Opinião
Marques Mendes: A culpa não é do Reino Unido. A culpa é de Portugal e do Governo português
As habituais notas da semana de Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre o acordo na TAP, a nacionalização da Efacec, o Orçamento suplementar e a decisão do Reino Unido sobre os corredores aéreos, entre outros temas.
O ACORDO NA TAP
- Tal como previ na semana passada, prevaleceu o Plano A (um acordo) em detrimento do Plano B (a nacionalização). Face às circunstâncias, foi a solução menos má. Não havia soluções boas. Havia uma solução péssima (a falência da TAP – uma calamidade para a economia e o emprego); havia uma solução má (a nacionalização- com danos reputacionais, judiciais e perda de poupanças dos trabalhadores accionistas); e havia a solução menos má (um acordo). Mesmo assim, foi um acordo caro. Em 2015, Neeleman pagou 5 milhões para entrar e agora recebe 55 milhões para sair. Bem pode agradecer á reversão de 2016.
- Apesar de um acordo caro, há que dizer:
- Saiu-se bem o PM que sempre rejeitou a solução da nacionalização;
- Saiu-se bem o Ministro Pedro Nuno Santos que conseguiu os dois objectivos que pretendia – reforçar o papel do Estado e "correr" com o accionista David Neeleman;
- Saiu-se bem o Sr. Humberto Pedrosa – Ganhou estatuto, respeito e credibilidade junto do Governo. Teve a coragem de fazer o mais difícil – ficar. Bastava que tivesse também decidido sair e tudo tinha sido pior para o Estado. Recebia uns milhões e deixava o Governo em piores condições.
- Posto isto, há que dizer que o mais difícil está para vir.
- Primeiro: fazer uma reestruturação como deve ser. Cortar rotas; despedir pessoas; reduzir aviões. Vai haver coragem?
- Segundo: colocar a empresa a ser rentável. Se a TAP, com o boom turístico de 2028 e 2019, não conseguiu dar lucros, como é que vai conseguir ser rentável no futuro, em piores condições?
- Terceiro: em termos operacionais, a TAP, no exterior, estava integrada na rede da AZUL. Por exemplo: os terminais da TAP nos EUA eram os da AZUL. Como vai ser agora? Esta questão ficou acautelada no acordo?
- Finalmente: voltar a privatizar a TAP no futuro, escolhendo um parceiro credível do sector da aviação. Haverá visão e condições para o fazer?
- Com este acordo fecha-se um ciclo na vida da TAP. Um ciclo que se iniciou em 2015. Julgo que se impõe fazer na TAP uma auditoria financeira a todo este período - á privatização de 2015; à reversão de 2016; e à gestão destes últimos anos. A explicação é esta: os portugueses vão meter muito dinheiro na TAP. Têm ao menos o direito de saber tudo o que se tem passado com a companhia. Dois exemplos que importa explicar: como foi possível que a TAP desse prejuízos em 2018 e 2019 quando os seus orçamentos previam lucros? Como foi possível contratar um empréstimo obrigacionista com um juro de 7,5%? Não havia financiamento mais barato?
Tudo tem de ser muito bem explicado. Com um alerta: a TAP pode transformar-se ,no futuro, num enorme crematório político!
A NACIONALIZAÇÃO DA EFACEC
- Primeiro: a decisão faz todo o sentido. De resto, o Ministro da Economia explicou-a com meridiana clareza e quase ninguém a contestou. Não é uma nacionalização no sentido tradicional. É uma nacionalização meramente instrumental e muito temporária para salvaguardar três objectivos: ultrapassar o impasse accionista que existe; facilitar a venda da participação de Isabel dos Santos; e evitar a falência da empresa, que é uma empresa de referência, viável, bem gerida e com excelentes resultados nos últimos anos.
- Segundo: foi uma decisão tomada no tempo certo. Mais umas semanas e tudo podia ser deitado a perder.
- Terceiro: apesar de ser uma decisão já pensada há vários meses, foi feita com uma discrição notável. Só se soube no momento em que o Ministro da Economia a anunciou. E não era fácil guardar este segredo. Só que, no caso vertente, discrição é sinal de competência e responsabilidade.
- Finalmente, uma curiosidade: os principais bancos portugueses não tiveram pejo, há meia dúzia de anos, em financiar Isabel dos Santos para a compra da Efacec. Agora, recusam-se a financiar a empresa enquanto a sua accionista maioritária lá se mantivesse. É caso para dizer: se houvesse um Óscar para o Maior Cinismo e Hipocrisia, ele iria, por certo, para todos estes bancos.
A DECISÃO DO REINO UNIDO
- Aconteceu o que toda a gente temia – o RU colocou Portugal na "lista negra" em termos de aconselhamento dos seus cidadãos para deslocações turísticas.
- Primeiro: é uma decisão injusta – Como já sublinhei várias vezes, classificar um país de seguro ou inseguro em termos sanitários apenas em função do critério de "novos casos" é injusto. Há outros critérios, como a taxa de letalidade, que devem ser levados em atenção.
- Segundo: é uma má notícia para Portugal. Em especial para o Algarve. Em termos turísticos, o Algarve "é" sobretudo britânico. Vejamos:
- Em anos normais, no mês de Julho há 433 voos por semana entre o RU e o Algarve;
- Este ano, por causa da pandemia, o número de voos previstos era de 114 entre o RU e o Algarve. Uma redução enorme.
- Com esta decisão, temem-se cancelamentos e ainda uma maior redução do número de voos.
- Posto isto, deixemo-nos de lamentos e falinhas mansas: a culpa não é do RU. A culpa é de Portugal e do Governo português.
- Foi Portugal que se colocou a jeito. Que deu azo a esta decisão. Os nossos números, em termos de novos infetados, são exageradamente altos. Se tivéssemos números mais baixos, não seriamos discriminados.
- Foi o Governo português que falhou. Desde Maio que se percebia que havia um problema. O Governo não agiu. Relaxou, facilitou e adiou. Quando acordou para o problema era tarde de mais.
- E agora, em vez de passar o tempo a lamentar-se e a dizer mal do RU, o melhor é o Governo meter mãos à obra e resolver o problema.
O ORÇAMENTO SUPLEMENTAR
- A aprovação do orçamento suplementar não tem novidade. Novidades são algumas ilações que podem ser tiradas deste processo:
- Primeira: a acção do SE dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro. A sua discrição, pragmatismo e talento negocial foram vitais para que o orçamento fosse aprovado sem ser desfigurado.
- Segunda: o voto contra do PCP. É uma jogada táctica. O PCP tinha todas as razões para se abster. Até conseguiu algumas vitórias – no pagamento por conta, no subsídio de desemprego e na "guerra" dos lojistas com os Centros Comerciais. Ao decidir abster-se, o PCP quer dizer ao Governo uma de duas coisas: ou não contem connosco para futuros orçamentos; ou se querem o nosso voto têm de negociar a sério connosco.
- Terceira: as várias votações que, inesperadamente, o PSD fez com o Governo. Mais a proposta de acabar com os debates políticos quinzenais, algo que o PS apreciou. O Bloco Central funcionou. Uns dizem que é Rui Rio a querer consolidar para o futuro uma imagem de responsabilidade; outros dizem que o PSD continua sem fazer oposição. Só o tempo dirá qual das teses faz mais sentido. No entretanto, uma coisa é certa: a vida do Governo continua um passeio.
- Entretanto, como não dá ponto sem nó, o PM veio ontem, sábado, fazer uma declaração curiosa. Disse ele (cito de cor): "Apesar das boas sondagens do PS, nós não queremos abrir uma crise política".
Descodificando, isto deve ler-se da seguinte maneira: se houver uma crise política, a culpa não é do Governo, é dos partidos que a provoquem; mas se houver uma crise política nós até não nos importamos porque as sondagens nos são favoráveis. Aqui fica o aviso para o PCP, BE e PSD.
AS DECLARAÇÕES DE FERNANDO MEDINA
- O Presidente da Câmara de Lisboa foi muito criticado por ter feito críticas públicas às autoridades de saúde. Houve sobretudo duas críticas: a crítica de que estas declarações foram feitas apenas para se demarcar e não ser politicamente atingido com o que se passa em Lisboa; e a crítica de que devia ter falado em privado e não em público.
Acho que estas críticas não fazem sentido: primeiro, é natural que um político tenha a sua agenda e faça os seus cálculos políticos. Afinal todos o fazem; segundo, um político tem o direito e o dever de fazer críticas públicas, sobretudo quando as críticas privadas não dão resultado.
- O essencial desta questão é esta: Medina inventou factos? Disse algo de errado? Não. Disse coisas certas, disse coisas que era importante dizer e teve a coragem de o fazer.
- Primeiro: disse que LVT há más chefias na saúde e falta de meios. Mas disse alguma mentira? Alguém contestou os factos? Claro que não. Afinal, toda a gente sabe que é verdade.
- Segundo: era importante dizer estas verdades. Era preciso colocar pressão no Governo e nas autoridades de saúde. As coisas em LVT não vão bem; o Governo está a facilitar; se não se muda agora o que houver a mudar, corre-se o risco de a situação piorar no futuro.
- Finalmente, teve a coragem de dizer em voz alta o que tantos e tantos dizem em voz baixa. Se há algum reparo a fazer, é este: é pena que estas declarações não tenham sido feitas mais cedo. E pior ainda será se o Governo não aproveitar a oportunidade para mudar.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Como as imagens e os números valem mais que mil palavras, vale a pena olhar, com alguma preocupação, para estes dados:
- Novos casos por dia em Portugal nas últimas 5 semanas – A média é de 329 novos casos por dia. É uma média muito elevada e muito superior à generalidade dos países europeus. Ou baixamos este valor ou vamos ter cada vez mais problemas.
- Novos casos por regiões do país na última semana – Mantém-se a tendência das últimas semanas: LVT é o problema, com cerca de 80% dos novos casos registados em todo o país. Não se vê ainda forma de ultrapassar o problema da Grande Lisboa.
- Finalmente, o quadro que degrada a imagem internacional de Portugal – Novos casos na UE por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias.
- A média da UE é de 16 casos nos últimos 14 dias.
- A média em Portugal é de 46 casos no mesmo período de tempo.
- Somos o terceiro pior país da UE – a seguir à Suécia e ao Luxemburgo.
- Foi com base nestes dados que o RU tomou a decisão que tomou.
- O Parlamento aprovou esta semana, por proposta do PSD, um prémio para os profissionais de saúde que combateram o COVID 19. Lendo a norma aprovada fica-se com a convicção que há uns profissionais beneficiados e outros que o não serão. Por exemplo, os profissionais do Instituto Ricardo Jorge, que trabalharam com inexcedível dedicação. Será justo? Não seria de corrigir?