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01 de Maio de 2022 às 21:21

"Se a UE não ceder à Rússia, fica sem gás e a Alemanha entra em recessão. O dilema é sério"

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o novo Governo, as mudanças na Assembleia da República, a guerra na Ucrânia, entre outros temas.

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A POLÉMICA DO ACOLHIMENTO DE UCRANIANOS

  1. Comecemos pelos aspetos positivos: primeiro, o acolhimento de ucranianos tem corrido globalmente bem, com eficácia e generosidade; segundo, a última manchete do Expresso é verdadeiro serviço público. Sem ela, a verdade continuava escondida.

  1. Agora, o lado negativo:
  • Primeiro, a gravidade do caso. O que aconteceu com a Câmara Municipal (CM) de Setúbal é mais grave do que o que sucedeu com os ativistas russos na CM de Lisboa, no tempo de Medina. A fazer fé no que foi escrito, o que se passou em Setúbal é parecido com espionagem de guerra.
  • Segundo, a falta de bom senso. Não sei se houve da parte da CM de Setúbal desleixo ou má-fé. Mas houve claramente falta de bom senso. Mandava o bom senso que não se colocassem funcionários de origem russa a "receber" cidadãos ucranianos. Não é que os russos sejam todos pró-Putin. Longe disso. Mas era da mais elementar sensatez evitar suspeitas e desconfortos.
  • Terceiro, uma imprudência. O Presidente da CM de Setúbal diz que esta é a Associação que há 17 anos ajuda na integração de cidadãos do Leste. Até agora, tudo bem. Só que, depois de 24 de fevereiro, o Leste está dividido e em guerra. Já não está todo do mesmo lado. Mandava a "jurisprudência das cautelas" fazer uma "separação das águas."
  • Finalmente, uma autarquia culpada. Quando a Embaixadora da Ucrânia fez as denúncias que fez, a CM de Setúbal, devia ter feito, de imediato, o que fez agora: suspender a funcionária em causa do exercício das funções de acolhimento. Esta demora inexplicável.

 

  1. Isto prova duas coisas: primeiro, que o regime de Putin está em todo o lado. É um vírus à solta; depois, que as nossas instituições são, no mínimo, muito desleixadas. Antes, em Lisboa. Agora, em Setúbal. Um dano de reputação.

GUTERRES EM MOSCOVO E EM KIEV

  1. António Guterres fez o que tinha de ser feito e fez bem. Tinha de ir a Moscovo e a Kiev tentar aproximar posições. É o seu dever. O SG da ONU não tem a obrigação de obter resultados. Mas tem a obrigação de tentar. E tentou.
  • Na Rússia, com Putin, foi corajoso sem ser provocador. Disse o que tinha a dizer com coragem: disse que estamos perante uma invasão; que há soldados russos na Ucrânia, mas não há soldados ucranianos na Rússia.
  • Em Kiev, exibiu o seu lado mais humano e foi firme a exigir investigação aos crimes de guerra.
  • Num lado e noutro, Guterres esteve bem: foi corajoso, coerente e diplomata. E já começou a ter alguns resultados no plano humanitário: já começou a evacuação de civis em Mariupol. Vale sempre a pena tentar, insistir e não desistir.
  1. A visita de António Guterres tem outro mérito: o de exibir a impotência política da ONU. Como várias vezes tenho sublinhado. Em conflitos semelhantes, a generalidade dos Secretários-Gerais da ONU também tem falhado. Por uma razão simples: o poder real da ONU não está no SG nem na Assembleia Geral. Está no Conselho de Segurança e aí o poder de veto das principais potências leva à falência das Nações Unidas.

Não é possível nenhuma sanção real à Rússia na ONU – nem sanção económica, nem militar – porque a Rússia veta. Uma ONU a funcionar desta maneira é uma inexistência política e funcional.

 

UMA GUERRA LONGA?

  1. Atentos que estamos aos pormenores diários da guerra – bombardeamentos, mísseis, mortes, corredores humanitários – às vezes nem nos apercebemos do contexto geral e das mudanças que vão ocorrendo. E esta foi uma semana de mudança e de viragem. Os sinais são claros: vamos ter provavelmente uma guerra longa. Ninguém quer acabar com a guerra tão cedo:
  • A Rússia não quer acabar com a guerra porque não está a ganhar;
  • A Ucrânia não quer acabar com a guerra porque acha que pode ganhar;
  • O Ocidente não quer acabar com a guerra porque chegou à conclusão que, armando a Ucrânia "até aos dentes", pode vencer Putin. As fragilidades do exército russo, a força da resistência e a pressão da opinião pública levam o Ocidente a este novo objetivo.
  • E esta mudança tem consequências, desde logo económicas e para a UE.
  1. Vejamos os factos essenciais que provam a viragem desta semana.
  2. O primeiro destaque é este: O Ocidente (EUA e EU) acredita na derrota de Putin. O objetivo inicial era ajudar a Ucrânia. O novo objetivo é derrotar Putin. A prova é que 40 países (mais 10 que a NATO) decidiram reforçar fortemente a Ucrânia; o Presidente Biden mobilizou as oito maiores indústrias de defesa dos EUA; os EUA vão investir na Ucrânia mais 33 mil milhões de dólares. A Alemanha, a França e o Reino Unido vão enviar também armamento pesado.
  3. O segundo destaque é claro: Putin responde com escalada retórica. A Rússia volta a "ameaçar" com armas nucleares. O Kremlin faz avisos ao Ocidente: "Não testem a nossa paciência". Cortes de gás à Polónia e Bulgária são nova chantagem. Bombardeamentos em Kiev, com Guterres na cidade, são afronta à ONU. Ataques a civis e recusa de apoio humanitário mostram desespero russo.
  4. O terceiro destaque tem a ver com o gás: a UE vai pagar em rublos á Rússia? A União está perante um grande dilema: ceder ou não ceder á Rússia. Amanhã, há uma reunião de emergência de Ministros da Energia da UE para consensualizar posições. Se a UE paga á Rússia em rublos cede à chantagem de Putin e continua a financiar o exército russo. Em dois meses de guerra, a UE já pagou 44 mil milhões de euros de gás. Mais do triplo de 2021. Ao contrário, a ajuda militar da UE á Ucrânia não ultrapassou 1,5 mil milhões de euros. Mas se não ceder à Rússia, fica sem gás, a Alemanha entra em recessão e contamina a Europa. O dilema é sério.

 

O 25 DE ABRIL E O OE

 

  1. Sobre o Orçamento, há uma conclusão política relevante: António Costa está a fazer diferente de José Sócrates.
  • O OE tem vários defeitos: não é um OE reformador; não tem uma estratégia de crescimento; vai gerar perdas do poder de compra dos salários, por causa da inflação. Mas, atenção! Tem uma válvula de segurança importante em tempo de crise e de guerra: a redução acentuada do défice e da dívida. Esta decisão não deve ser desvalorizada.
  • Politicamente, isto tem uma leitura: António Costa, em 2022, está a fazer o contrário do que fez José Sócrates em 2009. Sócrates, em 2009, perante um clima de crise, de incerteza e risco, resolveu abrir os cordões à bolsa e fazer uma política expansionista. O resultado foi o que se viu: a troika, dois anos depois.
  • Costa, em 2022, também perante um cenário de incerteza, de inflação, de guerra, de mudança da política do BCE, está a fazer o contrário: baixar o défice e a dívida. Para alguns, pode custar a entender. Mas é a política certa. Um País com divida elevada só pode seguir este caminho.
  1. O discurso do Presidente da República no 25 de Abril. Foi um bom discurso e muito atual. A questão do reforço de meios nas FA é um grande desafio do futuro. E foi um discurso com consequências imediatas: foi o tema político da semana. Marcou o debate do OE e até levou o Governo a antecipar promoções militares.
  • Politicamente, o mais curioso é que, ao contrário do que foi dito a seguir às eleições, a maioria absoluta não reduziu o espaço de manobra do PR. O Presidente existe, apesar da maioria absoluta. Tem marcado a agenda política. E o seu protagonismo até tem aumentado.
  • O discurso de Marcelo na posse do Governo marcou uma semana de debates e até obrigou o PM a garantir que não ia para Bruxelas em 2024. O discurso do 25 de Abril voltou a marcar a agenda política. Ou seja: a maioria absoluta não reduz o magistério presidencial. E Marcelo, se quiser, tem outros temas de fundo para desenvolver no futuro.

 

O 1º DE MAIO PÓS PANDEMIA

 

Voltaram as manifestações do 1º de Maio. É o regresso à normalidade, depois de dois anos de restrições pandémicas. Mas o regresso mais relevante nesta área é outro: é o regresso da contestação social. É mais uma novidade deste novo ciclo político.

  • Há seis anos que António Costa está no poder. Foram seis anos sem contestação social. Primeiro, porque o PCP fazia parte da geringonça. Depois, porque foi um tempo de melhoria de rendimentos.
  • Agora, os pressupostos mudaram. O PCP passou da geringonça para a oposição. E, pela primeira vez nos tempos de António Costa, vai haver uma perda de poder de compra dos salários.
  • Falta apenas saber duas coisas: primeiro, qual é a capacidade de mobilização das Centrais Sindicais, em particular a CGTP? Um PCP fragilizado fragiliza a CGTP. Depois, falta saber como é que reage o Governo. Para já percebe-se algum nervosismo e tensão quando o acusam de austeridade.

 

PANDEMIA/VACINAÇÃO

PERGUNTAS E RESPOSTAS

 

  1. As novas regras sobre as máscaras suscitam um conjunto de dúvidas e interrogações. A bem do interesse público, importa clarificar. E o mesmo se passa com a vacinação. Vamos ter uma quarta dose?
  1. Assim, vamos por partes:

Onde é que as máscaras continuam obrigatórias?

  • Transportes públicos, aviões, táxis e TVDE;
  • Hospitais, clínicas e farmácias comunitárias;
  • Lares de idosos e unidades de cuidados continuados.
  • Aeroportos, terminais marítimos, redes de metro e comboio.

 

O que falta na dose de reforço?

  • Há 1 milhão de pessoas que ainda não tem dose de reforço.
  • São os infetados em Dezembro e Janeiro.
  • Maio e Junho são os meses para a toma.

 

Vai haver uma 4ª dose da vacina?

  • Ainda não há decisão final.
  • CTVacinação recomenda 4ª dose para maiores de 80 anos.
  • A tomar no fim de Agosto/Setembro.
  • Ministra da Saúde pediu parecer ao INSA para decidir o momento da toma.
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