Opinião
Marques Mendes: O caso do ministro Gomes Cravinho é grave
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre as suspeitas de corrupção em Lisboa, o caso do ministro Cravinho e as contradições em torno da TAP, entre outros temas.
SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO EM LISBOA
- Este caso, denunciado há anos, no Público, pelo jornalista José António Cerejo, tem duas dimensões distintas: a política e a judicial. Ambas delicadas.
- Politicamente, é um caso estranho: como é que uma Câmara como Lisboa, que tem centenas de técnicos, engenheiros e gestores, vai contratar um ex-presidente de Câmara para tratar das suas obras? Ainda por cima um ex-presidente da CM de Castelo Branco, a mais de 200 km de Lisboa, que não vive em Lisboa e que em Castelo Branco tem vários outros cargos e ocupações? É tudo muito estranho. Até ao momento não vi explicação convincente.
- Do ponto de vista judicial este caso pode ser uma bomba-relógio. Depende das investigações. Imagine-se que, no futuro, Medina é constituído arguido. Será um tiro no porta-aviões. O ministro terá de sair do Governo. E, sendo ele o ministro mais forte e mais próximo do PM, isso vai tocar em cheio em António Costa e colocar em causa o próprio governo. Mas, para já, estamos só a especular.
- Alguns pediram desde já a demissão do MF. Acho que o ministro das Finanças não tem que se demitir só por causa destas buscas. Mas fica muito vulnerável politicamente. Medina já estava fragilizado com o caso Alexandra Reis. Este novo caso não ajuda. Reforça a sua fragilidade. É uma espada que está em cima da sua cabeça. Em qualquer caso, Medina fez bem em pedir ao MP para ser ouvido. Era o mínimo dos mínimos nesta fase!
O CASO DO MINISTRO CRAVINHO
- O caso do ministro João Gomes Cravinho é diferente e é grave. Segundo o Expresso, o ministro sabia da derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém. Mas há pouco tempo, na AR, o mesmo ministro tinha admitido o contrário. Estamos perante factos graves:
- Primeiro, um ministro que tem uma relação difícil com a verdade.
- Segundo, uma obra que era suposto custar 750 mil euros acabou a custar quatro vezes mais e o ministro, apesar de saber de tudo, nada fez para evitar esta derrapagem.
- Terceiro, um ministro que, não obstante tudo isto, nomeou para uma empresa do Estado o Director-Geral responsável por este descontrolo financeiro já depois de ele ter sido condenado pelo Tribunal de Contas.
- Esta sucessão de casos e casinhos é um desastre. Não é boa para ninguém. Há muito que digo que só serve os extremos da vida política.
- Não é boa para a democracia. Aos olhos das pessoas, vivemos num pântano. Para muitos, os políticos não são sérios e não falam verdade.
- Não é boa para o governo. Fica a sensação de que o PM não tem controlo na situação. Que lhe falta liderança e autoridade.
- Não é boa para o PSD, que está "embrulhado" em Espinho com o caso do seu deputado Pinto Moreira. Claro que o líder do PSD não está sob investigação e Pinto Moreira às tantas nem é culpado. Mas, enquanto não tomar a iniciativa de suspender as suas funções de deputado para se defender sem constrangimentos, está a deixar-se fritar em lume brando e a prejudicar o seu líder, Luís Montenegro. Nestes momentos quem se agarra ao lugar perde, e faz os outros à sua volta perderem também. Politicamente, só não vê quem anda distraído.
AS CONTRADIÇÔES EM TORNO DA TAP
- A "bomba" na TAP é a reviravolta de Pedro Nuno Santos: durante semanas, a perceção pública foi esta: o ministro saiu do Governo para assumir responsabilidades, apesar de não ter "culpa". A "culpa" era toda do SE. Ou seja: de um lado, o ministro herói, do outro lado, o SE vilão. Foi esta a percepção pública, nunca desmentida ou contrariada por PNS. Afinal, a verdade é que o ministro sabia de tudo, e até autorizou a indemnização milionária. Não fico surpreendido.
- No dia 1 de janeiro eu disse aqui que não acreditava que PNS não soubesse. A minha experiência diz-me duas coisas: primeiro, que nenhum SE toma uma decisão destas sem informar o ministro; segundo, que PNS gosta de controlar tudo. Nada saber era impossível.
- Ficamos agora a saber: PNS nomeou Alexandra Reis para a NAV depois de lhe ter dado uma choruda indemnização; PNS assinou com Medina um despacho a pedir explicações à TAP sobre a indemnização, muito surpreendido com a situação, quando afinal sabia de tudo. Foi esta a perceção pública que se gerou, nunca contrariada por PNS.
- PNS veio corrigir a tempo. Seria um vexame ser a Comissão de Inquérito ou a IGF a apanhá-lo em contradição. Falta só saber que danos tudo isto terá na sua carreira política futura. O futuro dirá.
- A audição da presidente da TAP fez lembrar as audições daqueles empresários ligados a Ricardo Salgado que foram à AR fazer tristes figuras, invocando sempre que não sabiam nada de nada. Os vícios são os mesmos. Viu-se que a sua única preocupação foi salvar a pele e tentar evitar a demissão: a indemnização a Alexandra Reis foi aprovada pelo Governo; até foi autorizada por escrito; e ela, presidente, presumiu que na autorização dada estava também o aval das Finanças. Como quem diz: "não cometi qualquer falha, não posso ser demitida". Quanto a tudo o resto, não é nada com ela. Mais uma protagonista que tem uma relação difícil com a verdade. Está na moda.
ECONOMIA: MELHOR DO QUE SE PREVIA
- Os "casos e casinhos" não estão apenas a minar a democracia. Estão também a tirar visibilidade a outras questões importantes. Um exemplo: o ano de 2023 vai ser um ano melhor do que se previa. Vejamos:
- A conjuntura internacional melhorou: a Alemanha não entrou em recessão no terceiro e quarto trimestres de 2022; a crise energética europeia foi menor do que o previsto, porque estamos a ter o segundo inverno mais ameno desde 1950; os preços da energia caíram; até agora, a UE usou menos gás armazenado que nos dois anos anteriores; em matéria de emprego, inquéritos recentes mostram que as empresas europeias planeiam contratar mais do que despedir.
- Em Portugal também há indicadores positivos: a confiança nos consumidores melhorou pela primeira vez em três meses; a confiança na indústria e no comércio subiu nos dois últimos meses; o turismo pode voltar repetir em 2023 os valores de 2019; o PIB pode crescer na ordem de 1,5% (previsão do BP), acima da previsão do Governo; o desemprego está estável em valores baixos (6%); os fundos europeus atingem valores históricos: 11 MM de Euros, três vezes mais que em 2022.
- Até no plano mais micro há notícias positivas. Vejamos duas questões que aqui levantei nas últimas semanas. A primeira sobre os bancários reformados. Não tinham direito à meia pensão. Passaram a ter. Mérito dos sindicatos. A segunda sobre os empréstimos à habitação. O Governador do BdP veio garantir que quem fizer a renegociação do seu empréstimo não será penalizado em créditos futuros. Um alívio para muita gente.
A LUTA DOS PROFESSORES
- Primeiro: as negociações. O Governo começou mal este processo: ao demonizar as greves; ao tentar virar a opinião pública contra os professores; com o ministro a fazer de incendiário. Esta semana recuou: assustou-se com as últimas manifestações e assustou-se com a pressão do PR. Agora, está mais aberto e menos arrogante. A pressão do PR e da rua, às vezes, faz milagres.
- Depois, a expectativa de que, finalmente, se reconheça a razão dos professores. Já não é sem tempo.
- Primeiro, os professores têm de ganhar mais, sobretudo no início da carreira, para atrair os jovens;
- Segundo, é preciso garantia de estabilidade e de combate à precariedade. Não podem andar "com a casa às costas" e sem vínculo;
- Terceiro, é necessária motivação: para estarem motivados, têm que ter progressões justas nas suas carreiras.
- Quarto, é essencial a redução da burocracia. Só serve para prejudicar os professores e escola e tornar o ensino mais facilitista.
- Em suma: não há escola sem professore, e não há escola pública de qualidade sem professores motivados, respeitados e bem pagos.
- Finalmente, um risco: o risco de os professores perderem a razão que têm. As greves causam perturbação nas escolas. Um excesso de greves pode virar-se contra os professores. Muito tempo sem aulas, pode levar as famílias a considerar que os professores estão a exagerar. Face a este risco, os sindicatos deviam ponderar suspender as greves enquanto se concluem as negociações. Uma espécie de moratória. Se as negociações acabarem num acordo, a greve não volta. Se as negociações falharem, retomam a greve.
MARCELO: 7 ANOS EM BELÉM
- Na próxima terça-feira ocorre o segundo aniversário da reeleição do PR. Sete anos de Marcelo em Belém não seria motivo de comentário, não fora o facto de o Presidente estar hoje diferente do que era. Não é um novo Presidente. Mas é um Presidente mais exigente, interventivo e fiscalizador. E com maior poder de intervenção. Só nas últimas semanas teve várias intervenções decisivas: nos Fundos Europeus, na Educação e na ética dos governantes.
- A meu ver, a explicação é simples: o PR mudou porque as circunstâncias políticas mudaram. Um Presidente em acção é o próprio, com o seu estilo e os seus princípios, e são as circunstâncias políticas envolventes.
Ora, as circunstâncias políticas mudaram brutalmente: onde antes havia geringonça, agora há maioria absoluta; onde antes havia normalidade, agora há uma séria crise de Governo. Sem esquecer que o povo passou a exigir uma maior fiscalização da parte do Presidente. Era difícil Marcelo não corresponder.
- Assistimos hoje a uma curiosidade política: normalmente, em finais de mandato, os Presidentes tendem a perder poder. Um fenómeno óbvio e natural. Com Marcelo, está a suceder o contrário. A três anos de terminar o seu mandato, com a crise do governo e um PM em perda, nunca o Presidente teve tanto poder como hoje. E bem pode vir a precisar dele nos tempos politicamente difíceis que aí vêm!