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10 de Setembro de 2023 às 21:51

Marques Mendes: Clima de conflito entre Belém e São Bento não é benéfico

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os atrasos nos fundos, o Conselho de Estado e as rentrées dos pequenos partidos, entre outros temas.

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OS ATRASOS NOS FUNDOS

 

  1. Portugal está com um problema estrutural na aplicação dos Fundos que vêm de Bruxelas: são três Programas; estão todos atrasados. O do passado, o do presente e o do futuro.
  • Primeiro, o Programa PT2020. Começou em 2014. Está a 4 meses do seu fim. Todavia, ainda falta executar 2,6MM€. A taxa de execução é de 90,2%. Já devia ser praticamente de 100%. Mesmo que o Pais não perca fundos, vai gastar tudo à pressa e dessa forma vai acabar a gastar mal.
  • Segundo, o PRR. Novo atraso e substancial. Já passou 36% do tempo de vigência do PRR. Mas ainda só está executado a 15%. Da dotação inicial de 16,6 MM€, só estão gastos 2,6 MM€. E, quando a reprogramação for aprovada, o atraso vai acentuar-se. Tudo isto com um tempo limite para gastar: fim de 2026.
  • Terceiro, o PT 2030. Ainda está no seu início. Mas já se notam os atrasos. Ainda sem praticamente um Euro gasto, a comparação deve ser feita pelos concursos abertos. Se compararmos o número de concursos abertos agora, no PT 2030, com o período equivalente do início do PT 2020 (junho de 2016), o atraso já está lá: há 7 anos, em período homólogo, 41% da dotação já estava em concurso (10,5 MM€). Agora, 7 anos depois, só 4% da dotação está em concurso (870 milhões).

 

  1. Além dos atrasos – já de si um caso sério – temos um outro problema: é que enquanto discutimos os atrasos, não discutimos o essencial: a qualidade dos investimentos que são feitos. E é pena. Os investimentos em curso são boas escolhas? São investimentos reprodutivos? As escolhas não deviam ser outras? Estas são as questões que devíamos estar a analisar. Afinal, só discutimos atrasos.

 

O CONSELHO DE ESTADO

 

  1. Comentando apenas o que é público, há uma questão que, para memória futura, deve ser refletida: pode um membro do CE ficar silencioso quando se debate qualquer questão neste órgão? Poder, pode. Ninguém o vai incriminar por isso. Mas não deve. No momento em que faz parte do CE e é chamado a emitir opinião sobre um determinado assunto, deve fazê-lo. Para isso é que está lá. Para isso é que é convocado. Mais do que um direito, tem um dever de falar. E o dever de respeito pela colegialidade do órgão. Doutra forma, estamos perante uma anormalidade. Esta é a minha "teoria geral". Aplica-se a qualquer membro do CE. Seja PAR, PM, Provedor de Justiça, seja ele qual for. 

 

  1. Sobre o clima de tensão entre Belém e S. Bento, há três questões a sublinhar:
  • Primeiro, esta tensão não é nova. Começou com o caso Galamba; agravou-se com a reação do Governo ao veto sobre habitação; vai acelerando com várias declarações; e teve agora um novo agravamento com o silêncio do PM no Conselho de Estado.
  • Segundo, se se mantiver ou agravar, esta tensão não será boa para o país. Uma coisa é existir uma separação de águas entre as funções do PR e as do Governo. Isso é saudável. Outra coisa é haver um clima de tensão ou conflito. Isso não é benéfico. Portugal já tem problemas que cheguem. Na economia, na saúde, na habitação, nos impostos. Dispensa bem novos problemas institucionais. Tenho a certeza de que PM e PR farão um esforço para diminuir este clima de tensão política.
  • Terceiro, nem 8 nem 80. Devemos evitar os exageros. Nem uma sobreposição de funções entre PR e Governo como tivemos algumas vezes no tempo da geringonça; nem um clima de tensão como agora. O País precisa de equilíbrio. Como ainda hoje recordou Carlos César, apelando ao consenso e não ao conflito.

 

O PM E OS JOVENS

 

  1. A rentrée do PS começou com um discurso do PM e terminou hoje com uma intervenção de Carlos César. Objetivamente, parecem duas rentrées. O discurso de Carlos César é bem diferente do de António Costa. O Presidente do PS fez um discurso de apelo á abertura por parte do governo (nem só o PS tem boas ideias); um discurso de apelo ao consenso (não se governa sozinho em nenhuma parte do mundo); um discurso de apelo a que o PS contenha os ataques ao PR, na defesa da estabilidade institucional. Tudo isto é novidade e contrasta com o discurso oficial do PS e do governo.

 

  1. Quanto ao discurso do PM: ele fez bem em falar dos jovens e dos seus problemas. Quanto às medidas anunciadas: todas elas ficam bem na fotografia. Mas, para usar uma célebre expressão de António Costa, são "poucochinho". Não é de estranhar. Este é o padrão de atuação do PM: apresentar sempre pequenas medidas; medidas que têm um efeito prático reduzido; mas medidas que, uma a uma, dão para construir um discurso, dando a ideia de que se está a fazer muita coisa. É um padrão. Até agora tem resultado!

 

  1. Como disseram as associações de jovens, as medidas não resolvem os três problemas que mais atormentam os jovens: baixos salários, habitação e emigração. Assim, os jovens com altas qualificações continuarão a sair do país. Os outros, que não saem, continuarão na geração dos mil euros. Ainda recentemente a Fundação José Neves o confirmou com números pesados.
  • Parafraseando o título do programa do José Miguel Júdice, AS CAUSAS, continuamos a tentar minorar as consequências do problema, o que é sempre bom, mas não se atacam as causas do problema, o que é muito mau. É como tomar um analgésico para uma doença que carece de um antibiótico. Não se trata o doente e a doença agrava-se. Neste caso, as causas são sobretudo duas: baixo crescimento económico e impostos altos. E não se vê estratégia para as combater.

 

AS RENTRÉES DOS PEQUENOS PARTIDOS

 

Todos os partidos estão a preparar-se para as eleições europeias. São eleições vitais e todos estão preocupados.

  1. Está preocupado o CDS. Se não eleger qualquer deputado, pode ser o seu fim como partido nacional. Por isso, está a fazer tudo para o evitar. Agora, avançou com uma nova ideia: a atualização dos princípios programáticos do partido. Um bom trabalho de António Lobo Xavier. E fez uma rentrée interessante: com uma tentativa de "rassemblement", juntando os ex-lideres do CDS, num esforço pela sobrevivência do partido.

 

  1. Está preocupado o BE. O partido tem dois deputados atualmente. Alcançados em 2019, quando o partido estava em alta. Mas agora corre o risco de baixar. Este não é o melhor momento do BE, depois da queda nas legislativas. Acresce que vai ser o primeiro grande teste de Mariana Mortágua como nova coordenadora do Bloco. Esse e a escolha da cabeça de lista: poderá ser Catarina Martins, se ela aceitar o desafio.

 

  1. Está preocupado o Chega. Que decidiu avançar com uma nova Moção de Censura. Substantivamente é uma inutilidade. Não serve para nada nem vai mudar nada. Politicamente, é apenas foguetório. Tentar mostrar que faz mais oposição que os outros. Falta saber se, de tão requentado, este número ainda resulta.

 

NOVO ANO LETIVO

 

  1. Um início de ano letivo com sérios problemas: milhares de alunos sem professor; milhares de professores que se sabia há anos que passariam à reforma este ano, mas que ninguém acautelou a substituição; problemas agravados para os professores deslocados com a falta de casas a preços acessíveis. No meio, uma boa sugestão do Presidente do Conselho de Escolas: atribuir um subsídio de residência aos professores que, para aceitarem colocações, têm de fazer grandes deslocações e não suportam o custo da casa.

 

  1. Noutro plano, uma falha grave: o governo continua sem atualizar os apoios ao ensino pré-escolar a cargo das IPSS e Misericórdias. Em 15 anos, o aumento das comparticipações feitas pelo Estado foi de 2,6%. No mesmo período, a inflação acumulada foi de 22,6%. Manter esta situação é de uma flagrante injustiça social. Não a corrigir rapidamente é correr o risco de afetar muitas crianças pobres e vulneráveis.

 

  1. Uma questão nova a debater: devemos apostar tudo em manuais digitais ou os manuais em papel continuam a ser necessários? A questão não é pacífica. De um lado, temos os defensores da digitalização. Do outro lado, os aliados do papel. No meio, muito boa gente cheia de dúvidas.
  • As dúvidas aumentaram agora, com a inversão de política que fez recentemente a Suécia. Este país, conhecido pelos elevados índices na Educação, está a travar a digitalização nas escolas e a reinvestir nos manuais em papel. Vai alocar 60M€ em 2023 e 45M€ em 2024 para a compra de livros em papel, com vista a substituir os tablets nas escolas.
  • O objetivo da Suécia é melhorar os índices de leitura e de expressão escrita, evitando a criação de uma "geração de analfabetos funcionais". Segundo o governo sueco, a digitalização está a dificultar os índices de leitura e de escrita. De acordo com o PISA, 18% dos alunos na Suécia não atingiram os objetivos definidos. Dá que pensar!

 

O IMPASSE EM ESPANHA

 

  1. O impasse político continua. A opção que se põe é esta: ou temos um governo do PSOE apoiado pelo JUNTS (independentistas da Catalunha) ou teremos novas eleições em janeiro de 2024. Apesar da incerteza, é provável um novo governo de Pedro Sanchéz. É que ambos, JUNTS e PSOE, têm medo de eleições.
  • Primeiro, o JUNTS de Puidgemont não quer novas eleições. É certo que tem exigências negociais altas: uma amnistia prévia para os condenados da Catalunha. Esta exigência será muito difícil de satisfazer. Mas o JUNTS poderá recuar. É que hoje este partido tem capacidade negocial. O PSOE precisa dele para ser governo. Mas, se houver novas eleições, o JUNTS pode perder a capacidade negocial que hoje tem.
  • Segundo, Sanchéz também não quer novas eleições. Logo, pode estar disponível para cedências. É que em Espanha há uma figura constitucional que não existe em Portugal: a Moção de Censura Construtiva. Isto significa que, depois de investido, um governo só pode ser destituído se houver um governo alternativo, com um Presidente de Governo alternativo e tudo aprovado por maioria absoluta. Ora, isto é impossível de alcançar. Juntar o PP e o JUNTS, por exemplo, é impossível. Logo, se Sanchéz chegar agora ao governo, nunca mais ninguém o tira de lá. Com eleições, não se sabe o que sucede.

 

  1. Mesmo assim, se houver acordo com uma Amnistia, uma decisão dessas vai ser muito polémica dentro do próprio PSOE. A prova é que ainda esta semana duas figuras históricas socialistas (Felipe Gonzalez e Alfonso Guerra) contestaram firmemente a ideia de cedências dessa natureza. A vida política em Espanha está cada vez mais um "barril de pólvora"!
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