Opinião
"Não é impossível termos outro pântano depois das europeias de 2024"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o caso TAP, a demissão de Alexandra Reis e de Pedro Nuno Santos, os problemas de António Costa e o futuro político do atual Executivo, cuja legislatura arrisca não chegar ao fim.
A DEMISSÃO DA SECRETÁRIA DE ESTADO
- Esta crise é um "tsunami" na imagem do Governo. Desde que o Correio da Manhã noticiou o caso, a demissão da SE era inevitável. O seu comportamento é absolutamente imoral. Imoral pelo pedido que fez para sair da TAP: um milhão e meio de euros. Imoral porque sai com uma indemnização milionária, enquanto os trabalhadores da TAP têm cortes salariais. Imoral porque aceitou ser gestora de outra empresa do Estado, sem a hombridade de devolver a indemnização que recebeu. Acaba a perder tudo: cargo no governo, lugar na NAV e até pode perder a indemnização. Os oportunismos pagam-se.
- Neste processo, toda a gente andou mal, no Governo e na TAP:
- Primeiro, Pedro Nuno Santos. O seu Ministério "sancionou" esta indemnização. Mesmo que pessoalmente não soubesse, o seu Ministério sabia. O que vai dar ao mesmo. A seguir, voltou a agir mal ao nomear esta gestora para outra empresa do Estado, mantendo-se a indemnização que antes recebeu. Duas decisões incompreensíveis. Só podia sair do Governo.
- Depois, Fernando Medina. O seu caso é diferente, mas não muito diferente. Medina diz que não sabia de nada. Tenho dúvidas, face às notícias publicadas em maio sobre o caso. Mas, mesmo que não soubesse, tinha a obrigação de saber. Ao convidá-la para o Governo, tinha a obrigação de indagar por que é que Alexandra Reis tinha saído da TAP e em que condições tinha saído. Dizer que não sabia não é atenuante. É agravante. Foi muito negligente. Fica muito fragilizado.
A terceira vítima é a Presidente da TAP: na prática já deixou de o ser. Foi desautorizada em público pelo Ministro das Finanças. Vai acabar a ser substituída, com invocação de justa causa, para não ter de receber indemnização. Depois, os tribunais obrigarão o Estado a pagar mais uma indemnização milionária. E o mexilhão paga a fatura.
A DEMISSÃO DE PEDRO NUNO SANTOS
- A demissão de Pedro Nuno Santos é uma bomba. Era o ministro politicamente mais forte do Governo, com um peso enorme na máquina do PS. Na minha opinião, ele sai por duas razões e não apenas por uma. Sai naturalmente, porque percebeu que não tinha alternativa. Cometeu dois erros enormes. Tinha que assumir responsabilidades. Não tinha outra saída. Ficar era mais uma machadada na sua imagem.
- Mas sai também por uma outra razão: cálculo político. Sai porque também lhe dá jeito sair. Pedro Nuno Santos é muito crítico do Governo. Não o diz em público, mas pensa-o. Ele tem a ideia que a governação de António Costa vai acabar mal. Sendo assim, acha que para as suas pretensões futuras é melhor estar fora do governo do que estar dentro. É preferível sair agora, ainda que politicamente debilitado, do que sair "esturricado", no final.
- Além do mais, ele vê o exemplo de Siza Vieira e Alexandra Leitão. Dois ex-ministros que saíram politicamente "incompatibilizados" com o PM. Ao contrário do que pensavam saiu-lhes a "sorte grande". Não só fugiram ao desgaste do Governo como até ganharam estatuto. Por maioria de razão, o mesmo poderá suceder com Pedro Nuno Santos.
- Veremos se é mesmo assim. No entretanto, ele corre um sério risco: o risco de confundir o PS com o país. Ele até pode vir a ser líder do PS. Continua a ser hoje o que tem melhores condições para lá chegar. Mas com a imagem degradada que tem vai ter muitas dificuldades em ganhar eleições no país e chegar a PM. E se um dia, por causa desta realidade, o PS quiser uma alternativa, a solução não será Fernando Medina. Nessa altura, Duarte Cordeiro será o favorito.
OS NOVOS PROBLEMAS DE COSTA
- A perceção pública neste momento é esta: António Costa está a perder no final do ano o que ganhou no seu início. Ganhou no início de 2022, com a maioria absoluta, melhores condições para governar. Chega ao fim do ano em piores condições de governação do que tinha antes da maioria absoluta. Não é bom para o País, mas é o que é.
- O PM tem agora alguns problemas novos:
- Primeiro: escolher o novo ministro. Vai ser uma tarefa ciclópica encontrar um ministro forte e prestigiado. Não há muita gente credível que aceite tratar do dossier TAP. A TAP já era explosiva. A partir de agora muito mais. É uma espécie de cemitério de ministros.
- Segundo: fazer ou não fazer uma remodelação maior. O PS pede-a. Mas não é provável. O PM sabe que é cada vez mais difícil ter gente de qualidade a aceitar ir para o Governo; e sabe que por cada ministro que sai, ganha um "inimigo", um "adversário", um novo descontente. É por isto que os PM não gostam de remodelar!
- Terceiro: ter Pedro Nuno Santos fora do Governo. Outro problema. Dava-lhe mais jeito tê-lo dentro. Controlava-o melhor. A partir de agora tem de estar sempre a olhar pelo retrovisor. É como passar a ter duas oposições: a tradicional e a interna. O líder actual está dentro do Governo. O líder futuro está fora.
- Finalmente, o Governo vai ficar mais redutor, mais fechado, mais costista, mais do aparelho. Pedro Nuno Santos dava-lhe uma imagem mais abrangente, em particular à esquerda.
É por estas e por outras que o PM quer ir para a Europa. É que em Bruxelas "governa-se" sem povo e sem ministros, o que é manifestamente mais fácil!
GOVERNO ATÉ 2026 OU ELEIÇÕES EM 2024?
- Não faz qualquer sentido falar neste momento de eleições antecipadas. Primeiro, houve eleições há menos de um ano e há uma maioria absoluta no poder; segundo, a oposição em geral e o PSD em particular ainda não são alternativa. Terceiro, o ano de 2023 é um ano de estagnação económica e crise social. O País precisa de estabilidade e boa governação. Não de crise política
- Mas atenção: politicamente, muita coisa mudou esta semana. É muito raro acontecer, mas às vezes há semanas em que, de repente, tudo muda.
- Mudou a perceção sobre a legislatura. Até agora, a ideia era que a legislatura ia até 2026. Agora, gerou-se a sensação de que o Governo pode não aguentar a legislatura inteira. Há o risco de a degradação se acentuar e surgir o pântano a seguir às europeias. Já tivemos um depois das autárquicas de 2021. Não é impossível termos outro depois das europeias de 2024. É indesejável, mas pode suceder.
- Mudou o poder do PM. António Costa vai ter agora piores condições para governar. Porque vai ter oposição interna e sofrer com a guerra da sucessão no PS. Isto é novo e é mau. Não garante coesão e tranquilidade para governar. Tomar decisões é mais difícil.
- Mudou a capacidade de intervenção do PR. Para alguns observadores o PR tinha perdido espaço de manobra no início do ano, com a maioria absoluta. Com a crise no governo, o PR termina o ano a ganhar poder e a recuperar capacidade de intervenção. O governo passa a depender muito de si. Esta é uma crise em que Marcelo ganha e António Costa perde. A vida é mesmo assim: uns perdem, outros ganham.
COMO GASTAR 11 MIL MILHÕES DE FUNDOS?
- O país vai ter um ano de 2023 particularmente difícil. A economia, depois de um forte crescimento em 2022, ou vai estagnar ou vai mesmo entrar em recessão. O consumo privado vai reduzir-se brutalmente. O crescimento das exportações vai ter uma queda acentuada. As pessoas mais vulneráveis continuarão a confrontar-se com uma inflação muito alta.
- A grande e boa notícia que temos é o excepcional volume de fundos financeiros europeus que temos para investir. O ano de 2023 vai ser um ano histórico. Nunca tivemos tantos fundos como vamos ter em 2023: pelo menos, 10,7 MM Euros. Três vezes mais do que temos hoje.
- Do PT 2020, que termina em 31 de dezembro deste ano, temos cerca de 3,5 MM euros;
- Do PT 2030, o novo programa de fundos, temos cerca de 3MM euros;
- Do PRR, a chamada bazuca, haverá para investir cerca de 4,2 MM euros.
- A pergunta obrigatória a fazer é esta: com o Governo a funcionar assim e com tanta turbulência no horizonte, como é que há condições para gastar este tão grande volume de Fundos?
A MENSAGEM DE ANO NOVO DO PR
Marcelo terminou o ano em grande: com uma sondagem a dar-lhe uma popularidade estratosférica e com uma crise política a reforçar-lhe a capacidade de intervenção. E começa também bem o novo ano: com uma mensagem muito firme e assertiva, cheia de avisos ao Governo.
- Primeiro aviso: a ideia de que 2023 é um ano decisivo para mudar e reformar. Até por uma razão: é o único ano até 2026 em que não há eleições. Logo, não há desculpas para falhar.
- Segundo aviso: a ideia de que, apesar da guerra, temos excelentes condições para vencer: estabilidade, fundos europeus, turismo, atração de investimento.
- Terceiro aviso, que é o mais importante: um aviso que é, na prática, um cartão amarelo ao Governo por causa do que sucedeu esta semana e semanas anteriores: o Governo não pode continuar pelo caminho que tem seguido. Não pode desperdiçar a maioria absoluta, seja com descoordenações, inação, fragmentação interna, falta de transparência e descolagem da realidade. E se desperdiçar é por culpa própria, porque o governo tem a responsabilidade absoluta.
- Quarto aviso: uma ameaça em relação a 2024, que é, na prática, uma pressão sobre o governo: ou muda de vida ou a sua situação política complica-se. Cabe agora ao governo tirar lições e começar a trilhar caminhos diferentes.