Opinião
"É preciso substituir a PGR por uma pessoa com autoridade e capacidade de liderança"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes analisa os debates eleitorais, as sondagens, as investigações na Madeira, a atuação da procuradora-geral da República, entre outros temas.
O DEBATE PEDRO NUNO/MONTENEGRO
- Teremos amanhã o debate mais esperado. Diz-se sempre, nestes momentos, que será um debate decisivo. Não me parece: será um debate importante, mas não decisivo. Ainda estamos muito longe das eleições. Decisiva mesmo será a campanha eleitoral.
- Tenho até para mim que acabará por ser um debate equilibrado.
- Primeiro, porque as propostas programáticas de um e de outro são sobejamente conhecidas e amplamente discutidas. Ninguém vai tirar um novo "coelho da cartola".
- Segundo, porque Pedro Nuno e Montenegro têm objetivos diferentes. PNS, de acordo com a sua nova estratégia, quer conquistar eleitores à esquerda. LM quer conquistar votos no centro e na direita. Os seus objetivos não são conflituantes. Cada um cumprirá a sua missão.
- Terceiro, porque cada um fará, direta ou indiretamente, o apelo ao voto útil. Só que PNS apelará ao voto útil à esquerda, enquanto LM fará o apelo ao voto útil à direita. Logo, os seus apelos não conflituam um com o outro. Cada um cumprirá o seu papel.
- O que pode fazer a diferença na cabeça dos eleitores é a postura de cada um no debate. Como esta eleição é, em grande medida, a escolha de um PM, a postura conta tanto ou mais que o discurso: a postura de credibilidade, de eficácia, de ponderação, de sentido de responsabilidade. No fundo, o saber-se quem é o mais confiável para a função de PM. Esta imagem conta.
SONDAGENS E DEBATES
- A grande novidade da semana é que houve uma inversão de tendência nas sondagens, passando a AD a liderar, superando ligeiramente o PS. A meu ver há duas razões principais que justificam esta inversão:
- Primeiro, o efeito Açores. A vitória da AD nos Açores e a recusa de uma coligação com o Chega mudaram a dinâmica da campanha e reforçaram a credibilidade de Luís Montenegro. Afinal, a AD ganhou as eleições, cumpriu a palavra e libertou-se do Chega, nos Açores e no país.
- Depois, o efeito dos primeiros debates. É manifesto que Luís Montenegro tem estado acima das expectativas nos debates realizados. Melhor do que as pessoas imaginavam. Ora, em política, as expectativas contam. Mas, atenção: para já é apenas uma tendência.
- Quanto aos debates propriamente ditos, parece-me que, do ponto de vista da novidade política, há três debates marcantes:
- Primeiro, o debate de Pedro Nuno com Rui Tavares. É o debate em que o líder do PS afirma uma mudança de estratégia, virando à esquerda e apelando ao voto útil da esquerda. Não é todos os dias que se muda de estratégia política.
- Segundo, o debate entre Luís Montenegro e André Ventura. É o debate em que o líder do PSD explicita cara a cara com Ventura as razões da recusa de uma aliança com o Chega. E é também o debate em que André Ventura tem o seu maior erro: defender a greve na PSP e na GNR, o que põe os próprios eleitores do Chega perplexos.
- Terceiro, o debate entre Pedro Nuno Santos e André Ventura. Não só porque foi o debate mais visto de todos. Mas porque foi provavelmente aquele em que o líder do Chega foi mais eficaz na mensagem para os seus eleitores.
- Finalmente, é de saudar que a justiça e a política externa tenham entrado nos debates. Não se avançou muito, mas ao menos tentou-se.
CORRUPÇÃO NA MADEIRA?
- A decisão sobre as medidas de coação deixou o país estupefacto. E compreende-se. As expectativas mediáticas apontavam noutro sentido. Todavia, se analisarmos a situação com ponderação, há outros dados a ter em atenção:
- Primeiro, é a justiça a funcionar. Pode funcionar bem ou mal, mas funciona. O MP propõe medidas de coação e o juiz decide. E o juiz pode concordar ou discordar do MP. Um juiz é um juiz. Não é um notário.
- Segundo, o Juiz Carlos Alexandre já não é Juiz de Instrução. Isto faz toda a diferença. Carlos Alexandre, em regra, seguia as teses do MP. Este padrão acabou. O MP tem de habituar-se aos novos tempos.
- Terceiro, pode haver mesmo um erro enorme. Um erro do MP ou um erro do Juiz de Instrução. O MP dizia haver indícios fortíssimos da prática de corrupção. O Juiz de Instrução diz que nem sequer há indícios. São posições antagónicas. Mas como vai haver recurso, devemos aguardar a decisão do Tribunal da Relação, para só depois tirar conclusões. É o que faz qualquer pessoa responsável.
- Entretanto, há uma situação delicada a resolver: o tempo de detenção dos arguidos. Como já toda a gente observou, da direita á esquerda, esta situação é inaceitável. Há que mudar a lei para evitar mais abusos.
- Esta mudança deve ser feita com urgência, a seguir às eleições, independentemente de um eventual pacto para a justiça. É que um pacto para a justiça leva tempo a negociar e esta situação pode voltar a repetir-se, afetando gravemente os direitos dos cidadãos.
- É preciso um compromisso dos partidos. Seria positivo que no debate de amanhã ambos os líderes, Montenegro e Pedro Nuno, fossem confrontados com esta responsabilidade e falassem com clareza. Esta é uma questão que cabe aos políticos resolver e que eles não devem ter medo de resolver.
A PGR DEVE SER DEMITIDA?
- As críticas ao MP são mais do que muitas. Já chegou até a pedir-se a demissão da Procuradora-Geral da República. De facto, há muito tempo que as coisas não vão bem no MP. Nos últimos tempos, vão mesmo de mal a pior. Mas é preciso, uma vez mais, agir com ponderação.
- A minha opinião é clara:
- É preciso substituir a PGR, sim. Substituí-la por uma pessoa com autoridade e capacidade de liderança. O que a atual PGR manifestamente não tem, como sempre tenho dito. Por mim, Lucília Gago nunca teria sequer sido nomeada. Mas já que o foi, deve ser substituída só no final do mandato, em setembro. Os mandatos são para cumprir.
- Substituí-la agora seria, na prática, impossível. Porque o governo está em gestão. E só o governo pode propor ao PR a sua demissão ou propor ao Chefe do Estado um nome para a substituir, caso a própria se demitisse. Ora, um governo em gestão não tem esse poder.
- Acresce que substituí-la agora, no contexto de um processo judicial em concreto, quando haverá ainda um recurso para decidir e com base na pressão política do momento, seria dar uma imagem de intromissão política na justiça. Seria dar a ideia de os políticos quererem controlar as investigações. Isso ajudaria muito as forças populistas. Mas não ajudaria a democracia e o Estado de direito.
- No entretanto, o MP bem podia fazer uma reflexão interna absolutamente indispensável: será que há mesmo solidez nas investigações? O que está a incomodar as pessoas não é o facto de o MP investigar. É o facto de muitas vezes investigar sem a devida solidez. Ninguém quer que o MP deixe de investigar. O que se quer é que investigue melhor. Com menos aparato e mais resultados.
ABANDONO ESCOLAR E ENVELHECIMENTO
- Uma das polémicas da semana foi o abandono escolar. Depois de vários anos com bons resultados, a situação de Portugal piorou em 2023. Vejamos:
- Na última década, o abandono escolar teve uma redução histórica: de 28% em 2010 para 8% em 2023. Somos, de resto, um dos países mais bem cotados na UE: o oitavo país com menos abandono escolar.
- O problema novo é que a tendência de redução se inverteu em 2023. Houve uma subida de 1,5pp no ano passado. A taxa de abandono escolar subiu 6,5% para 8%, o que muitos atribuem ao clima de degradação que se instalou nas escolas nos últimos anos.
- A suscitar atenção estão dois outros factos: primeiro, o abandono escolar é muito maior no Algarve (16%) e nos Açores (21,7%); segundo, o abandono escolar é maior no sexo masculino (9,8%) que no sexo feminino (6,1%). Um alerta às autoridades.
- Importa avaliar as causas desta situação, antes que estas tendências negativas se consolidem.
- Mais preocupante e mais sensível ainda é o envelhecimento da população.
- Em 2023, Portugal tornou-se o país mais envelhecido da UE. Passámos a Itália. Um quarto da nossa população tem 65 anos ou mais.
- Somos na UE, o terceiro país com menos crianças. Estamos em antepenúltimo lugar. Pior do que nós só Malta e Itália.
- O despovoamento do interior é seguramente uma das causas desta situação. Por isso, importa saudar o movimento pelo interior que, esta semana, voltou a desafiar os partidos com propostas ousadas e inovadoras. Uma saudação aos seus promotores. Uma chamada de atenção aos políticos em campanha.
TRUMP, PUTIN E A EUROPA
- As eleições de 10 de março são importantes. Mas decisivas mesmo para o mundo são as eleições presidenciais de novembro nos EUA. Se Trump voltar, a nossa vida vai andar para trás. E esta semana tivemos um sinal deste retrocesso, com as inadmissíveis declarações de Trump sobre a NATO.
- A vitória de Trump será um perigo para a Ucrânia. Com Trump, o apoio dos EUA à Ucrânia ou desaparece ou reduz-se ao mínimo dos mínimos.
- A vitória de Trump será um bónus para Putin. Se, já hoje, o Presidente russo persegue, prende e mata os seus adversários políticos, com Trump no poder, Putin sentir-se-á mais forte e mais livre para infernizar a vida dos Europeus.
- A vitória de Trump será uma ameaça para a Europa e para a NATO. Trump não gosta nem da UE nem da NATO. O que, para nós, portugueses, é mais uma dor de cabeça: a UE é o nosso farol de prosperidade; a NATO é a aliança que garante a nossa segurança.
- Os Europeus não podem fazer muito para evitar a eleição de Trump. Mas podem ter mais autoridade política para "bater o pé" se cumprirem as suas obrigações financeiras para com a NATO. Quem não paga aquilo a que se comprometeu perde autoridade para reclamar. E a situação não é brilhante:
- Atualmente, só 11 países da NATO gastam em defesa mais do que 2% do PIB, o valor acordado em 2014, na Cimeira de Gales. E, mesmo que este ano mais sete países atinjam aquela meta, estamos só a falar de 18 países cumpridores num total de 31.
- Por curiosidade, Portugal é um dos incumpridores (1,5% do PIB em defesa) e só em 2030 se propõe atingir o objetivo dos 2% do PIB.
- Com este quadro de referências, não nos surpreendamos se Trump abusar nas suas ameaças e raspanetes á Europa.