financeira e imobiliária sem precedentes na História, crescem um pouco por toda a parte. A política, que deveria servir para amenizar, se não mesmo para resolver os conflitos de interesses inevitáveis numa economia e mundo que se querem abertos, não está em lado nenhum senão nos jogos de poder medíocres, mais próprios dos serventuários que dos verdadeiros líderes.

Na próspera Suíça, a direita anti-imigração venceu as eleições da semana passada; em Londres, um ataque com a tomada de clientes como reféns a uma loja dita "burguesa" no sudeste da cidade serviu de pretexto para a demagogia anti-gentrificação, numa cidade onde os preços do metro quadrado atingem hoje valores impensáveis, mesmo para quem está bem empregado. Berlim, outrora tida como exemplar no equilíbrio entre os interesses de proprietários e locatários, sofre hoje uma escalada imparável (com particular aceleração ao longo dos últimos dois anos) nos preços do arrendamento, que se resume num crescimento das rendas duas vezes mais rápido do que o das restantes cidade alemãs. E reparem que nada disto tem que ver com migrantes, religiões ou raças, bem pelo contrário: estamos "só" a falar de europeus.

É, em si, um fenómeno a analisar: a "luta" política - ou lá o que é - que os novos revolucionários de pacotilha promovem para depois passarem por cima de tudo o que defendem assim que lhes cheira a poder - não nos deixa falar daquilo que é central. O exercício da promoção da indignação (e do conflito), em vez da promoção das ideias (e das soluções de compromisso), remete-nos sistematicamente para as franjas das questões, distraindo-nos do real vazio político, para gáudio dos contestatários profissionais. De causa em causa, até ao obscurantismo final, o problema da capitulação da social-democracia reformista é o único que valeria hoje a pena estar a discutir. O resto é a espuma dos dias, que não parece vir a trazer nada de melhor para os lados da nobre arte do impossível.

Eu percebo que seja mais fácil defender causas pelo lado da indignação; sucede que o acolhimento dessas causas, a sua tolerância, compreensão e adopção estão directamente relacionadas com o sentido de justiça e segurança "lato sensu" das populações; ora, esse sentido extingue-se hoje à mesma velocidade que a dita classe média. E são os impostos da classe média que financiam a democracia e as suas bandeiras mais distintivas. 

PS: do ponto de vista português, não deixa de ser irónico que este problema do território tenha por cá os mesmos efeitos que na Europa globalizada, bastando para tal consultar os preços dos imóveis nos centros urbanos, com os do campo ao abandono, e as terríveis consequências económicas dessa gritante falta de planeamento e sentido das prioridades.

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