Opinião
Marques Mendes: Costa pode sair para Bruxelas em 2024
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o "cansaço" no Governo, a queda de Boris Johnson e a morte de José Eduardo dos Santos, entre outros temas.
O EXCESSO DE MORTES COVID
- Apesar das vacinas e do abrandamento da pandemia, o número de mortes por Covid em Portugal continua excessivamente alto. Somos o terceiro pior país da UE em número de mortes por milhão de habitantes. E, se compararmos o número de mortes hoje com o do período homólogo de 2021, a diferença é assustadora: temos hoje sete vezes mais mortes por Covid que em igual período de 2021. Será que estamos a fazer tudo para evitar este estado de coisas?
- Há médicos que acham que não e que até culpam a DGS. É o caso do João Carlos Winck. Em artigo de opinião no Público, este especialista é brutal nas conclusões. Diz ele:
- "Com as armas terapêuticas antivirais que temos agora ao dispor, não é aceitável esta mortalidade."
- "Até hoje só foi dispensado um tratamento com Paxlovid em Portugal (um dos antivirais mais eficazes que se destina a evitar que a doença evolua para internamento ou morte)."
- "As indicações tão restritivas da DGS devem-se à existência de stocks muito reduzidos dos fármacos. Por que não foram comprados em quantidades adequadas?"
- "Nesta 6ª onda pandémica o acesso aos antivirais deveria ser equitativo, célere e transparente."
- Sendo assim, impõe-se um esclarecimento da parte da DGS: Portugal comprou poucos medicamentos antivirais porquê? Por que é que em Espanha eles são generalizadamente usados e em Portugal não? A DGS vai rever o seu comportamento ou vai manter tudo igual?
PROMISCUIDADE ENTRE POLÍTICA E JUSTIÇA
- José Sócrates tem neste momento para decisão no STJ um recurso, no âmbito da Operação Marquês. Um dos juízes a quem este recurso foi parar é o Conselheiro Lopes da Mota. O que é que isto tem de anormal? Duas coisas: primeiro, a ligação deste Juiz Conselheiro a Sócrates; depois as "placas giratórias" entre a política e a justiça que geram uma perceção de promiscuidade entre os dois sectores. Vejamos:
- Lopes da Mota foi colega de Sócrates no Governo. Secretário de Estado da Justiça entre 1996 e 99.
- Lopes da Mota teve uma sanção disciplinar do MP por causa de Sócrates. Tentou que a "investigação" sobre o Freeport fosse arquivada (2009).
- Lopes da Mota "voltou ao Governo" como Adjunto da ex-Ministra Francisca Van Dunen em 2020/21.
- A primeira situação está aparentemente ultrapassada. O Juiz pediu escusa de intervir neste processo. A segunda é mais estrutural e não está resolvida. A um magistrado não chega ser independente. É preciso também parecer. Alguém que anda a "saltitar" da justiça para a política e da política para a justiça gera uma suspeita: a suspeita de que não é independente. Isto tem acontecido com vários magistrados em governos do PS e do PSD.
Só há uma forma de acabar com estas suspeitas de promiscuidades. É fazer o que o Presidente do STJ, Henrique Araújo, pretende fazer: acabar com as placas giratórias entre a política e a justiça. Um magistrado que quer ir para o governo pode ir. Mas já não pode voltar. Oxalá o Presidente do STJ tenha força para levar a sua ideia até ao fim!
A MORTE DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
- O ex-Presidente de Angola foi uma personalidade polémica e marcante. Para uns, foi o grande arquitecto da paz e isso vale mais do que tudo o resto; para outros, foi o líder que favoreceu a corrupção generalizada.
Sinceramente, acho que Eduardo dos Santos foi as duas coisas. Foi o artífice da paz e da união em Angola. Pôs fim a uma guerra civil brutal de quase 30 anos. Mas também foi o líder que deu cobertura à corrupção e à generalização da pobreza. Mesmo sabendo-se que Angola é África e não Europa. Valorizar apenas um dos lados não parece ser um juízo isento e independente.
Provavelmente os angolanos valorizam mais a dimensão do estadista que fez a paz e construiu a unidade da nação angolana. É compreensível. A guerra deixou sequelas humanas brutais. A história, essa, seguramente que não deixará de registar ambas as vertentes do seu legado.
- A morte de Eduardo dos Santos surge num momento de grande tensão política em Angola e está a agravar ainda mais esse clima de tensão.
- Estamos a mês e meio das eleições em Angola, as eleições mais disputadas de sempre, realizadas num ambiente de forte descontentamento social.
- A relação entre o Presidente João Lourenço e uma parte da família Dos Santos é péssima, agravado por uma filha do ex-Presidente que tem "envenenado" ainda mais o clima político com acusações graves.
- Finalmente, há um conflito sério: o Governo de Angola quer fazer um funeral de Estado em Luanda e até vai construir um Memorial em honra de José Eduardo dos Santos, que será o futuro Panteão Nacional de Angola; uma parte da família acha que o governo quer aproveitar-se politicamente da figura de Eduardo dos Santos e por isso quer evitar a trasladação do corpo para Luanda.
- O funeral de José Eduardo dos Santos transformou-se num caso politico e eleitoral.
100 DIAS DE GOVERNO
- A evocação dos primeiros 100 dias do Governo coincidiu com duas situações atípicas, ambas sem sentido:
- Primeiro, a Moção de Censura do Chega. Foi uma brincadeira política. Serviu apenas para mostrar que André Ventura está mais nervoso com a liderança de Luís Montenegro do que estava com a liderança de Rio.
- Segundo, os pedidos vindos de dentro do PS e do Governo, segundo diz o Expresso, para que o primeiro-ministro faça uma remodelação depois do Verão. Até falam de Carlos César para o Governo. É um exagero. Falar de remodelação num governo que tem apenas 100 dias de vida é outro sinal de nervosismo.
- Nada disto é surpreendente. Já se viu nos últimos dois anos do cavaquismo. Muito tempo seguido no poder gera o que estamos a assistir no Governo: cansaço, descoordenação, falta de iniciativa, Ministros a especularem nos jornais. Mas há diferenças essenciais:
- A primeira é que desta vez o cansaço chegou mais cedo. Tem uma explicação: hoje é mais difícil governar do que era há 20 ou 30 anos.
- A segunda é que este governo tem poucos resultados a apresentar. Por isso, corre atrás do prejuízo. É o caso da Saúde. A primeira medida de fundo no SNS foi aprovada esta semana (ao fim de quase 7 anos de governo). Até estar em execução plena vai levar mais meio ano a um ano. E falta saber se, mesmo assim, terá resultados positivos.
- A terceira diferença é que ainda estamos longe do ano mais crítico: 2024. Tudo é possível nesse ano. É possível que tudo continue na mesma. Mas também é possível que o primeiro-ministro saia para Bruxelas e haja eleições antecipadas.
A SAÍDA DE BORIS JOHNSON
- Esta saída só peca por tardia. Se não fosse a guerra na Ucrânia, o primeiro-ministro britânico já tinha caído. Caiu tarde, mas caiu bem. Ele foi um mau exemplo, com comportamentos éticos censuráveis: as festas na pandemia; as mentiras sucessivas; a falta de respeito pelos cidadãos e pelas instituições.
- A vida não está fácil para populistas. Manifestamente eles são melhores na oposição que na governação. Trump perdeu eleições. Boris Johnson caiu. Bolsonaro está prestes a cair. É certo que são todos diferentes: Bolsonaro é básico; Trump à beira de Bolsonaro é um talento; Boris é claramente o mais bem preparado dos três. Mas todos têm em comum a veia demagógica e de ausência de convicções. Veja-se o exemplo do primeiro-ministro britânico: começou por ser contra a saída do RU da UE e acabou a ser o líder do Brexit quando percebeu que esse era o melhor caminho para chegar a líder.
- Quem sucede a Boris? É cedo para tirar conclusões. Até por uma razão que é novidade: desta vez, o primeiro-ministro é destituído sem haver uma alternativa "pré-estabelecida". No passado, em situações análogas, tudo se passou de modo diferente. Quando Margareth Thatcher caiu, havia John Major; quando Blair caiu, havia Gordon Brown; quando Theresa May caiu, havia Boris Johnson. Agora há muitos candidatos e o desfecho é imprevisível.
- Politicamente, o que muda com um novo líder? Provavelmente muito pouco:
- Guerra na Ucrânia. Nada de substancial mudará. Conservadores e Trabalhistas estão unidos no combate à Rússia e no apoio à Ucrânia.
- Relação com a UE. Pode haver uma mudança de tom, não de substância. Ninguém vai reverter o Brexit. O tom em relação ao conflito em torno da Irlanda do Norte é que pode ser diferente.
- Mudança, provavelmente só nas atitudes. O que já não é coisa pouca.
O ESTADO DA GUERRA
- Na guerra propriamente dita não há grandes novidades. O que há é duas estratégias radicalmente diferentes: a estratégia da Rússia tem objectivos e calendários claros:
- Depois da 1ª fase do Donbass o próximo objetivo é conquistar Kramatorsk e Sloviansk.
- A seguir a intenção é tentar conquistar as cidades de Kharkiv e Sumi.
- A Rússia beneficia do bom tempo e da não chegada ainda dos novos equipamentos à Ucrânia.
- O discurso de Putin esta semana comprova isto mesmo: militarmente este é um bom momento para a Rússia.
- Já a estratégia da Ucrânia é bem diferente: neste momento está numa fase defensiva, preparando a contra-ofensiva em Agosto.
- A Ucrânia aguarda os novos equipamentos pesados vindos do Ocidente.
- Está a preparar um contra-ataque forte a partir de Agosto.
- A grande prioridade estratégica é a reconquista de Kherson.
- A intenção tática passa por reforçar ações de sabotagem.
- No entretanto, prevê-se que a Ucrânia dará luta forte na província do Donetsk.
- Fora da guerra, a única grande novidade é o Plano Marshall para a reconstrução da Ucrânia: foi elaborado por 3 mil especialistas ucranianos e ocidentais; vai custar cerca de 720 mil milhões de euros; requer a reconstrução de 200 hospitais e 1200 escolas; e vai ser pago no essencial pela UE e pelos EUA.