Opinião
Marques Mendes: Novos certificados de aforro deixam perceção de "favor" aos bancos
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a economia e os certificados de aforro, a operação Tutti-Frutti e o reforço do PRR, entre outros temas.
ECONOMIA E CERTIFICADOS DE AFORRO
- No plano económico e financeiro, a realidade supera as previsões:
- Apesar de o investimento estar em queda, comparando com o último trimestre de 2022, o turismo está em alta, as exportações continuam a crescer, o emprego está em bom nível e a inflação está a baixar;
- A execução orçamental continua a garantir um excedente, antecipando um bom resultado no final do ano.
- Aqui chegados, há duas questões importantes a registar:
- A primeira é que todos estes dados, apesar de globalmente positivos, não chegam à generalidade das pessoas. Com uma boa exceção: os pensionistas e reformados que vão sentir, já daqui a um mês, um aumento extraordinário das suas pensões.
- A segunda grande questão tem a ver com o OE para 2024. Com a folga financeira que existe, está claro que vai ser um OE eleitoralista. Sobretudo na função pública, nos pensionistas e nos impostos. O Governo tem medo de duas coisas: primeiro, de um terramoto político nas eleições europeias; depois, de eventuais eleições antecipadas.
- Entretanto, o governo criou uma nova série de Certificados de Aforro, com juros mais baixos. Desta decisão fica uma perceção pública e uma certeza:
- A perceção de que esta decisão é um "favor" que é feito aos bancos. Afinal, estavam a "sofrer" a concorrência dos Certificados. Agora, esfregam as mãos de contentamento.
- A certeza de que o cidadão, em particular a classe média, perde nos dois tabuleiros: perde do lado dos depósitos, que continuam com juros baixos; e perde agora também do lado dos Certificados.
- Do governo fica uma imagem negativa de subserviência à banca; para os bancos a imagem de comissões altas, depósitos baixos e atualizações modestas de salários, não é uma grande imagem.
OS PORTUGUESES QUE EMIGRAM
- Nos últimos anos houve duas mudanças profundas na emigração portuguesa: uma quantitativa e outra qualitativa.
- Do ponto de vista quantitativo, o número de portugueses a emigrar baixou: em 2013 tivemos um pico de 120 mil portugueses a sair do país; em 2021, apesar de ter havido um ligeiro aumento em relação a 2020, a emigração portuguesa reduziu-se muito. Neste ano, houve apenas 60 mil portugueses a sair do país.
- A maior mudança, todavia, é qualitativa. Em 2014, a maioria dos portugueses que emigravam tinha qualificações baixas: 53% só tinham o ensino básico (53%). Em 2021, a tendência é a oposta: a maioria dos emigrantes portugueses era população licenciada (48%).
- Ou seja: em 2014, emigrava-se sobretudo para obter um emprego. Era o tempo da troika e de um desemprego muito alto em Portugal. Em 2021, emigra-se, sobretudo, à procura de melhores salários. Voltamos sempre ao mesmo: o grande drama português na atualidade são os salários baixos. Temos maus salários para boas qualificações.
- Continuamos, assim, a perder em duas direções: perdemos os melhores talentos; e perdemos população jovem, agravando ainda mais o nosso envelhecimento coletivo.
OPERAÇÃO TUTTI-FRUTTI
- A Procuradora-Geral da República finalmente falou. Mas não esteve nada bem.
- Primeiro, a desculpa habitual – falta de meios. É uma desculpa de mau pagador. Falta de meios existe em todo o lado. Mas nada justifica uma investigação parada há vários anos. Isto é uma confissão de incapacidade.
- Segundo, o megaprocesso. Este é o pior defeito desta investigação. Este processo devia estar dividido em várias partes. Com prioridade para os casos de negócios e de recebimento indevido de vantagens. Infelizmente, voltamos a um megaprocesso. O que prova que a PGR não aprendeu nada com os exemplos do passado.
- Por seu lado, Luís Montenegro foi corajoso:
- Primeiro: mandou fazer uma averiguação às escolhas autárquicas de 2017. Fez bem. As suspeitas têm um lado criminal e um lado político. Da parte criminal trata a justiça. Da parte política tratam os partidos.
- Segundo: tirou a confiança política ao seu deputado e amigo Pinto Moreira. Provavelmente, não tinha alternativa. Mas não é habitual um líder político ter uma decisão como esta.
- Finalmente: decidiu criar um Código de Ética para autarcas. Se não for "música celestial", é uma boa ideia.
- Em qualquer caso, a melhor decisão do líder do PSD, esta semana, foi a de deixar de falar de "casos e casinhos" e falar da urgência de baixar impostos. Já não era sem tempo. Não me canso de o dizer: quem quer ser PM tem de falar dos assuntos que realmente interessam às pessoas e não dos temas da bolha política e mediática. E temas importantes não faltam: os impostos altos, os salários baixos, as pensões de miséria, as greves aos exames, as greves na CP, a confusão na saúde. Veremos se esta mudança de agenda é para manter!
A SONDAGEM SIC/EXPRESSO
- Para o PR esta sondagem é toda ela favorável. A maioria concorda com o Presidente: acha que ele fez bem ao não ter demitido o Governo, ao não ter dissolvido a AR e ao anunciar que ia passar a ser mais ativo a fiscalizar o Governo. Aqui, Marcelo ganhou em toda a linha.
- Para o PM esta sondagem é conjunturalmente má, mas é estruturalmente boa.
- É conjunturalmente má porque quase 2 em 3 portugueses discordam do PM. Acham que ele devia ter substituído João Galamba. Conjunturalmente, é um "cartão amarelo" à decisão de António Costa.
- Mas estruturalmente é uma boa sondagem para o PM. A maioria dos portugueses não quer eleições antecipadas. A grande "causa" actual de António Costa. Este é um sentimento que se compreende: os portugueses, como sempre tenho dito, valorizam muito a ideia de estabilidade.
- Em Espanha, surpreendentemente, vamos ter eleições antecipadas. O que sucedeu pode ter repercussões em Portugal: sobretudo três.
- A eventual derrota do PSOE será um problema para António Costa e um presente de Verão para Montenegro;
- Um eventual Governo do PP com o Vox será um pesadelo para Montenegro. A esquerda vai explorar novamente o fantasma de um governo PSD/Chega;
- A fragmentação partidária pode ser, lá e cá, um sinal de futura ingovernabilidade.
O REFORÇO DO PRR
- Estamos a começar a viver num tempo nunca visto em Portugal em termos de investimento a partir de Fundos Comunitários.
- Até ao final de 2026, vamos ter para investir 37,5 mil milhões de euros, fruto da congregação de três programas: o PRR, o PT 2020 e o PT 2030.
- Em concreto, são 10,7 MM€ por ano; mais de 29 milhões por dia; mais de1 milhão de euros por hora. Algo que representa uma oportunidade única em Portugal.
- O Governo merece um elogio:
- O elogio é o reforço de verbas para as empresas. Em especial para o inovador Programa das Agendas Mobilizadoras. A respetiva dotação foi reforçada para o triplo do valor inicial. Antes critiquei o governo por ser desequilibrado contra as empresas. Agora, em coerência, devo elogiá-lo.
- Em qualquer caso, impõe-se um aviso geral. O aviso tem a ver com a baixa capacidade de execução de todos os programas. Em especial do PRR. O aviso é recorrente, mas agora é ainda mais pertinente: se temos mais fundos para gastar, durante o mesmo período de tempo, ou aceleramos o passo ou corremos o risco de perder oportunidades.
A GREVE AOS EXAMES
- Confirmou-se a pior das suspeitas: a greve dos professores aos exames e avaliações. Vai ser um pandemónio. Todos perdem: perde a escola, perdem os alunos, perdem as famílias, perdem os próprios professores.
- Esta situação é fruto de duas coisas: da teimosia e arrogância do Ministro da Educação, que já devia ter tido mais abertura ao diálogo e à negociação; e do radicalismo em excesso dos Sindicatos. Os professores têm "carradas de razão", mas os seus dirigentes sindicais exageram na competição que travam uns com os outros para ver quem é mais radical nas formas de luta. No final, as vítimas são os estudantes.
- A greve aos exames e avaliações é muito delicada. Justifica, por isso mesmo, um apelo a ambas as partes – Governo e Sindicatos – para que, a título excecional, suspendam a greve. Um apelo que, nas atuais circunstâncias, só pode ser feito por quem está acima do conflito – o Presidente da República.
- Outra greve altamente perturbadora que vai surgir é na CP. Mais um mês de greve. A somar a várias que tivemos nos tempos mais recentes. Neste plano, o das greves, a CP é um caso perdido. Com prejuízos intermináveis para as pessoas. É nestes momentos que se sente bem a falta de um Ministro com autoridade e com real capacidade de intervenção.
- Estes e outros é que são os temas que realmente interessam às pessoas, e que devemos discutir. Não os casos e casinhos. Acresce que a CPI da TAP já deu o que tinha a dar. Agora é só chover no molhado.