Opinião
Marques Mendes: Este será “um governo de serviços mínimos”
No seu habitual comentário na SIC, Marques Mendes fala sobre o resultado das eleições de 6 de outubro e o que poderá ser o novo governo.
PS GANHOU – ESTÁ MAIS FORTE?
- A política tem destas ironias – há 4 anos António Costa perdeu as eleições e teve excelentes condições para governar. Teve estabilidade política e a economia a crescer. Agora, ganhou as eleições e vai ter piores condições para governar do que teve antes. Vejamos:
- Vai ter um governo mais instável. Até pode chegar ao fim do mandato e fazer os 4 anos da legislatura. É o mais provável. Mas o facto de não ter um apoio expresso no Parlamento cria uma atmosfera de incerteza e de instabilidade.
- Vai governar com menos economia. Não é que esteja a caminho uma recessão. Mas vem aí um claro abrandamento económico, à escala europeia e mundial. Ora menos economia é menos dinheiro para distribuir – logo, popularidade a menos e instabilidade a mais.
- Vai ser um governo marcado por mais agitação social. No passado, o PS teve três anos de folga social. Agora, não vai ser assim. O PCP tem de compensar na rua os votos que perdeu nas urnas.
- Vai ter oposição à esquerda e à direita. No passado, o PS só teve uma oposição à direita. Agora, vai ter duas: à esquerda e à direita.
- A relação com o PR não será igual. Nos últimos 4 anos, o PR deu uma enorme cobertura ao governo. No futuro, vai ser diferente. O PR não vai passar a ser crítico. Mas será mais distante. Por causa de Tancos – ficou uma pedra no sapato – mas, sobretudo, porque a abrangência do governo também mudou.
- Em conclusão: o PS tem mais deputados mas piores condições políticas para governar. Sem esquecer que já não há o papão Passos Coelho. A partir de agora, o nível de expectativas é outro – o governo de António Costa II tem de ser comparado com o governo de António Costa I.
O FUTURO DA ESQUERDA E A DIREITA
- Também para os demais partidos – à esquerda e à direita – a situação não é brilhante. Ninguém tem razões para sorrir.
- PCP e BE – Estão em maus lençóis.
- Primeiro, não é bom voltarem ao estatuto de partidos marginais ou de protesto;
- Segundo, vão passar dificuldades nas autárquicas – o BE porque não existe no poder local e o PCP porque está em clara perda para o PS;
- Finalmente, vão ter muitas dificuldades em derrubar o governo. Esta é a questão nuclear. Para isso, PCP e BE têm de se aliar à direita. E aí vem ao de cima o "fantasma" do PEC4 em 2011. A esquerda foi então fortemente penalizada por se aliar à direita para derrubar um governo de esquerda.
- PSD e CDS – Para além das suas crises internas, que vão levar tempo a resolver, têm mais dois problemas delicados:
- Primeiro, vão ser várias vezes sujeitos a "chantagens" no Parlamento para aprovarem Orçamentos. E uma oposição que aprova Orçamentos não é credível como alternativa.
- Segundo, estar 4 anos na oposição é um drama. Quatro anos em política é uma eternidade. A prova é que no PSD nenhum líder até hoje aguentou 4 anos na oposição. E a verdade é que, apesar do ambiente de incerteza e instabilidade, o mais provável é o governo fazer os 4 anos do seu mandato.
- Quase ninguém sai feliz destas eleições. Nem sequer o país. Num tempo de incerteza na Europa e no mundo; num tempo de Brexit e guerras comerciais; Portugal precisava de um poder político forte. Vai ter um poder político fraco. Precisava de um clima de confiança forte. Vai ter uma atmosfera de incerteza.
MARCELO – O VENCEDOR
- O único verdadeiramente vencedor desta eleição foi aquele que não esteve em jogo – Marcelo Rebelo de Sousa. Ganhou em toda a linha.
- Primeiro: não queria que houvesse maioria absoluta, como nenhum Presidente quer, e conseguiu o objectivo;
- Segundo: reforçou as condições para a sua reeleição. Se antes já tinha poucas hipóteses, a partir de agora o PS não tem qualquer condição para apoiar um candidato presidencial alternativo a Marcelo. Precisa de toda a energia do mundo para se dedicar à governação e precisa de uma boa colaboração com o Presidente.
- Terceiro: à medida que a governação vai evoluindo, o PR apresentar-se-á cada vez mais como o único grande referencial de estabilidade e solidez.
- O Presidente tem apenas de ter em atenção um pormenor – tem de ter o talento de não se deixar desgastar por um tempo de menos economia e mais desemprego. A incerteza económica e a instabilidade social tendem muitas vezes a afectar a imagem de todos os órgãos de soberania.
NOVO GOVERNO
- Do que disse publicamente o PM e do que se conhece da sua maneira de ser, o Governo pode não ter grandes mudanças:
- A maior parte dos Ministros manter-se-á em funções; alguns Secretários de Estado sobem a Ministros; haverá um escasso recurso a independentes.
- Se esta for a orientação do PM, o Governo vai ser uma desilusão. É mais do mesmo. É começar com uma imagem fraca. Governo novo não devia ser um governo recauchutado. Devia ser um governo altamente refrescado.
- Se quer começar bem, o PM devia ter três preocupações:
- Primeiro – Ter no novo Governo um número dois forte e prestigiado. Um número dois que não pode ser o MNE nem o MF. Se um número dois forte e prestigiado é sempre importante, agora é essencial – por causa da Presidência Portuguesa da UE que vai exigir trabalho extraordinário ao PM, ao MNE e ao MF.
- Segundo – Devia mudar vários Ministros. Mais do que está anunciado. Muitos dos actuais Ministros estão desgastados, cansados e esgotados.
- Terceiro – Devia evitar o recurso excessivo a Secretários de Estado e "contratar" na sociedade civil. Até pode ser injusto porque há alguns bons Secretários de Estado. Mas recorrer em excesso a Secretários de Estado dá uma sensação de esgotamento.
Em conclusão: devia fazer um governo de combate para estes primeiro dois anos. Depois, no final de 2021, fará a remodelação da praxe.
- Em qualquer caso, este vai ser um governo de serviços mínimos – não tem condições para tomar grandes decisões. Muito menos fazer reformas. É um governo para ocupar o poder, gerir o poder e fazer navegação à vista.
CRISE NO PSD
- No PSD tivemos o inesperado e o esperado. O inesperado foi a intervenção de Cavaco Silva, vista como uma forte crítica a Rui Rio.
- Muita gente ficou surpreendida. Então um ex-PM e um ex-PR a envolver-se na vida partidária? Está no seu direito. Convém recordar que Mário Soares fez exactamente o mesmo. E Cavaco já o tinha feito quando defendeu a boa moeda contra a má moeda (então para criticar Santana Lopes).
- A questão essencial é outra: por que é que o fez? Há a resposta evidente: está crítico dos resultados e crítico do caminho que o PSD tem levado. Há a resposta menos evidente: Cavaco está sobretudo preocupado com o futuro e quer uma mudança estratégica no PSD. Receia que o PS "colonize" o PSD, receia a "mexicanização" do regime e, por isso, não quer acordos com o PS.
- Só lhe ficou mal referir o nome de Maria Luís Albuquerque. Devia ter-se ficado pelos princípios. A personalização tira força à sua mensagem.
- O esperado foi a candidatura de Luís Montenegro. Três vantagens:
- É coerente com o que tem dito e feito; e é corajoso – estar quatro anos na oposição é obra (nunca ningeum conseguiu);
- É clarificador – Há uma diferença de fundo, estratégica, entre Montenegro e Rio: Rio é o paladino de acordos estruturais com o PS; Montenegro não quer nem negociações nem acordos com o PS, incluindo nos orçamentos. Quer "vida própria" para o PSD.
- Esta clarificação é essencial. Para que a "luta" seja de estratégias e não de egos, estilos ou narizes!
- Agora virá o expectável: a recandidatura de Rio.
- É certo que líderes com resultados semelhantes demitiram-se (Santana e Ferreira Leite). Mas a sua candidatura é clarificadora. Fui o primeiro a dizê-lo.
- E hoje até acrescento: acho que vai ser recandidato e que vai assumir o papel de líder parlamentar.