Opinião
"O Estado está bem. A Nação está mal"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Luís Marques Mendes fala do Estado da Nação, os desafios para o futuro, uma remodelação no Governo, a polémica do Ministério Público, entre outros temas.
O ESTADO DA NAÇÃO: BOM OU MAU?
- Vivemos um tempo muito desigual. O Estado está bem. A Nação está mal. O Estado está bem porque está cheio de dinheiro. Nunca teve tanta liquidez. Nesse plano, vivemos uma situação excecional.
- Em 2022, tivemos a maior carga fiscal de sempre (36,4%). A seguir à 2ª maior de sempre, em 2021 (35,3%). A seguir à 3ª maior de sempre, em 2020 (35,2%). Um Governo campeão na carga fiscal!
- Em 2022, o Estado teve a maior receita de sempre (87 mil milhões de euros). E vai ter até 2026 o maior volume de fundos europeus de sempre: 37,5 mil milhões de euros, o correspondente a mais de 1 milhão de euros/hora. Este é um Estado que tem recursos financeiros como nunca!
- A Nação vive com sérias dificuldades. Sobretudo a classe média e os sectores mais carenciados. Mesmo assim, há que fazer distinções: nem tudo corre bem, como diz o Governo. Nem tudo é um desastre, como conclui a oposição.
- Há aspetos positivos. São, sobretudo, no plano dos grandes números:
- A redução da dívida em % do PIB. Mérito do ministério das Finanças e da inflação.
- O crescimento das exportações. Mérito das empresas, que até anteciparam em 8 anos a meta do governo.
- O crescimento do PIB. O resultado não é ambicioso, mas é positivo.
- Imigração: o saldo migratório é positivo e superior ao saldo natural.
- Os aspetos negativos têm todos a ver com a vida das pessoas:
- O aumento do custo de vida, "culpa" sobretudo da inflação;
- Na habitação, a subida dos juros e a falta de casas para arrendar;
- O corte real de 4% nos salários em 2022;
- O aumento das listas de espera e do número de utentes sem médicos de família, consequência da crise do SNS.
- A maior carga fiscal de sempre, penalizadora de pessoas e empresas.
OS DESAFIOS DO FUTURO
- Mais do que o passado, o que verdadeiramente importa é o futuro. E o futuro faz-se sobretudo de desafios. Temos hoje condições excecionais para ter desafios ambiciosos. Mas eles tardam a surgir.
- Temos um Governo de maioria absoluta. Uma maioria absoluta é uma oportunidade única para ter um projeto de transformação do país. E temos o maior volume de fundos europeus de sempre. É um "crime" não aproveitar esta oportunidade.
- Nos anos 90 do século passado, com menos impostos e menos fundos, os Governos de Cavaco Silva e de António Guterres colocaram a economia a crescer acima de 4% ao ano. Não há razão para que hoje, com mais fundos e mais receita, estejamos a crescer longe desse valor.
- Se não crescermos mais seremos sempre um país sem ambição: o país dos baixos salários e da emigração dos jovens mais qualificados.
- Neste quadro, há cinco desafios fundamentais que identifico como prioritários:
- Crescer 3% ou 4% ao ano. O desafio mais decisivo. Para alcançar sustentadamente melhores salários.
- Mão de obra para as empresas. O problema número um das empresas. Precisamos de mais imigração.
- Redução de impostos. Para melhorar rendimentos das famílias e ajudar à competitividade das empresas.
- Estancar a emigração dos jovens. Para não desperdiçar o investimento que fizemos na educação e formação dos nossos jovens.
- Aplicar bem os fundos estruturais. Em particular, o programa mais estrutural do PRR: as agendas mobilizadoras. É preciso resultados.
O DEBATE E A REMODELAÇÃO
- O primeiro-ministro ganhou o debate parlamentar. Apesar de o líder parlamentar do PSD, Miranda Sarmento, ter estado muito melhor do que em debates anteriores. Passa melhor na televisão, que no Parlamento. A questão é: como é que o primeiro-ministro ganha o debate, estando o Governo em má fase e em queda nas sondagens?
- Nestes debates, os primeiro-ministro ganham sempre. Ganha António Costa, como antes ganhava Passos Coelho e antes ganhava José Sócrates. Este modelo de debates favorece muito quem é PM.
- O primeiro-ministro é muito bom na retórica parlamentar e na habilidade política. Essa é a sua grande praia. Nesse plano, ele é quase imbatível. Mas não tenhamos ilusões: a retórica parlamentar cada vez diz menos às pessoas. E a maioria dos Portugueses não está feliz. Nem com o estado da Nação. Nem com o estado do Governo.
- Por isso, voltou a falar-se esta semana de remodelação. É um dos grandes desafios futuros do primeiro-ministro. Já expliquei que não seria agora. Mas será um dia. O primeiro-ministro vai ter duas questões sérias a resolver: a oportunidade e a substância.
- A remodelação é no fim deste ano ou depois das eleições europeias de 2024? Uma opção difícil. Se for no final de 2023, pode criar uma élan para as europeias. Mas se perde as europeias, o primeiro-ministro já não tem a oportunidade de uma nova remodelação para dar a volta à derrota.
- A remodelação é o novo D. Sebastião da política nacional. Cerca de três quartos dos portugueses querem uma remodelação. Até dentro do PS é desejada. Mas é uma arma de dois gumes. Se houver bons nomes gera uma boa impressão. E se não houver nomes fortes? E se os nomes fortes não aceitarem ir para o governo? Aí dá-se o anti-clímax. Muita expectativa a que se segue muita desilusão. Uma escolha difícil.
A POLÉMICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
- Uma das figuras centrais desta polémica, a Procuradora-Geral da República, está desaparecida em combate. Ao que parece, está mesmo de férias. Mal, muito mal. Já devia ter falado. Como escreveu no Público o Juiz Desembargador Manuel Soares, Presidente da ASJP, "uma ação deste melindre deve ser previamente preparada e imediatamente explicada".
- Uma vez que não deu uma explicação pública, a PGR tem toda a gente contra si: de um lado, os magistrados do MP que consideram que a PGR não os defende; do outro lado, alguns políticos que acham que o MP extravasou as suas competências. Há silêncios muito inconvenientes.
- Este silêncio é lamentável, mas não me surpreende. Há 5 anos discordei publicamente da sua nomeação. Esta magistrada tem independência, mas não tem qualquer capacidade de liderança. Com todo o respeito, é uma inexistência. Espero que daqui a um ano, PM e PR tenham mais talento do que tiveram há 5 anos na escolha do novo PGR.
- Se a PGR exagera pelo silêncio, alguns políticos exageram nas palavras. Uma coisa é condenar os exageros do MP, designadamente a promiscuidade mediática que muitas vezes promove. Outra coisa é diabolizar o MP. Isso é um erro. Nos últimos 15 anos, o MP teve uma mudança positiva brutal no combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira. Antes, os poderosos safavam-se: políticos, banqueiros, empresários e dirigentes de futebol. Agora, são investigados. É uma mudança essencial.
- O Expresso diz que também outros partidos poderão ser investigados. O MP lá saberá. Espero é que PS e PSD não cedam à tentação de fazer qualquer "arranjinho" para mudar as leis, com vista a protegerem-se da justiça. Seria pior a emenda que o soneto! Seria a imagem de que não se entendem nas grandes questões nacionais, mas entendem-se para tratarem dos seus interesses.
A HABITAÇÃO E A MATEMÁTICA
- Na próxima semana, o BCE decidirá provavelmente uma nova subida de juros. Com reflexos no crédito à habitação. Enquanto tal não sucede, o Banco de Portugal divulgou alguns dados bastante curiosos:
- Apesar do aumento das taxas de juro, houve em 2022 mais 70 mil novos empréstimos que em 2021. Fruto da cultura nacional em prol da casa própria e da dificuldade de encontrar casa para arrendar a valores acessíveis.
- O recurso a taxas variáveis baixou. Não muito, mas baixou. De cerca de 85% contratos em 2021 para 80% em 2022. Cerca de 20% passaram a ser contratos com taxas fixas ou mistas.
- A renegociação de contratos está a aumentar: quer no número de contratos (mais 17% face a 2021), quer nos montantes totais renegociados (mais 38% face ao ano anterior). Uma notícia positiva.
- A maior surpresa da semana veio, todavia, da área da educação. Acabou a obrigatoriedade do exame da Matemática para os alunos de Ciências e Tecnologias ou Ciências Socio económicas. O Presidente da República promulgou o decreto-lei com críticas.
- Tenho pena que o PR não tivesse vetado este decreto-lei. Para permitir um debate mais alargado na sociedade. Justamente com base nas duas críticas que o próprio Presidente fez a este diploma.
- Primeira crítica: é uma medida facilitista. Boa para as estatísticas. Como diz Henrique Monteiro. Má para o futuro dos jovens. Há vários exemplos internacionais a provar que o estudo da Matemática prepara melhor os jovens para o seu futuro profissional.
- Segunda crítica: é uma medida tomada sem qualquer estudo sobre o seu impacto. É o próprio PR que o diz. Isto é preocupante. Então toma-se uma medida desta importância sem avaliar o impacto que terá no futuro? Como diz Luís Aguiar Conraria, no Expresso, "não é um crime, mas é um sinal errado".