Opinião
Com "Governo cansado e alternativa inexistente, o país [está] em situação pantanosa"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes voltou a falar do Governo que considera estar em fim de ciclo e da oposição que continua sem se afirmar como alternativa de poder, entre outros temas abordados.
OTELO SARAIVA DE CARVALHO
- Foi sempre uma personalidade complexa e controversa. Uns, mais à esquerda, tendem naturalmente a valorizar quase em exclusivo a participação de Otelo Saraiva de Carvalho no 25 de Abril. Outros, mais à direita, tendem a acusá-lo de ser um "criminoso", por ter participado nas FP25 de Abril, um grupo terrorista que matou muita gente indefesa nos anos 80 do século passado.
- Eu tendo a dizer: é verdade que a ligação de Otelo às FP 25 de Abril é altamente censurável. É um período muito negro da sua história e da nossa história. Um pesadelo. Sobretudo para as famílias que foram vitimas de atentados e mortes. Mas, em consciência, ninguém pode esquecer, negar ou desvalorizar o papel notável de Otelo Saraiva de Carvalho no 25 de Abril. Foi uma Revolução que mudou radicalmente a face do país. No plano político, económico e social. Na conquista da liberdade e da democracia. E ele foi o grande "cérebro" da Revolução de Abril. São os próprios camaradas de armas que reconhecem que ele foi o líder corajoso e determinado. Isto é história. E a história deve ser respeitada. Otelo merece essa homenagem.
O ESTADO DA NAÇÃO
- O debate sobre o estado da Nação foi uma decepção. Passou ao lado do essencial. E o essencial é que a Nação está numa encruzilhada. E não é só pela fadiga pandémica. Há três razões mais profundas. Politicamente, vivemos numa situação pantanosa; economicamente, o país está sem ambição; socialmente, a situação está muito degradada.
- Politicamente falando, vivemos numa situação pantanosa. As coisas não vão bem, quer do lado do Governo, quer da oposição. O Governo está manifestamente em fim de ciclo: cansado, esgotado, com a geringonça partida a meio e já sem o apoio que antes tinha do PR. É um Governo sem energia. A oposição, essa, não existe. É um vazio. Às vezes é mesmo um "tesourinho deprimente", como se viu neste debate. Um país assim, com Governo cansado e alternativa inexistente, é um país em situação pantanosa. A prazo, isto pode conduzir mesmo à ingovernabilidade política, à esquerda e à direita.
- Do ponto de vista económico, o país está sem ambição. O PRR é a imagem disso mesmo – falta-lhe ambição, estratégia correta e ímpeto reformista. Nos próximos anos, vamos crescer, é verdade, mas vamos crescer menos que os países de leste; estamos a caminho da cauda da Zona Euro, ficando apenas a Grécia atrás de nós; em termos relativos, comparado com outros países, vamos empobrecer e não enriquecer. É o empobrecimento relativo. Governo e oposição encolhem os ombros. É uma pobreza, de parte a parte.
- Finalmente, temos uma situação social degradada. É o desemprego; é a baixa do poder de compra; são as empresas com a corda na garganta; é a pobreza e são as desigualdades sociais. O sinal mais visível desta degradação social foi dado esta semana por uma carta da UGT ao Governo. Uma carta extremamente crítica, da parte da Central que mais tem apoiado o Governo. Se não há um sobressalto cívico e social, a situação pode tornar-se explosiva.
A BAZUCA EM ACÇÃO
- O PM passou o debate do estado da Nação a anunciar milhões de euros da bazuca para vários sectores. Parecia que estava a distribuir cheques. Gerando a ideia: agora é que é. Agora é que vamos crescer. Agora é que vamos ser europeus a sério. Esta ideia é muito enganadora. Pode ser mais publicidade enganosa que realidade verdadeira.
- Vejamos a experiência dos últimos 20 anos onde houve a aplicação de cerca de 60 mil milhões euros da UE:
- Portugal, em termos de PIB per capita, não se aproximou da média europeia nestas duas décadas. Pelo contrário. Afastou-se, passando de 83,4% da média da UE em 2000 para 78,8% em 2019;
- Por regiões há 4 que se aproximaram, é verdade: os Açores, o Algarve, a Madeira e o Norte. Mas, com exceção dos Açores, são resultados pouco ambiciosos.
- E há mesmo 3 regiões que se afastaram da média europeia: LVT (quase 20 pp), o Alentejo e o Centro. Uma certa calamidade.
- Em conclusão:
- Primeiro: as assimetrias regionais diminuíram, é certo. A diferença, nestes 20 anos, entre a região mais rica e a região mais pobre, diminuiu de 54 pp para 35 pp. Mas não foi porque as regiões mais pobres tivessem ficado muito mais ricas. Foi, sobretudo, porque a região mais rica (LVT) deixou de ser tão rica.
- Segundo: o que tudo isto prova é que despejar dinheiro para cima dos problemas não chega. É preciso reformar. E se não há reformas, o país cresce menos que os outros e é ultrapassado pelos outros. A prova, em sentido inverso, é o tempo de cavaquismo (1985/95). Em apenas 10 anos Portugal aproximou-se da UE quase 13 pp.
PANDEMIA E VACINAÇÃO
- PANDEMIA: na próxima semana pode haver duas decisões importantes:
- A primeira, quase certa. Podem acabar as restrições horárias atualmente existentes. Nos restaurantes, nos espectáculos, no recolher obrigatório. Ao que apurei, é com esta proposta que os especialistas vão avançar na reunião do Infarmed. A ideia é apostar cada vez mais nos Certificados Covid – no teste ou na vacinação.
- A segunda, ainda em apreciação. Podem acabar as decisões de restrições em função da incidência, concelho a concelho. É outra das questões a tratar no Infarmed. Mas, nesta questão, os peritos estão divididos.
- VACINAÇÂO: o estado da arte e os objetivos para o futuro:
- No quadro da UE, continuamos bem. Somos o 5º país da União com maior percentagem de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose, claramente acima da média europeia;
- Cá dentro, temos já 66% dos portugueses dos portugueses com pelo menos uma dose e mais de metade (52%) já com a vacinação completa. Aproximamo-nos a passos largos do objetivo dos 70%.
- Nas faixas etárias, dois destaques: as pessoas acima dos 60 anos estão já bem protegidas pela vacina; e as pessoas mais jovens começam a ser vacinadas a bom ritmo. Entre os 20 e os 30 anos já há 32% com, pelo menos, uma dose;
- Nas regiões do continente, pela primeira vez há um grande equilíbrio na vacinação. Diminuíram as desigualdades vacinais regionais;
- Quanto ao futuro:
- O objetivo em 8/15 de Agosto é atingir 74% com pelo menos 1 dose e 66% com vacinação completa.
- O objetivo em 1 de Setembro é alcançar 83% com pelo menos uma dose e 69% com vacinação completa.
- O objetivo a 30 de Setembro é chegar a toda a população elegível com 1 dose e 84% com vacinação completa.
- Finalmente, a vacinação das crianças. A Comissão Técnica está dividida. A maioria dos especialistas não quer a vacinação generalizada das crianças entre os 12 e os 15 anos. A Diretora Geral vai ter de decidir.
O CONFRONTO MEDINA/MOEDAS
- A sondagem SIC/Expresso sobre Lisboa é boa, simultaneamente para Medina e para Moedas. Por razões obviamente diferentes.
- É boa para Medina. Mostra que a falha que a CM de Lisboa teve com os dados que entregou à Embaixada russa não retirou votos a Medina. Foi uma falha grave, criou desgaste mas não o afetou eleitoralmente. O que se compreende. Em autárquicas, as pessoas votam sobretudo em três coisas: na obra feita, nas ideias para o futuro; na equipa.
- É boa para Moedas. Mostra que está a subir, que está numa trajetória de crescimento. Vejamos: em Abril, numa sondagem da Intercampus para o jornal Novo, Moedas tinha menos 21 pontos que Medina. Agora encurtou essa distancia em 10 pontos e já fez o pleno dos votos do PSD e do CDS de há quatro anos. Ainda não chega. Mas é um bom sinal para Moedas.
- Para o futuro, ambos têm vantagem em bipolarizar este combate:
- Medina precisa de bipolarizar para tentar a maioria absoluta. Não é fácil porque BE e CDU têm candidatos fortes. E o BE tem um resultado importante na sondagem – 8%.
- Moedas precisa de bipolarizar para tentar ganhar. O voto útil à direita em Moedas é mais fácil, porque IL e Chega dificilmente conseguem meter um vereador. Mas Moedas tem de crescer. Fazer apenas o pleno do PSD e CDS é muito pouco.
- Uma coisa é certa: apesar de Medina levar clara vantagem, o mês de Setembro vai ser capital. Pelos debates televisivos; pelo eventual efeito do desgaste governativo caso não haja remodelação; pelo confronto das ideias e equipas de cada um; pela capacidade de chegar aos eleitores. Não chega falar para as elites e para a bolha política e mediática. É preciso chegar ao povo.
ENTREVISTA DO PRESIDENTE DO Supremo Tribunal de Justiça
- O novo Presidente do STJ, Henrique Araújo, deu uma boa entrevista ao Observador. Não concordo com tudo o que disse. Mas há, pelo menos, três ideias muito assertivas e corajosas a destacar:
- primeiro, a ideia de que há excesso de garantias de defesa. Tem toda a razão. A ideia não é acabar com as garantias de defesa. É acabar, sim, com os excessos, que geram manobras dilatórias e atrasos na justiça;
- segundo, a ideia da excessiva espectacularização da justiça. O exagero mediático de alguns casos. Não podia ser mais assertivo;
- terceiro, a ideia de que a justiça negociada não é justiça. Tem toda a razão. A nossa cultura judicial não é a dos EUA ou do Brasil.
- Sinceramente, acho que foi um excelente contributo para um bom debate. O novo Presidente do STJ e do CSM foi corajoso e mostrou ter um pensamento estruturado. Aqui chegados, esperamos duas coisas: primeiro, que não se deixe condicionar pelas críticas, porque estas ideias são correctas; segundo, que passe à acção. Só fazer diagnósticos e apresentar propostas não chega. É preciso influenciar o poder político e mudar. É esta parte que falta fazer agora.