Opinião
Marques Mendes: Governo transformou a greve na oportunidade para atingir o “objetivo da maioria absoluta”
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. Marques Mendes fala sobre a greve dos motoristas, a "crise" na Europa e a falta de apoio à natalidade.
GREVE - A POSIÇÃO DO SINDICATO
Na greve de Abril manifestei publicamente simpatia pelas exigências do sindicato. Acho que eles foram sensatos e equilibrados. Desta vez que cometeram três erros de palmatória:
- Primeiro erro – Um erro de análise – Não perceberam que esta greve se realiza em piores condições que a greve de Abril. É uma greve impopular, não tem o efeito surpresa que teve em Abril e a justificação é muito discutível:
- Em Abril, havia uma justificação imediata: aumentos salariais para 2019. Agora, ninguém compreende que se faça em 2019 uma greve por causa dos salários de 2021 e 2022, quando todos se comprometeram a negociar até Dezembro deste ano.
- Segundo erro – Falta de inteligência negocial – O sindicato teve duas boas oportunidades para sair por cima e desperdiçou-as:
- a primeira, quando o Governo se propôs mediar o conflito e apresentar uma proposta de Convenção Colectiva de Trabalho. Se aceitasse, o sindicato ganharia. Ao recuar, mostrou intransigência.
- a segunda, quando o Governo decretou os serviços mínimos. Se desistisse da greve, alegando exagero, o sindicato fazia-se de vítima e ganhava força para actuar mais tarde.
- Terceiro erro – O recurso os tribunais. Recorrer aos tribunais e perder foi um disparate monumental. Em conclusão: têm contra si a população, o Governo e a justiça. Correm o risco de terem entradas de leão e saídas de sendeiro.
GREVE – A ACÇÃO DO GOVERNO
- Na greve de Abril, o Governo esteve mal e foi criticado por isso – foi apanhado desprevenido, mostrou impreparação e agiu com amadorismo. Agora, tudo foi diferente. O Governo foi muito profissional. Esteve assertivo no discurso – Dramatizou a greve e acicatou a população contra os grevistas, mostrando que estavam a exagerar. Os sindicalistas caíram como uns patinhos. Esteve hábil na iniciativa – Propôs-se mediar o conflito. Deu, assim, um sinal de diálogo e de abertura. Os sindicalistas, ao recusarem a proposta, deram uma imagem de teimosia e intransigência. Esteve eficaz ao decretar os serviços mínimos. E ainda por cima teve o apoio da PGR e dos tribunais.
- Ou seja: o Governo transformou um problema numa oportunidade. A oportunidade de ter o país ao seu lado; e a oportunidade de mostrar força e autoridade. E tudo porque os sindicalistas se colocaram a jeito. Em matéria de habilidade política, até agora foi uma luta de David contra Golias – um sindicato amador e um Governo profissional.
- Claro que o Governo é acusado de fazer muita encenação e muito teatro. Isso é verdade. Já sucedeu o mesmo na crise dos professores. Mas também é verdade que isso faz parte do jogo político. Qualquer outro Governo, nas mesmas circunstâncias, provavelmente faria o mesmo. Trata-se de aproveitar a oportunidade.
A GREVE PODE INFLUENCIAR ELEIÇÕES?
- Claro que esta greve pode ajudar o Governo em termos eleitorais, em especial para o objectivo da maioria absoluta. Uma ajuda em dois planos:
- Primeiro: no plano da credibilidade. Como diz Vasco Pulido Valente no Público de ontem, este é o Governo das contas certas; agora passa a ser também o Governo que garante a ordem e a autoridade. Ora, esta imagem é importante para conquistar votos ao centro e à direita.
- Segundo: no plano da tensão política. Uma maioria absoluta só se alcança num ambiente de tensão e dramatização política. Porque só um ambiente de tensão garante uma boa mobilização. Neste quadro, a tensão criada com esta greve e o clima de dramatização que lhe foi associado só ajudam os objectivos eleitorais do Governo.
- Quanto à oposição – Desta vez, ao contrário do que sucedeu na crise dos professores, a oposição não se colou aos camionistas. Fez bem.
- Se estivessem no Governo, PSD e CDS fariam o mesmo que agora fez António Costa. De resto, foi isto mesmo que fez o Governo de Pedro Passos Coelho, com os pilotos da TAP, em 2014 – firmeza, autoridade e requisição civil.
- A diferença está, apenas, num pormenor: se estes serviços mínimos – mais máximos que mínimos – fossem decididos por um Governo de direita, a esquerda e as centrais sindicais uniam-se num coro de protesto. Caía o Carmo e a Trindade. Como é o Governo da geringonça, todos se calam. É a prova que António Costa tem a esquerda no bolso!
OS CUSTOS DA GREVE?
- Uma greve é sempre uma greve e causa sempre prejuízos. Não serão tão grandes quanto em Abril, mas haverá prejuízos. A questão é saber se são prejuízos comportáveis ou incomportáveis. E isso vai depender de duas coisas: serviços mínimos respeitados; e duração da greve.
- Se os serviços mínimos não forem respeitados, o caos pode ser maior. Se a greve dura mais do que 3, 4 dias e se transforma numa greve longa, o abastecimento pode ressentir-se e o país irritar-se a sério.
- Duas coisas são certas: vai ser difícil acusar o Governo de não ter feito tudo o que estava ao seu alcance para defender a população. Quem pagará a factura da impopularidade serão os motoristas!!
A "CRISE" NA EUROPA
- Por cá, o problema da greve. Porém, pela Europa fora, os problemas são muito mais sérios. Vejamos alguns dados desta semana:
- Sinais de "crise" económica – No Reino Unido, o PIB caiu no 2º semestre e há o fantasma da recessão (e ainda não há Brexit); em França, houve neste segundo trimestre uma brutal queda da produção industrial e a economia está em travagem; na Alemanha, motor da economia europeia, ocorreu a maior queda das exportações dos últimos três anos e a economia corre o risco de entrar em recessão.
- Sinais de "crise" política – A Alemanha está à beira de uma crise política (o SPD quer deixar a coligação); a Itália entrou em crise política, com Salvini a deitar abaixo o seu próprio governo; a Espanha vive sem governo há meses e assim viverá certamente até ao fim do ano.
- Quedas generalizadas das Bolsas Europeias – sinal de que os investidores estão assustados
- Tudo isto é desastroso para a Europa e péssimo para Portugal. São as maiores economias da Europa. Se os nossos "clientes" estão mal, não nos compram, as nossas exportações caem e a nossa economia ressente-se. Uma constipação lá fora é uma pneumonia cá dentro!!
E tudo isto sucede em grande medida porquê? Pela instabilidade e incerteza que existe à escala global e, sobretudo, pela estupidez das guerras comerciais entre os EUA e a China, que tiveram esta semana mais episódios. À beira deste cenário de fortes preocupações, a greve dos camionistas vale o que vale. Tudo é relativo.
A FALTA DE APOIO À NATALIDADE
- Na sequência da transferência de uma parturiente do Hospital de Faro para um hospital de Lisboa, um bebé recém-nascido acabou por falecer.
- Ninguém sabe se o bebé faleceu por causa da transferência de um hospital para o outro. Nem sequer se houve alguma negligência médica ou operacional. Tudo está a ser investigado. Seria demagógico estar antecipadamente a fazer acusações.
- Mas há um facto que é verdadeiro e que tem de ser reflectido – o SNS não está devidamente apetrechado em matéria de apoio à natalidade. E isso é grave. Num país em que há uma quebra grave da natalidade; Num país que precisa de incentivar a natalidade; Há ainda muitos hospitais públicos que não têm o essencial: incubadoras em número suficiente para acolher recém-nascidos que carecem dessas condições. Médicos obstretas, enfermeiros e demais pessoal qualificado. O Expresso fala mesmo em alerta máximo no sector dos partos. Um Estado que falha ao apoio à natalidade é um Estado do qual não nos podemos orgulhar. Há que pôr o dedo na ferida.
- É assim que se vai "matando" o Serviço Nacional de Saúde. E "matando" o SNS está a matar-se uma conquista essencial da democracia. Sou a favor da existência de um sector privado na saúde forte e de qualidade. Mas nunca à custa do serviço público de saúde. Infelizmente, é o que está a suceder.