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15 de Outubro de 2023 às 21:31

Marques Mendes: Costa Silva "é um ministro ausente no Orçamento"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a guerra no Médio Oriente e o Orçamento do Estado para 2024, entre outros temas.

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A GUERRA NO MÉDIO ORIENTE

 

  1. O que se passou até agora foi feio. O que vem a seguir será pior. A Invasão de Gaza vai ser dura e violenta. Para ter sucesso, Israel precisa de conciliar vários interesses:
  • Precisa de agir com firmeza. É isso o que quer a opinião pública israelita. Quer a liquidação do Hamas. A pressão sobre o governo é grande.
  • Mas precisa de ter uma intervenção calibrada. Uma intervenção exagerada, matando civis, fará com que Israel perca a opinião pública internacional. Afinal, não se pode criticar a Rússia por violação do direito internacional na Ucrânia e não o fazer agora, se Israel exagerar.
  • E precisa de separar o Hamas da causa palestiniana para evitar que a opinião pública árabe na região se mobilize. Aí o conflito passaria de uma guerra local para uma guerra regional. Este é o maior dos riscos.
  • Em qualquer caso, não tenhamos grandes ilusões: depois de um massacre bárbaro, é difícil praticar a proporcionalidade. Os americanos não a praticaram no Vietname. Os britânicos e franceses não a praticaram na Líbia. Infelizmente, é quase sempre assim.

 

  1. E quem vai gerir Gaza se o Hamas for liquidado? Há três cenários possíveis, a título temporário: o primeiro, é ser Israel, como já sucedeu no passado (uma má solução); o segundo, é ser um conjunto de países árabes moderados, como o Egito (a menos má); o terceiro, uma solução internacional (pouco provável). Mas a questão não é para já. No entretanto, há quatro conclusões a retirar:
  • Primeiro: a intervenção dos EUA tem sido impecável: espírito de iniciativa, firmeza e sentido de responsabilidade.
  • Segundo: a UE dividida e aos ziguezagues. Começou mal, suspendendo o apoio humanitário em Gaza. Depois, recuou e até o reforçou. Os palestinianos não têm culpa do terrorismo do Hamas.
  • Terceiro: Zelensky está preocupado. Precisa dos media e os media viraram-se para Israel. Precisa dos EUA e o risco de o apoio dos EUA se reduzir é grande. Más notícias para a Ucrânia e para a Europa.
  • Finalmente, a Rússia. Pode não ter nada a ver com o que se passa. Apesar das suas ligações ao Irão. Mas a verdade é que Putin é o único dirigente no mundo que ganha muito com esta nova guerra.

 

ORÇAMENTO PARA 2024

 

  1. É um orçamento habilidoso, que tenta fazer a quadratura do círculo. Tem coisas boas (no défice, na dívida e no IRS); tem coisas más (na economia e no aumento da despesa do Estado); e tem um truque fiscal pouco recomendável. Por partes:
  2. Primeiro: este OE abre um ciclo orçamental novo. Acaba o ciclo dos défices. Abre-se o ciclo dos excedentes. É a primeira vez em toda a democracia que temos dois anos seguidos sem défice. Falta saber quantos anos este novo ciclo vai durar. Mas, para já, é um dado histórico muito relevante.
  3. Segundo: este OE tem aspetos positivos e negativos muito evidentes.
  • Positivos: um rácio da dívida pública abaixo de 100% do PIB; um alívio fiscal de 1,3 MM€ no IRS; um aumento de pensões acima da inflação; a atualização do SMN e das várias prestações sociais; e a criação de um fundo soberano para investimentos no pós-PRR.
  • Negativos: a falta de ambição económica; a falta de incentivos à atividade produtiva e à poupança; um aumento de impostos indiretos que suplanta o valor do alívio fiscal no IRS; uma carga fiscal que volta a subir; e um aumento excessivo de despesa pública, que pode comprometer novas reduções de impostos no futuro.

 

  1. Finalmente, tem um truque fiscal nada recomendável: o governo dá com uma mão o que tira com a outra. Os impostos indiretos superam a descida do IRS.
  • Assim, com uma mão o Governo dá um alívio fiscal no IRS. Um alívio justo, que as pessoas vão sentir já em janeiro nas retenções na fonte.
  • Depois tira com a outra mão, fazendo com que as pessoas paguem esse alívio fiscal através dos impostos indiretos. Os impostos que as pessoas não notam ou notam menos. Os chamados impostos de anestesia.
  • Em suma: um alívio fiscal justo com base num truque fiscal feio.

 

MINISTROS VENCEDORES E VENCIDOS

 

  1. Quando se avalia um OE é usual classificar os Ministros como vencedores e vencidos em função de saber quem tem mais ou menos dinheiro. Num debate orçamental pode haver, de facto, vencedores e vencidos, mas o critério de avaliação não deve ser o do dinheiro: como se tem visto, não chega despejar dinheiro em cima dos problemas. O importante é saber quem faz, quem tem resultados e quem afirma uma linha política.

 

  1. Assim, neste OE há dois ministros vencedores e um claramente vencido.
  • É vencedor Fernando Medina: pela redução da dívida; pelo excedente orçamental; e pelo alívio fiscal no IRS. E é vencedora a ministra Ana Mendes Godinho: pela garantia de aumento das pensões de acordo com a lei; pela estabilização da taxa de desemprego; e pela atualização das várias prestações sociais no âmbito do seu ministério.
  • O vencido é o ministro da Economia, Costa Silva: a economia é o parente pobre deste OE; falta uma estratégia e faltam medidas que fomentem o crescimento de riqueza. Este é um ministro ausente no Orçamento. Até parece que não participou nos CM que o prepararam e aprovaram.

 

  1. Igualmente importantes são quatro ministros que ficam sob especial observação. Têm muito dinheiro, mas até agora não apresentaram resultados:
  • O ministro da Saúde: tem mais um reforço de verbas no SNS. Já vai em 72% de aumento desde 2015. É agora que vamos ter resultados?
  • O ministro da Educação: tem novamente um reforço de recursos. Vamos finalmente ter professores colocados a tempo e horas?
  • A ministra da Presidência, responsável pelos Fundos: milhões não faltam. É desta vez que se vencem os atrasos?
  • A ministra da Habitação: dinheiro não lhe falta. É agora que finalmente se vão construir fogos?

 

UM ORÇAMENTO ELEITORALISTA?

 

  1. Claro que é um OE eleitoralista. E muito. Só que é um eleitoralismo hábil.
  2. Onde está o eleitoralismo? Nos salários, nas pensões, no enorme aumento de despesa pública. Mas sobretudo no alívio fiscal. O Governo foi muito mais longe do que se previa. Porquê? Por causa da proposta do PSD. O Governo quis tirar ao PSD o discurso da baixa de impostos. Primeiro disse mal da proposta. Depois fez quase igual. É a tática política.
  3. Onde é que o eleitoralismo é hábil? Na conciliação de alívio fiscal com excedente orçamental. Não é fácil acusar de eleitoralismo um OE que não tem défice e até tem excedente orçamental.
  4. Porquê o eleitoralismo? Porque o PM quer mesmo ganhar as eleições europeias. A novidade está aqui. Os PM dão normalmente uma importância reduzida às eleições europeias. Só que para António Costa estas europeias são muito especiais.
  • Primeiro, porque são, em princípio, as últimas eleições nacionais da responsabilidade de António Costa. As autárquicas em 2025 são 308 eleições locais. E, em 2026, o PM já não se vai candidatar. Acaba aí o seu ciclo nacional. Logo, quer vencer as "suas" últimas eleições.
  • Depois, porque, lá no fundo, muito no fundo, António Costa tem algum receio de que, perdendo as europeias, ainda possa haver uma dissolução da AR em 2025. Se ganhar as europeias, a ideia de dissolução fica praticamente afastada. Joga tudo na vitória.

 

  1. Se o Governo foi eleitoralista, o PSD não foi feliz na primeira avaliação do OE. Um documento que mexe com a vida das pessoas, não pode ser avaliado na base de graçolas. Aí, Luís Montenegro não foi feliz. Em compensação, deu à TVI talvez a sua melhor entrevista como líder: foi claro, genuíno, corajoso e apresentou várias ideias para o país. Quanto ao OE: em vez de embaraço, o PSD deve congratular-se com a baixa do IRS e criticar o resto: a falta de economia, a subida da carga fiscal, a ausência de apoios às empresas.

 

A CRISE NA SAÚDE

 

  1. O dado mais curioso desta semana foi a crítica do MF ao MS feita na apresentação do OE e repetida depois no Expresso: "As dificuldades do SNS não resultam de questões financeiras". Que é como quem diz: dinheiro não falta, o que falta é organizar e gerir melhor o SNS. E isso já não é com o MF. Medina não disse nada que os portugueses não tenham pensado já. Mas dito pelo MF tem outro significado.

 

  1. Coincidência ou não, as coisas começaram a mudar:
  • Chegou finalmente o Estatuto da CE do SNS. Vem com um ano de atraso. O difícil agora vai ser passar do papel à prática. Alerto já. Vão surgir imensos problemas: problemas de articulação com outros serviços; problemas de sobreposição de competências; problemas de comparação de salários entre dirigentes deste e de outros serviços.
  • Recomeçaram as negociações com os sindicatos médicos. O Governo abriu os cordões à bolsa. Ainda há divergências. Mas percebe-se que vai haver acordo. É do interesse do país, do Governo e dos médicos. Se houver alguma fatalidade num hospital, todos têm a perder.
  • Vamos ter uma nova organização no domínio da saúde. Acabam as ARS. São criadas 31 novas Unidades Locais de Saúde. Isto é bom, mau ou assim-assim? Ninguém sabe. Para o comum dos cidadãos há, pelo menos, três perguntas a que o Ministério da Saúde deve responder:

- A gestão conjunta de hospitais e centros de saúde traz melhorias? Quais?

- As listas de espera vão diminuir? Qual é o plano que existe?

- O número de utentes sem médico de família vai ser reduzido? Quando e quanto?

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