Opinião
Marques Mendes: Clima de conflito entre Belém e São Bento não é benéfico
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os atrasos nos fundos, o Conselho de Estado e as rentrées dos pequenos partidos, entre outros temas.
OS ATRASOS NOS FUNDOS
- Portugal está com um problema estrutural na aplicação dos Fundos que vêm de Bruxelas: são três Programas; estão todos atrasados. O do passado, o do presente e o do futuro.
- Primeiro, o Programa PT2020. Começou em 2014. Está a 4 meses do seu fim. Todavia, ainda falta executar 2,6MM€. A taxa de execução é de 90,2%. Já devia ser praticamente de 100%. Mesmo que o Pais não perca fundos, vai gastar tudo à pressa e dessa forma vai acabar a gastar mal.
- Segundo, o PRR. Novo atraso e substancial. Já passou 36% do tempo de vigência do PRR. Mas ainda só está executado a 15%. Da dotação inicial de 16,6 MM€, só estão gastos 2,6 MM€. E, quando a reprogramação for aprovada, o atraso vai acentuar-se. Tudo isto com um tempo limite para gastar: fim de 2026.
- Terceiro, o PT 2030. Ainda está no seu início. Mas já se notam os atrasos. Ainda sem praticamente um Euro gasto, a comparação deve ser feita pelos concursos abertos. Se compararmos o número de concursos abertos agora, no PT 2030, com o período equivalente do início do PT 2020 (junho de 2016), o atraso já está lá: há 7 anos, em período homólogo, 41% da dotação já estava em concurso (10,5 MM€). Agora, 7 anos depois, só 4% da dotação está em concurso (870 milhões).
- Além dos atrasos – já de si um caso sério – temos um outro problema: é que enquanto discutimos os atrasos, não discutimos o essencial: a qualidade dos investimentos que são feitos. E é pena. Os investimentos em curso são boas escolhas? São investimentos reprodutivos? As escolhas não deviam ser outras? Estas são as questões que devíamos estar a analisar. Afinal, só discutimos atrasos.
O CONSELHO DE ESTADO
- Comentando apenas o que é público, há uma questão que, para memória futura, deve ser refletida: pode um membro do CE ficar silencioso quando se debate qualquer questão neste órgão? Poder, pode. Ninguém o vai incriminar por isso. Mas não deve. No momento em que faz parte do CE e é chamado a emitir opinião sobre um determinado assunto, deve fazê-lo. Para isso é que está lá. Para isso é que é convocado. Mais do que um direito, tem um dever de falar. E o dever de respeito pela colegialidade do órgão. Doutra forma, estamos perante uma anormalidade. Esta é a minha "teoria geral". Aplica-se a qualquer membro do CE. Seja PAR, PM, Provedor de Justiça, seja ele qual for.
- Sobre o clima de tensão entre Belém e S. Bento, há três questões a sublinhar:
- Primeiro, esta tensão não é nova. Começou com o caso Galamba; agravou-se com a reação do Governo ao veto sobre habitação; vai acelerando com várias declarações; e teve agora um novo agravamento com o silêncio do PM no Conselho de Estado.
- Segundo, se se mantiver ou agravar, esta tensão não será boa para o país. Uma coisa é existir uma separação de águas entre as funções do PR e as do Governo. Isso é saudável. Outra coisa é haver um clima de tensão ou conflito. Isso não é benéfico. Portugal já tem problemas que cheguem. Na economia, na saúde, na habitação, nos impostos. Dispensa bem novos problemas institucionais. Tenho a certeza de que PM e PR farão um esforço para diminuir este clima de tensão política.
- Terceiro, nem 8 nem 80. Devemos evitar os exageros. Nem uma sobreposição de funções entre PR e Governo como tivemos algumas vezes no tempo da geringonça; nem um clima de tensão como agora. O País precisa de equilíbrio. Como ainda hoje recordou Carlos César, apelando ao consenso e não ao conflito.
O PM E OS JOVENS
- A rentrée do PS começou com um discurso do PM e terminou hoje com uma intervenção de Carlos César. Objetivamente, parecem duas rentrées. O discurso de Carlos César é bem diferente do de António Costa. O Presidente do PS fez um discurso de apelo á abertura por parte do governo (nem só o PS tem boas ideias); um discurso de apelo ao consenso (não se governa sozinho em nenhuma parte do mundo); um discurso de apelo a que o PS contenha os ataques ao PR, na defesa da estabilidade institucional. Tudo isto é novidade e contrasta com o discurso oficial do PS e do governo.
- Quanto ao discurso do PM: ele fez bem em falar dos jovens e dos seus problemas. Quanto às medidas anunciadas: todas elas ficam bem na fotografia. Mas, para usar uma célebre expressão de António Costa, são "poucochinho". Não é de estranhar. Este é o padrão de atuação do PM: apresentar sempre pequenas medidas; medidas que têm um efeito prático reduzido; mas medidas que, uma a uma, dão para construir um discurso, dando a ideia de que se está a fazer muita coisa. É um padrão. Até agora tem resultado!
- Como disseram as associações de jovens, as medidas não resolvem os três problemas que mais atormentam os jovens: baixos salários, habitação e emigração. Assim, os jovens com altas qualificações continuarão a sair do país. Os outros, que não saem, continuarão na geração dos mil euros. Ainda recentemente a Fundação José Neves o confirmou com números pesados.
- Parafraseando o título do programa do José Miguel Júdice, AS CAUSAS, continuamos a tentar minorar as consequências do problema, o que é sempre bom, mas não se atacam as causas do problema, o que é muito mau. É como tomar um analgésico para uma doença que carece de um antibiótico. Não se trata o doente e a doença agrava-se. Neste caso, as causas são sobretudo duas: baixo crescimento económico e impostos altos. E não se vê estratégia para as combater.
AS RENTRÉES DOS PEQUENOS PARTIDOS
Todos os partidos estão a preparar-se para as eleições europeias. São eleições vitais e todos estão preocupados.
- Está preocupado o CDS. Se não eleger qualquer deputado, pode ser o seu fim como partido nacional. Por isso, está a fazer tudo para o evitar. Agora, avançou com uma nova ideia: a atualização dos princípios programáticos do partido. Um bom trabalho de António Lobo Xavier. E fez uma rentrée interessante: com uma tentativa de "rassemblement", juntando os ex-lideres do CDS, num esforço pela sobrevivência do partido.
- Está preocupado o BE. O partido tem dois deputados atualmente. Alcançados em 2019, quando o partido estava em alta. Mas agora corre o risco de baixar. Este não é o melhor momento do BE, depois da queda nas legislativas. Acresce que vai ser o primeiro grande teste de Mariana Mortágua como nova coordenadora do Bloco. Esse e a escolha da cabeça de lista: poderá ser Catarina Martins, se ela aceitar o desafio.
- Está preocupado o Chega. Que decidiu avançar com uma nova Moção de Censura. Substantivamente é uma inutilidade. Não serve para nada nem vai mudar nada. Politicamente, é apenas foguetório. Tentar mostrar que faz mais oposição que os outros. Falta saber se, de tão requentado, este número ainda resulta.
NOVO ANO LETIVO
- Um início de ano letivo com sérios problemas: milhares de alunos sem professor; milhares de professores que se sabia há anos que passariam à reforma este ano, mas que ninguém acautelou a substituição; problemas agravados para os professores deslocados com a falta de casas a preços acessíveis. No meio, uma boa sugestão do Presidente do Conselho de Escolas: atribuir um subsídio de residência aos professores que, para aceitarem colocações, têm de fazer grandes deslocações e não suportam o custo da casa.
- Noutro plano, uma falha grave: o governo continua sem atualizar os apoios ao ensino pré-escolar a cargo das IPSS e Misericórdias. Em 15 anos, o aumento das comparticipações feitas pelo Estado foi de 2,6%. No mesmo período, a inflação acumulada foi de 22,6%. Manter esta situação é de uma flagrante injustiça social. Não a corrigir rapidamente é correr o risco de afetar muitas crianças pobres e vulneráveis.
- Uma questão nova a debater: devemos apostar tudo em manuais digitais ou os manuais em papel continuam a ser necessários? A questão não é pacífica. De um lado, temos os defensores da digitalização. Do outro lado, os aliados do papel. No meio, muito boa gente cheia de dúvidas.
- As dúvidas aumentaram agora, com a inversão de política que fez recentemente a Suécia. Este país, conhecido pelos elevados índices na Educação, está a travar a digitalização nas escolas e a reinvestir nos manuais em papel. Vai alocar 60M€ em 2023 e 45M€ em 2024 para a compra de livros em papel, com vista a substituir os tablets nas escolas.
- O objetivo da Suécia é melhorar os índices de leitura e de expressão escrita, evitando a criação de uma "geração de analfabetos funcionais". Segundo o governo sueco, a digitalização está a dificultar os índices de leitura e de escrita. De acordo com o PISA, 18% dos alunos na Suécia não atingiram os objetivos definidos. Dá que pensar!
O IMPASSE EM ESPANHA
- O impasse político continua. A opção que se põe é esta: ou temos um governo do PSOE apoiado pelo JUNTS (independentistas da Catalunha) ou teremos novas eleições em janeiro de 2024. Apesar da incerteza, é provável um novo governo de Pedro Sanchéz. É que ambos, JUNTS e PSOE, têm medo de eleições.
- Primeiro, o JUNTS de Puidgemont não quer novas eleições. É certo que tem exigências negociais altas: uma amnistia prévia para os condenados da Catalunha. Esta exigência será muito difícil de satisfazer. Mas o JUNTS poderá recuar. É que hoje este partido tem capacidade negocial. O PSOE precisa dele para ser governo. Mas, se houver novas eleições, o JUNTS pode perder a capacidade negocial que hoje tem.
- Segundo, Sanchéz também não quer novas eleições. Logo, pode estar disponível para cedências. É que em Espanha há uma figura constitucional que não existe em Portugal: a Moção de Censura Construtiva. Isto significa que, depois de investido, um governo só pode ser destituído se houver um governo alternativo, com um Presidente de Governo alternativo e tudo aprovado por maioria absoluta. Ora, isto é impossível de alcançar. Juntar o PP e o JUNTS, por exemplo, é impossível. Logo, se Sanchéz chegar agora ao governo, nunca mais ninguém o tira de lá. Com eleições, não se sabe o que sucede.
- Mesmo assim, se houver acordo com uma Amnistia, uma decisão dessas vai ser muito polémica dentro do próprio PSOE. A prova é que ainda esta semana duas figuras históricas socialistas (Felipe Gonzalez e Alfonso Guerra) contestaram firmemente a ideia de cedências dessa natureza. A vida política em Espanha está cada vez mais um "barril de pólvora"!