Opinião
Marques Mendes antecipa "forte bipolarização ao centro entre PS e PSD"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a vacinação, as legislativas marcadas para janeiro, as eleições no PSD e a cimeira do clima.
A PANDEMIA E A VACINAÇÃO
- As coisas não vão bem: a pandemia na UE está a agravar-se; a vacinação no mundo é insuficiente; a terceira dose da vacina está atrasada.
- Pandemia na Europa – Está a agravar-se a um ritmo significativo. E, com o Inverno, ainda se vai agravar mais. O que suscita o problema do surgimento de novas variantes – ou mutações das variantes actuais – que podem desafiar a segurança das vacinas que temos.
- Vacina no mundo – Está em níveis muito insuficientes para podermos acabar com a pandemia. Portugal é praticamente o único país com vacinação acima dos 80% (exactamente 87% da população). A esmagadora dos países e continentes está nos 50%, 60%. E não é fácil mudar. Os cidadãos desses países e continentes recusam as vacinas.
- Em Portugal, as coisas também não estão a correr bem com a terceira dose da vacina, para pessoas acima dos 65 anos: num universo potencial de 2,3 milhões de pessoas só 340 mil (cerca de 14%) estão vacinadas. A vacinação é baixa e a adesão insuficiente. Há aqui três problemas sérios:
- Um problema de liderança e comunicação: com a saída do Almirante Gouveia e Melo, a liderança e a comunicação na vacinação perderam força. Em particular, falta comunicação eficaz. E, sem comunicação eficaz, as pessoas desvalorizam a vacina. Acham que não é necessária. Não se vacinam.
- Um problema de saúde pública: com o agravamento da pandemia e a diminuição de anticorpos, sobretudo nos mais velhos, há um risco de agravamento da situação. O que pode traduzir-se em mais doença grave e em mais óbitos.
- Um problema político: ou o Governo muda a liderança e o processo de comunicação nesta fase da vacinação ou vai ter um problema sério em vésperas de eleições. Os problemas vão agravar-se e a contestação vai começar. É uma questão de tempo.
ELEIÇÕES EM JANEIRO
- Depois da tempestade a bonança. Durante uma semana, tivemos uma tempestade num copo de água sobre a data das eleições. No momento em que o PR anunciou a data veio a bonança. A data de 30 de Janeiro – que eu próprio e outros tínhamos sugerido – é uma data equilibrada e imparcial:
- Evita que os debates televisivos sejam feitos no Natal e Ano Novo, o que seria um disparate e um convite à abstenção.
- Permite que o PSD faça as suas eleições internas, tal como Jorge Sampaio há 20 anos permitiu ao PS, mas sem favorecimentos.
- Agradou a quase todos os partidos. Pediram 16 de Janeiro, mas recuaram e concordaram com o Presidente.
- O PR fez um bom discurso ao país, explicou bem as razões da dissolução e as sondagens dão-lhe razão. Esteve à altura dos acontecimentos. Com excepção da audiência a Paulo Rangel, que bem podia ter ocorrido noutra ocasião para não gerar polémica, fora isso o PR esteve bem em todo este processo:
- Fez o que qualquer outro Presidente no lugar dele, à direita e à esquerda, tinha que fazer: dissolver a AR, porque não havia alternativa. O Governo não apresentava um 2º Orçamento e achava inviável governar dois anos em duodécimos.
- Avisou previamente para as consequências do chumbo deste OE. Se não tivesse tido essa clareza e transparência, estaria agora a ser acusado de que não avisou, não informou, não definiu previamente as regras do jogo.
- Decidiu com independência e autoridade. Não fez a vontade aos partidos – que queriam 16 de Janeiro – nem se deixou condicionar. E foi consensual.
PRIMEIRAS SONDAGENS
- Acho que é muito cedo para ter sondagens condizentes com o que pode suceder em 30 de Janeiro. Primeiro, o PSD ainda não decidiu a sua liderança; segundo, uma parte dos eleitores só vai decidir o seu voto lá para meados de Janeiro, depois dos debates.
- Há, porém, alguns dados curiosos nestas sondagens (CESOP e Aximage):
- Primeiro: os portugueses valorizam muito a ideia de estabilidade. Por isso, não gostaram do chumbo do OE e da abertura da crise política.
- Segundo: responsabilizam por igual os três partidos da geringonça e o PM chega mesmo, pela primeira vez, a ter mais opiniões negativas que positivas.
- Terceiro: vai haver uma forte bipolarização ao centro, entre PS e PSD.
- A sondagem da Universidade Católica (para o Público, RTP e Antena 1) tem um dado ainda mais curioso: a maioria dos portugueses gostaria de ter um governo de maioria absoluta de um só partido, o PS ou o PSD.
É um objectivo quase impossível de alcançar à esquerda e muito difícil à direita. Mas compreende-se a intenção: os portugueses querem estabilidade.
- Um governo maioritário de coligação é difícil. Logo, não há estabilidade. À esquerda porque a geringonça faliu. À direita porque o Chega é um obstáculo.
- Um governo minoritário é sempre uma solução instável. Até pode aguentar-se dois anos; até pode ter um ou dois OE aprovados. Mas não governa nem reforma. Limita-se a fazer combate político. E ter eleições de dois em dois anos é uma calamidade para Portugal.
- Ao contrário, uma maioria absoluta garante estabilidade; um governo de maioria não tem desculpas para não governar nem alibis para não reformar. É a solução "maldita" para os extremos e para a "bolha" política. Mas para os portugueses tem grandes virtualidades.
ELEIÇÕES NO PSD
- Primeiro apontamento: não é brilhante, numa altura destas, um partido passar um dia inteiro a discutir questões internas. Apesar disso, o Conselho Nacional do PSD não foi o espectáculo deprimente que foi o Conselho Nacional do CDS de há uma semana. Agora houve urbanidade, houve elevação, não houve insultos e não houve golpadas. Nesse plano, foi um bom exemplo de democracia interna.
- Segundo apontamento: mais uma pesada derrota para Rui Rio. Mais uma vitória clara para Paulo Rangel. É a segunda vez que sucede em poucas semanas. Nada disto significa que seja este o resultado das directas. Pode ser ou não ser. Mas é um mau sinal para Rui Rio e é um incentivo forte para Paulo Rangel.
- Terceiro apontamento: Rui Rio e Paulo Rangel têm agora que se virar para fora. Falar do país e para o país. Têm que apresentar propostas aos portugueses. Têm que fazer destas eleições internas umas primárias das legislativas.
O CASO JOÃO RENDEIRO
- A justiça está agora muito frenética no caso João Rendeiro, depois da fuga deste para o estrangeiro. É a aplicação do célebre ditado popular "Casa roubada, trancas à porta".
- Agora é o caso das obras de arte que tinham sido arrestadas pelo Tribunal e de que a mulher de Rendeiro era a fiel depositária. Algumas foram ilegalmente vendidas. À margem dos Tribunais. Tudo igual ao que sucedeu antes: inqualificável o comportamento da mulher de João Rendeiro; um desastre para a imagem da justiça.
- A mulher de Rendeiro era fiel depositária das obras de arte. Tinha de as proteger e não de as deixar vender. Não tem desculpa possível.
- A justiça fez o que é habitual. Mas o resultado final é de leviandade e imprudência. Então vai confiar-se a protecção das obras de arte à mulher do criminoso? Não podia designar-se um terceiro como fiel depositário? Só ao fim destes anos é que se foi ver o estado das obras de arte? Por que é que não se adoptaram medidas de controle periódico para ver se tudo estava a ser cumprido?
- Numa palavra: Rendeiro continua a comportar-se como um patife; a justiça continua a dar de si própria uma imagem desgraçada.
CIMEIRA DO CLIMA
- Um misto de desilusão e esperança.
- A desilusão vem sobretudo do lado da China e da Índia. Com a agravante de a China ser o maior poluidor do mundo. E a Índia o quarto maior.
- A China propõe-se atingir a neutralidade carbónica apenas em 2060. A Índia em 2070. E não explicam, um e ouro, como lá chegar.
- Entretanto, quando começou a crise energética, China e Índia voltaram a ligar as suas centrais a carvão. Dois maus exemplos.
- A esperança vem sobretudo dos EUA, da UE e dos acordos assinados:
- Dos EUA uma esperança mitigada: com Trump, os EUA estavam fora do acordo de Paris. Agora estão dentro. É certo que não assinaram o acordo para o abandono do carvão. Mas sente-se hoje outra vontade política que antes não existia quanto ao dossier climático.
- Da UE o maior sinal de esperança. A UE quer liderar pelo exemplo. Apesar de ser o terceiro maior emissor de carbono, é a região do mundo com maior ambição: o objectivo é atingir a neutralidade carbónica em 2050.
- Finalmente, os três acordos assinados – metano, carvão e desflorestação – são sinais na direcção certa. É certo que são bastante proclamatórios. Mas não deixam de ser sinais positivos.
- O maior sinal de esperança vem da juventude. Que se manifesta, que pressiona, que agita a opinião pública. Só é pena que esta pressão da juventude não exista em força na China e na Índia. É aí, mais do que no mundo ocidental, que a pressão da juventude faz uma falta enorme para forçar os governos a agir.