Opinião
Os dois primeiros governos do PS não fizeram reformas. Estas vão finalmente surgir?
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o estado da guerra e o novo Governo, entre outros temas.
BALANÇO DE UM MÊS DE GUERRA
- Ao fim de quase um mês de guerra, o que está a suceder é uma completa surpresa: até agora, Putin perdeu claramente no plano político e não ganhou nada no plano militar. Até pode vir a ganhar a guerra. A sua supremacia militar é indiscutível. Para já o que contam são os seus erros.
- Erros no plano militar: esperava uma guerra rápida e não tem tido; teve falhas de avaliação por parte dos serviços de espionagem; confrontou-se com problemas logísticos e abastecimento das colunas militares; teve demasiadas baixas; desvalorizou a resistência ucraniana; não tomou qualquer grande cidade, incluindo Kiev. A guerra não corre bem a Putin.
- Erros no plano político: uniu a UE e os EUA (ao contrário do que pretendia); ressuscitou a NATO (ao contrário do que desejava); sujeitou-se a sanções duríssimas; cavou a seu isolamento internacional; viu o seu homologo ucraniano Zelensky ganhar-lhe a guerra da comunicação; e começam a surgir os primeiros sinais de contestação na Rússia.
- Esta situação surpreendente, comporta, todavia, riscos para o futuro:
- O risco do desespero: Putin, em desespero, pode ser tentado a usar armas químicas e biológicas e a fazer uma destruição maior, como fez na Chechénia e na Síria. De uma guerra passaremos a uma calamidade.
- O risco da intervenção da NATO: acho que Putin não quer atacar nenhum país da NATO. Mas pode haver uma falha, um erro de cálculo, um "disparo" que vai afetar um país da Aliança. Aí a NATO tem de intervir. De uma guerra regional passaremos a uma guerra mais alargada. Outra calamidade.
- O risco em que está a China. Os Chineses estão numa situação incómoda. Por um lado, são solicitados pelos russos para os ajudarem. Por outro lado, são pressionados pelos EUA para não apoiarem Putin. No meio, a economia está em baixa, a suspeita de sanções não ajuda e têm de passar o tempo a fazer a quadratura do círculo.
EFEITOS DAS SANÇÕES À RÚSSIA
- As duríssimas sanções que o Ocidente aplicou à Rússia estão a ter efeitos brutais na economia russa. Em particular:
- O rublo desvalorizou 30% face ao dólar.
- As reservas sediadas em bancos ocidentais estão congeladas (50% do total das reservas).
- A taxa de juro da dívida a 10 anos mais que duplicou depois da guerra (19,5%).
- 400 aviões da Aeroflot estão parados e com dívidas de 10 biliões de dólares.
- 400 multinacionais saíram da Rússia (Zara fechou 502 lojas),
- A Rússia pode ter uma recessão entre 7% (Moody´s) e 10% (OCDE), maior que na pandemia.
- Posto isto, é bom que do lado do Ocidente não haja grandes ilusões:
- As sanções são importantes, mas o Presidente Putin não vai cair pelas sanções. Se a Rússia fosse uma democracia, Putin cairia. O povo revoltava-se e ele não tinha alternativa que não fosse deixar o poder.
- Só que a Rússia não é uma democracia. Assim sendo, Putin só cairá quando a reduzida e influente elite política, militar e oligárquica que o rodeia, achar que ele pisou o risco e que se deve retirar. E, quanto a isso, não há ainda notícias de "revolta" dentro do seu aparelho.
- Mas as sanções ajudam a forçar um acordo. Debilitam a economia.
ZELENSKY: O HERÓI DA GUERRA
- Esta é a guerra mais mediática de sempre. Nesta guerra mediática, Zelensky é a estrela, o herói, o líder. Um verdadeiro caso de estudo.
- Todos dizem que é um mestre na comunicação. E é verdade. As suas palavras e a carga emotiva que coloca em todos os seus discursos são verdadeiros misseis teleguiados contra Putin. Piores para o Kremlin que a morte de vários generais russos na Ucrânia. Apesar da desinformação que reina na Rússia, os discursos de Zelensky desgastam o adversário.
- A questão é que Zelensky não é apenas um grande comunicador. Ele tem-se mostrado um grande político.
- A ideia de ir falar aos Parlamentos de vários países é uma ideia brilhante. Mas não é de um comunicador. É ideia de um político.
- O discurso duríssimo que fez esta semana no Bundestag, criticando a Alemanha pela submissão energética á Rússia, não é só uma eximia peça de comunicação. É um exemplo de coragem política.
- Zelensky está de certa forma a imitar Churchill. O que é muito curioso:
- Ou Zelensky, antes de ser Presidente, na sua qualidade de humorista, já tinha intuição política e o mundo não se apercebeu;
- Ou então, chegado a Presidente, aprendeu muito depressa e está bem assessorado. Em qualquer caso, uma coisa é certa: Zelensky bem vai precisar da sua popularidade e do seu carisma na relação com a UE.
- Quando baixarem as emoções ver-se-á melhor esta realidade: a entrada da Ucrânia na UE vai ser muito difícil; metade dos líderes da União opõe-se. Pessoalmente, acho isto uma falta de visão da UE. Mas o mais provável é mesmo um acordo de associação reforçado em vez de uma adesão plena. Isto vai ser um caso sério. Adivinha-se uma divisão da UE ao meio.
AS NEGOCIAÇÕES DE PAZ
- Todo o Ocidente está expectante quanto às negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. Faz sentido. Toda a gente aspira pelo fim da guerra. Em qualquer caso, convém não exagerar nas expectativas.
- Primeiro, os sinais são contraditórios. Ao mesmo tempo que se fala de um esboço de acordo, os combates russos continuam e os países ocidentais reforçam o envio de armas para a Ucrânia.
- Segundo, Putin é um dissimulado. Se ele falasse verdade, a guerra tinha terminado esta semana. Zelensky assumiu que a Ucrânia não vai entrar na NATO. Se, para a Rússia, a questão da NATO fosse a verdadeira razão da guerra esta declaração do Presidente ucraniano seria suficiente para pôr fim ao conflito. E, todavia, nada disso sucedeu.
- Terceiro, Putin é exímio na publicidade enganosa. A ideia de que está muito empenhado num acordo é também uma forma de tentar inibir os países ocidentais de enviarem mais material de guerra para os Ucranianos. Como quem diz: se um acordo está iminente, não é preciso reforçar militarmente os Ucranianos. É dividir para reinar!
- Ninguém tenha dúvidas: um acordo só vai existir quando dois princípios forem observados: primeiro, quando houver cedências que permitam salvar a face de ambas as partes; Segundo, quando o impacto da guerra for suficientemente forte para ambas as partes perceberem que perdem mais do que ganham com a sua continuação. Infelizmente, ainda estamos um pouco longe disso. Mas há um sinal forte de esperança: as negociações existem e o diálogo está aberto.
O NOVO GOVERNO
- Apesar da guerra, a vida continua. Finalmente, vamos ter Governo. Será apresentado na próxima quarta-feira. Este Governo pode ter duas vantagens, corre um risco sério e sobre ele perpassa uma dúvida existencial.
A primeira vantagem é o seu tamanho. Será um governo mais curto que o anterior. Isso é positivo. Um Governo mais pequeno pode ser mais eficaz e mais eficiente. A segunda vantagem é que será um governo mais ao centro, já sem depender do PCP e BE.
- O risco é este: Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva. Aparentemente, todos vão ser Ministros e todos são potenciais candidatos à sucessão de António Costa. Isto até pode dar certo, mas tem tudo para dar errado. Alguns dizem: todos dentro do Governo é bom para o PM os vigiar de perto. Eu penso o contrário. Pode ser um erro enorme.
- Primeiro, esta situação pode fomentar uma guerra de guerrilha. Cá fora serão só sorrisos. Dentro do Governo estarão a vigiar-se uns aos outros. A fazerem marcação uns aos outros. Depois, esta situação não vai ajudar nada á solidez do Governo. Só servirá para gerar grupos e grupinhos numa competição nada saudável ao interesse da governação. Afinal, o sucesso de um é uma dificuldade para as pretensões dos outros.
- A dúvida é se vai ser um Governo reformista. Os dois primeiros governos do PS não fizeram reformas. Alegadamente pelo travão da geringonça. As reformas vão finalmente surgir? É preciso esperar para ver.
- Primeiro, é preciso ver se os novos Ministros têm perfil reformador. Depois, é preciso dar atenção ao discurso de posse do PM. É ele que define o rumo. Finalmente, é essencial o discurso do PR. Se Marcelo não for um acelerador de reformas, exigindo-as e estimulando-as, provavelmente um governo reformista será uma miragem.
COMBATER A CRISE ECONÓMICA
- O Governo vai rever em baixa a previsão de crescimento para este ano (-O,8). Será suficiente? Os sinais de crise económica global estão à vista:
- Economia chinesa está a arrefecer (efeito da guerra e Covid 19).
- EUA vão ter 7 subidas da taxa de juro (2022).
- Zona Euro será a região mais afetada pela guerra (1,4 pp, OCDE).
- Risco de a Alemanha entrar em recessão ou estagnação (ZEW).
- Inflação em valores muito elevados, quer nos EUA, quer na Zona EURO.
- Risco de guerra prolongada agrava situação.
- Neste quadro, o CE da próxima semana é importante. O que é e não é provável?
- Uma nova bazuca, ainda que com outro nome, virada sobretudo para as questões da defesa, da cibersegurança, das interligações energéticas e para apoio aos refugiados, está em estudo. Mas não é provável que seja aprovado já neste Conselho Europeu.
- O que é provável? A aprovação de um teto máximo de referência para o preço do gás, que está em valores muito elevados. Vai gerar um défice tarifário, mas é essencial para baixar o preço da eletricidade.
- Também é provável que esta semana Bruxelas dê autorização para a descida temporária do IVA da energia para 13% De resto, a Polónia já se antecipou e avançou com a medida.
- Internamente, há questões resolvidas e desafios em aberto:
- Primeiro, as questões resolvidas. O PRR não será alterado, reorientado ou reformulado. É assunto fechado.
- Segundo, desafios em aberto. É preciso apoiar as empresas e as famílias mais afetadas pela subida de preços. Os apoios têm de vir do OE. Este vai ser, a seguir a Bruxelas, o primeiro desafio do próximo governo.