Opinião
Marques Mendes: Programa Mais Habitação "como foi apresentado, está morto"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os números positivos do défice, as medidas sociais anunciadas pelo Governo e a tensão entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros temas.
DÉFICE E ECONOMIA
- O resultado do défice (0,4% do PIB) é surpreendente e traduz-se numa redução importante. É sempre bom ter um défice baixo.
- Menos défice é menos dívida. Um objetivo fundamental a prosseguir. A verdade é que, apesar de estar a baixar em percentagem do PIB, a nossa dívida em termos absolutos é gigantesca.
- Em tempo de forte incerteza internacional, ainda é mais importante esta redução. Protege-nos das "fúrias" dos mercados. Afasta-nos da Grécia e Itália, em matéria de ratio da divida e garante-nos até financiamento mais barato que o espanhol.
- O Ministro das Finanças, Fernando Medina, merece ser saudado por este resultado. Apesar da enorme ajuda da inflação. O Estado teve em 2022 "receitas extraordinárias": encaixou cerca de 5,6 mil milhões de euros a mais do que tinha orçamentado. Mais 10% do que o previsto.
- A par desta boa notícia, o Governo teve também uma má notícia: o Eurostat divulgou que Portugal voltou a baixar de divisão no ranking do PIB per capita na UE. Já tínhamos sido ultrapassados por seis Países nas duas últimas décadas.
- Desta vez, fomos ultrapassados por mais uma: a Hungria. Estamos agora no 21º lugar, empatados com a Roménia. Atrás de nós já só mesmo 5 países: Letónia, Croácia, Grécia, Eslováquia e Bulgária.
- Este é o problema estrutural mais sério que temos e que tarda em ser tratado como deve ser. Assim, não resolvemos o problema dos baixos salários e a questão da retenção dos talentos em Portugal.
AS MEDIDAS SOCIAIS
- As medidas sociais apresentadas têm aspetos positivos e negativos:
- É positivo o apoio direto ao rendimento das famílias mais vulneráveis (30€/mês); é igualmente de saudar o apoio complementar em função do número de filhos a cargo de cada casal (15€/mês por filho); a redução do IVA nos alimentos é uma medida generosa e na boa direção; e a melhora salarial na função pública é de elementar justiça.
- É negativo que este programa chegue tarde e incompleto (falta o acordo com o setor da produção e da distribuição); é uma omissão grave o não haver apoios diretos aos pensionistas e reformados; é negativa a falta de apoio aos trabalhadores do setor privado (até parece que a inflação só atinge a função pública); é mau não se ter aproveitado a margem orçamental para fazer uma redução do IRS, focada na classe média.
- Mais em concreto, destaco duas omissões especialmente graves:
- Primeiro, os reformados. São os mais vulneráveis dos vulneráveis. Sentem fortemente o efeito da inflação. Precisam de uma atualização das suas pensões. O "bónus" de 2022 não foi nenhuma atualização. Foi só a antecipação de parte da pensão que tinham a receber em 2023.
- Depois, os trabalhadores do setor privado. Em matéria salarial não é justo ter dois países, com filhos e enteados. Se a função pública é considerada para efeitos salariais, o setor privado também tem de ser. O acordo social que foi celebrado em 2022 deve ser revisto. Os referenciais salariais têm de ser aumentados.
QUE PRODUTOS COM IVA 0?
- O acordo que nos próximos dias o Governo vai celebrar com a produção e a distribuição vai ter um compromisso novo e importante: o compromisso de os supermercados e hipermercados baixarem o preço dos produtos acordados na dimensão do IVA que é reduzido, durante seis meses. É um misto de solução Francesa e Espanhola. O acordo com a distribuição está fechado. Com o sector da produção ainda não.
- A lista de produtos que vão baixar de preço está praticamente fechada. Ela deve integrar 40 produtos e está a ser elaborada do seguinte modo:
- Primeiro, a partir de uma lista preparada pelo Ministério da Saúde, com base em critérios nutricionais;
- Depois, conjugando com uma lista dos produtos mais vendidos nos supermercados, fornecida pela APED;
- Finalmente, levando em atenção os produtos em que os supermercados se comprometem a fazer baixar o preço durante vários meses.
- Neste momento, é possível antecipar um conjunto de produtos que está já acordado que vai constar da lista final. Ou seja, produtos que vão baixar de preço: batata, massa, arroz, cenouras, cebolas, tomate, leite meio gordo, frango, pão, fruta diversa (maçã, banana, laranja), feijão, iogurtes, queijo, vários legumes (brócolos e curgetes), peixes (salmão e pescada), carne de porco, ovos e azeite.
O PACOTE DA HABITAÇÃO
- Este programa, tal como foi apresentado, está morto. Já estava moribundo com as críticas de Cavaco Silva, dos autarcas e de todos os partidos da oposição, à esquerda e à direita. Mas esta semana o PR passou-lhe a certidão de óbito: uma lei-cartaz. Como quem diz, um programa apenas para português ver.
- Se o Governo insistir no mesmo programa dá mais três tiros nos pés:
- Primeiro, afronta o PR. É possível ao governo "comprar" esse conflito institucional, mas paga um preço político alto.
- Segundo, dá às oposições um trunfo político notável. Um trunfo que vai render até às eleições europeias.
- Terceiro, perde definitivamente o eleitorado moderado do centro e centro-esquerda.
- A próxima semana é uma semana de clarificação. O governo vai ter de escolher entre a confrontação e a concertação. A minha sensação é que vai recuar:
- No Alojamento Local: a verdade é que pode ser preciso ajustar. Mas matar o alojamento local é um desastre para a economia e para o turismo.
- No Arrendamento Forçado: além de radical e inaplicável, esta não é uma medida séria. O Governo aprova-a, mas remete para os Municípios a "batata quente" de a aplicar. O que não vai suceder. Isto não é sério. Resultado final: a medida só serve para gerar polemica e para mais litigância nos Tribunais.
A TENSÃO ENTRE MARCELO E COSTA
- O que se passou esta semana faz lembrar um pouco os anos de 1993 a 1995: o confronto entre o Presidente Mário Soares e o então primeiro-ministro Cavaco Silva. Nunca, como esta semana, foi tão longe a tensão política entre Marcelo e António Costa.
- Esta tensão não é encenação. É fruto da mudança de circunstâncias. Marcelo andou com o Governo ao colo durante 5 anos, em nome da estabilidade. Até talvez de mais. Agora, as circunstâncias mudaram: a maioria garante a estabilidade; os Portugueses querem um PR mais interventivo; a degradação politica e social obriga o PR a fazer pressão para melhorar o estado da governação.
- Não vale a pena dramatizar esta tensão. Ela não tem nada de dramática. Até é saudável para o país. Só há um limite a observar: o limite do respeito e da coerência. O que não sucedeu esta semana.
- Na AR, António Costa, falou de "cavaquice" para criticar uma decisão de Cavaco. O PM tem todo o direito de criticar Cavaco Silva. Mas não com esta linguagem de taberna. Se os políticos não se respeitam entre si, como é que querem depois ser respeitados pelos cidadãos?
- Também na AR, o PM foi pouco respeitoso com o PR. Disse: "Eu não gosto daquelas funções em que fala-se, fala-se, fala-se" mas não há resultados. O PM pode criticar Marcelo. Mas não tem autoridade para o fazer. Quando durante anos o PR andou com o governo ao colo, o PM não se queixou de quem só "fala, fala, fala". Nessa altura, deu-lhe jeito que o PR fosse assim.