Opinião
"Este Orçamento do Estado é prudente no domínio financeiro, mas não tem ambição económica"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a crise na saúde, os desafios do Orçamento do Estado que será apresentado na terça-feira, a entrevista a António Costa na semana passada e a situação no Médio Oriente, entre outros temas.
A CRISE NA SAÚDE
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Esta é uma crise grave, mas era uma crise previsível. Primeiro, os médicos estão cansados, fartos, desmotivados e mal pagos. Segundo, Manuel Pizarro, quando assumiu funções, gerou grandes expectativas na classe médica. Até porque, ele próprio, é médico e conhece bem o sector. Só que, passado um ano, não concretizou nada. Chegar a uma situação de crise era uma questão de tempo.
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Nada disto sucede por o Ministro ser incompetente ou não ter peso político. Pizarro é tecnicamente competente e tem mais peso político que os seus antecessores. O problema é outro: o grande objetivo de Manuel Pizarro não é ser Ministro da Saúde. É ser candidato à CM do Porto. A cabeça dele não está na saúde. Está no Porto. Por isso vai adiando e desvalorizando tudo. A verdade é que se não fosse a intervenção decisiva do Bastonário da OM, às tantas o Ministro continuava a desvalorizar esta situação, como fez dias a fio.
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Aqui chegados, o importante agora é resolver esta crise, que está a criar preocupações e ansiedades muito sérias na população:
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Primeiro, esta crise só se resolve com um acordo entre Governo e médicos. Para tal, o Governo tem de abrir "os cordões á bolsa". Os médicos têm de ter a sua situação salarial substancialmente melhorada. Boa noticia é que nos últimos dias foi reforçado o orçamento do MS.
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Segundo, as mudanças no SNS não se fazem sem os médicos e muito menos contra os médicos. É preciso ter a coragem de criar condições de atratividade para os médicos se sentirem motivados no SNS e para outros regressarem ao SNS.
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Terceiro, quanto mais tempo demorar a fazer um acordo, pior. Para o governo e para os médicos. Basta haver uma tragédia num hospital, basta uma fatalidade, e o País vai culpar uns e outros por igual: governo e médicos. Convém perceber isto antes que seja tarde.
OS DESAFIOS DO ORÇAMENTO
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Comecemos por quatro números essenciais: primeiro, a divida pública, que em 2024 ficará abaixo dos 100% do PIB, o que não sucede desde 2009; segundo, o curto crescimento de 1,5% do PIB; terceiro, a inflação, que o governo prevê ficar na ordem dos 3% em 2024, depois de estimar fechar este ano com 4,6%; quarto, a maior novidade: a redução do IRS, cujo valor global de redução irá bastante além dos 500ME previstos no PE. O governo vai antecipar para 2024 uma boa parte da redução que estava prevista só para 2026 e 2027.
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Com tudo o que é sabido, eu diria: este OE é prudente no domínio financeiro; positivo, mas insuficiente, no plano salarial; mas não tem ambição económica.
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Primeiro, é prudente no domínio financeiro. E bem. Esta é a área mais bem-sucedida da governação. E o desafio de em 2024 passarmos a ter uma dívida pública abaixo dos 100% do PIB é uma meta positiva. Já não acontece desde 2009. É bom para Portugal.
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Segundo, o acordo social assinado é, no domínio salarial, positivo, mas insuficiente. Precisávamos de ir mais longe, como propôs a CIP, com um bónus salarial equivalente a um 15.º mês. Porque desde 2020 o peso dos salários no PIB está a diminuir; e porque sem um "empurrão" maior não estancamos a emigração de jovens. Mas falta ainda ver o alivio fiscal.
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Terceiro, este OE é, uma vez mais, um OE sem ambição económica. Vamos crescer 1,5% em 2024. Um crescimento medíocre. Claro que a conjuntura externa não é boa. Mesmo assim, há países na UE a crescer mais do que nós. Continuamos sem políticas ambiciosas que promovam o crescimento. É tudo "poucochinho". É o ADN do governo.
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Um apontamento final: o governo decidiu que o apoio anual na bonificação de juros não pode ultrapassar os 800€. Nos Açores, o limite é três vezes maior: 2400€. Sendo o mesmo País, não seria de corrigir e uniformizar no OE?
A ROMÉNIA ULTRAPASSA PORTUGAL NO PIB?
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Um estudo da Faculdade de Economia do Porto lançou esta semana uma questão relevante: a Roménia já terá em 2022 ultrapassado Portugal no PIB per capita. A Roménia que ainda há 20 anos era um dos Países mais pobres da Europa! O problema não está no forte crescimento da Roménia. O problema está no crescimento medíocre de Portugal.
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Nada disto é muito surpreendente. Já havia várias previsões nesse sentido. Verdadeiramente surpreendente, isso sim, são duas realidades:
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Primeira, em 2002, o PIB per capita da Roménia era o correspondente a 29,6 % da média da UE. Na mesma data, o PIB de Portugal era de 84%. face á média da UE. Quase três vezes mais. Passados 20 anos, em 2022, ambos os países estão "empatados" (ambos com um PIB que é o equivalente a 77,1% da média da UE). A recuperação da Roménia é absolutamente espantosa. A nossa perda também.
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A segunda realidade surpreendente é perceber como esta aproximação ocorreu. As grandes diferenças estão todas no domínio fiscal. A Roménia tem um IRC de 16% (em Portugal, o IRC mais derrama situam-se nos 31,5%). A taxa máxima do IRS em Portugal é de 53% (taxa e sobretaxa), enquanto na Roménia é de 10% (taxa única). E a própria taxa máxima do IVA é 4pp mais baixa que a portuguesa.
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Em vésperas do OE, todos estes dados convidam à reflexão. Claro que não temos de copiar a Roménia. E nem tudo é bom na Roménia. Mas devíamos refletir a sério no nosso modelo de crescimento. É muito chocante ver como é que, em apenas vinte anos, um dos países mais pobres da Europa ultrapassa Portugal no seu nível de vida.
A ENTREVISTA DE ANTÓNIO COSTA
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Na entrevista de António Costa à TVI, há que distinguir entre a forma e o conteúdo. Na forma, o PM esteve bem. Sereno, sóbrio e sem sinais de arrogância. Vê-se que seguiu os conselhos de Carlos César. O presidente do PS tinha recomendado ao Governo humildade e espírito de abertura.
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No conteúdo, é a entrevista de um PM descolado da realidade. O PM fala sobre todos os assuntos como se tivesse chegado ao Governo agora. Esquecendo-se que já está no poder há quase oito anos. Ora, oito anos é o equivalente a dois mandatos. O dobro, por exemplo, do tempo de governação de Passos Coelho. Com oito anos de governo, já não é sério que o PM diga que precisa de tempo. Já não é credível que António Costa não apresente obra. E, sobretudo, não é sério e credível que passe o tempo a encontrar bodes expiatórios.
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Amanhã, é o dia da entrevista de Luís Montenegro. Comentá-la só mais tarde. Mas há um problema que talvez se possa já antecipar: é um problema de comunicação que o PSD tem e que o está a prejudicar nas sondagens.
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O PSD comunica mal. Fala muito para a bolha político-mediática. Em linguagem do trique-trique parlamentar. E fala pouco para o povo, dos temas que interessam ao povo, com linguagem que o povo entenda.
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Acresce que o PSD tira pouco partido das propostas que apresenta. Qualquer proposta que se faz tem de ser explicada e reafirmada várias vezes. Doutra forma, a mensagem não passa. A verdade, porém, é que, tirando a questão da redução fiscal, ninguém se lembra de qualquer proposta do PSD na habitação ou da saúde. O PSD tem de melhorar muito no plano da comunicação.
ATAQUE A ISRAEL
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O que ontem sucedeu, a todos os títulos condenável, foi algo nunca visto: um mega atentado contra Israel, a que já chamam o 11 de Setembro Israelita. Um ataque com três características relevantes:
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É o maior e mais mortífero ataque em várias décadas a Israel;
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Representa uma brutal falha da segurança, do exército e dos serviços secretos israelitas;
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Traduz-se numa operação militar altamente sofisticada do Hamas, aparentemente apoiada na sua preparação pelo Irão.
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Mais importante agora é perceber as consequências futuras. Várias e más.
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Uma retaliação brutal de Israel, que se sente não só atacado como humilhado. Se até agora não tínhamos paz no Médio Oriente, a partir de agora teremos uma nova guerra, com consequências imprevisíveis.
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Um trauma histórico para os Israelitas que, pela primeira vez, em várias décadas, se sentem vulneráveis. A ideia de país invencível caiu.
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Um novo problema para Biden, a um ano de eleições. A sua relação com o PM israelita não é boa e os Republicanos vão procurar rentabilizar esta "fragilidade", acusando-o de não apoiar Israel como deve ser.
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Uma dispersão de atenções em relação à Ucrânia, sobretudo nos EUA onde o lóbi judaico é muito forte. Isto beneficia a Rússia e prejudica a Ucrânia.
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Um endurecimento das posições dos EUA/UE em relação ao Irão. O Irão estava preocupado com o facto de vários Estados Árabes estarem a estabelecer relações com Israel. Para o evitar, nada melhor que fomentar um novo conflito Israel/Palestina, para agregar árabes e islâmicos.
MUNDIAL DE FUTEBOL EM 2030
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Legitimamente, muitos de nós continuamos traumatizados pelos loucos investimentos feitos para o Euro 2004. Por isso, olhamos para a co-organização do Mundial de 2030 com preocupação. Será que esta é uma boa decisão ou pode traduzir-se numa nova aventura?
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Apesar das dúvidas, os dados factuais existentes dizem-nos que, desta vez, Portugal tem claras vantagens em co-organizar o Mundial 2030.
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Primeiro, está é a única forma de podermos organizar uma prova com esta dimensão, prestígio e importância. Ainda por cima, o Mundial do Centenário.
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Segundo, vamos organizar cerca de 20 jogos, sem ter de fazer qualquer novo investimento em estádios. Tudo, porque os estádios da Luz, Alvalade e Dragão cumprem os requisitos necessários.
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Terceiro, vários outros estádios e centros de estágio dispersos pelo país vão ser rentabilizados enquanto estruturas de apoio ao acolhimento e treino das várias seleções participantes.
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Quarto, desportivamente, Portugal está desde já apurado e disputará todos os jogos em território nacional, com a exceção da Final, se lá chegar.
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Quinto, além de cerca de 20 jogos em Portugal, temos aqui também uma das meias-finais. A outra será em Marrocos. A Final, em Madrid.
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Em conclusão: sem novos investimentos de fundo, Portugal ganha prestígio, visibilidade e reforço turístico.