Opinião
A situação do PSD nunca foi tão difícil como agora. Não chega mudar de líder
As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre a nova liderança do PSD, o Orçamento do Estado, a guerra na Ucrânia, o "pandemónio" no aeroporto de Lisboa, entre outros temas.
O ESTADO DA GUERRA
- Primeiro destaque: as divisões do Ocidente. De Itália veio uma proposta de cessar-fogo que indignou a Ucrânia. Do antigo Secretário de Estado Henry Kissinger veio um apelo a cedências da Ucrânia. O 6º pacote de sanções da UE está bloqueado pela Hungria. Estes sinais não são bons. São sinais de fraqueza. Foi assim, com a fraqueza do Ocidente, que Putin avançou em 2008 na Geórgia e em 2014 na Crimeia. Será que o Ocidente quer voltar a beneficiar o invasor?
- Segundo destaque: a firmeza de Zelensky. Perante isto, o Presidente ucraniano respondeu com a habitual firmeza. Como um líder. Manifestamente, Zelensky é um "osso" duro de roer. É firme perante Putin. É firme perante o Ocidente. E vai ser um problema sério perante a UE. Ele quer entrar a curto prazo na União. Só que metade dos países da UE não quer uma entrada imediata da Ucrânia.
- Terceiro destaque: os medos de Putin. Putin esteve muito activo esta semana. Anunciou aumentos do salário mínimo, do salário dos militares e das pensões; visitou feridos de guerra; quis dar uma imagem de simpatia e saúde económica. Estas decisões, na prática, são sinais de receio. E receio de quê? Verdadeiramente, como diz o especialista Álvaro Vasconcelos, do que Putin tem medo "é de ter um milhão de pessoas na rua a protestar". Como já teve milhares de jovens num concerto. Por isso, distribui benesses e apoios.
- Quarto destaque: a criação de um Plano Marshall para a recuperação da Ucrânia. Bruxelas vai promover em Junho, na Suíça, uma Conferência de Doadores. Objetivo: recolher fundos para a reconstrução ucraniana. A maior novidade, porém, é outra: a UE vai "impor" reformas políticas e económicas à Ucrânia: combate â corrupção; modernização da administração pública; garantia do Estado de Direito; independência dos tribunais. Vai ter sucesso nesta exigência? Em tempo de guerra não é fácil!
- O bloqueio russo nos portos ucranianos, que pode gerar uma grave crise alimentar. A ONU está a fazer intensa pressão diplomática sobre a Rússia. Não é fácil resultar porque a Rússia exige o fim das sanções. A Ucrânia quer que sejam os navios da NATO a intervir. Não é provável. A NATO não se quer comprometer. A terceira via que está a ser estudada é a via ferroviária. Escoar os produtos para a Polónia ou Roménia pela ferrovia. Mas há uma dificuldade a vencer. A Ucrânia não usa bitola europeia, mas sim bitola soviética.
ORÇAMENTO APROVADO
- Sem surpresas, o OE para 2022 foi aprovado. Eu próprio tinha antecipado há uma semana as prováveis abstenções do PSD/Madeira, do Livre e do PAN. É um Orçamento de continuidade. Ou, como diz Valadares Tavares, num excelente artigo no Observador, é um novo OE com velhas políticas.
- A grande expectativa agora recai sobre o OE para 2023. Fernando Medina tem aqui uma escolha importante a fazer: ou quer passar, sem mais, pela governação; ou quer deixar uma marca na governação. Se Medina quiser deixar uma marca na governação, a grande oportunidade é o próximo Orçamento. E o grande instrumento é a reforma fiscal, reduzindo impostos e tornando o nosso sistema fiscal mais competitivo. Há boas razões para isso. Sublinho duas:
- Atracção de investimento estrangeiro: está em curso um processo de deslocalização de empresas da Ásia para a Europa e da Europa de Leste para outras zonas da Europa. É uma novidade da guerra e da reconfiguração da globalização. Portugal precisa de se preparar para atrair algum desse investimento. Um sistema fiscal competitivo será uma ajuda decisiva.
- Elevada carga fiscal sobre o trabalho. Um relatório da OCDE divulgado esta semana mostra estas duas realidades, ambas negativas:
- Primeira, temos uma carga fiscal sobre o trabalho muito superior à média da OCDE (41,8% em Portugal; 34,6% na OCDE).
- Segunda, desde 2018 que esta carga fiscal tem vindo sempre a aumentar. Não estamos a avançar na direcção certa. Claro que a carga fiscal sobre o trabalho não resulta apenas de impostos. Mas estes têm um contributo decisivo.
PANDEMÓNIO NO AEROPORTO DE LISBOA
- Um plenário de inspetores do SEF gerou hoje o pandemónio no Aeroporto de Lisboa. Percebe-se a intenção do Sindicato: fazer pressão para que a extinção do SEF volte para trás. Mas também se veem os resultados desta pressão: caos, pandemónio, confusão, atrasos, perda de tempo, má imagem do país perante os turistas que nos visitam.
- Isto não pode continuar assim. Portugal precisa de turistas. O turismo está novamente em alta. Não podemos, em função disto, deitar tudo a perder, com iniciativas desta natureza.
- Ao que consegui apurar, o Governo vai tomar medidas para tentar ultrapassar esta situação. Assim:
- Na próxima semana vai apresentar um plano de contingência para o período de Verão;
- Nesse quadro, o Governo vai requisitar inspetores do SEF que estão noutros serviços para os colocar nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro;
- No mesmo âmbito, o Governo vai integrar no SEF agentes da PSP que já efetuaram formação teórica (cerca de 85) e colocá-los na primeira linha dos aeroportos. E há já mais um grupo de 120 agentes da PSP a entrar em formação.
- Espera-se que o Governo seja rápido e eficaz. Os sindicatos têm todo o direito a discutir e negociar as condições de extinção do SEF, mas o Governo tem o dever de defender o interesse nacional. E o turismo é, neste momento, uma questão de relevante interesse nacional.
O NOVO LÍDER DO PSD
- O facto político não é a vitória de Luís Montenegro. É, sim, a dimensão da vitória. Mais de 70% é um resultado surpreendente e mobilizador. Todo ele, mérito de Montenegro. Primeiro, pelo seu profissionalismo: não se chega à liderança do PSD sem anos de trabalho junto das bases e das estruturas. Ele fê-lo. Segundo, pela sua empatia com os militantes: Montenegro tem uma relação afectiva forte com os militantes do PSD. Finalmente, pelo capital político. Montenegro ainda não é visto como candidato a PM. Isso virá com o tempo. Mas é visto como o mais eficaz a fazer oposição. Isso fez a diferença.
- Jorge Moreira da Silva teve um resultado abaixo das expectativas, mas não perdeu nada. Sempre achei que ele não tinha nada a perder com esta candidatura. Assim: se houver uma nova oportunidade no futuro, significa que começou a semear; se não houver, afirmou uma posição política.
- Montenegro será líder de transição? Ninguém sabe. O mais provável é que vá até às eleições legislativas. Primeiro, pelo resultado alcançado; depois, porque os próximos dois anos são de desgaste do Governo; Terceiro, porque as eleições europeias de 2024 são oportunidade de um cartão amarelo ao Governo.
- O futuro. A situação do PSD nunca foi tão difícil como agora. O partido tem hoje um problema estrutural: a fragmentação da direita. Onde antes havia um único partido à direita do PSD e com eleitorado estabilizado há hoje dois partidos, em processo de crescimento e com quem não é fácil haver coligações (pelo menos, um deles). O que significa que não chega mudar de líder. É preciso muito mais. Desde logo:
- Unidade. Era bom que Luís Montenegro convidasse Moreira da Silva para um cargo dirigente e que este aceitasse. O PSD precisa desse sinal.
- Autoridade. O PSD deixou de ser um partido relevante. Não é respeitado. Não se tem dado ao respeito. Montenegro tem de "impor" autoridade.
- Uma forma diferente de fazer oposição. Nestes últimos quatro anos nunca o país percebeu onde é que o PSD era realmente diferente do PS. No futuro, o PSD tem de ter causas. Poucas, mas distintivas. A ideia de sustentabilidade, como defende Moreira da Silva, é importante, mas não é distintiva. A ideia do combate ao empobrecimento relativo do país, como aponta Montenegro, já é distintiva. Tem é de ser concretizada.
A VACINAÇÃO
- Começou há cerca de duas semanas a vacinação com a segunda dose de reforço ("quarta" dose). O objetivo é vacinar as pessoas com 80 ou mais anos de idade e os utentes de lares de terceira idade e equipamentos equiparados independentemente da idade. Qual o ponto da situação?
- A população a vacinar com esta segunda dose de reforço ascende a 600 mil pessoas;
- Estão vacinadas até ao momento 100 mil pessoas (em duas semanas);
- A previsão é que esta fase termine em meados de Julho, embora possa deslizar um pouco, por causa das novas infeções que se vão registando entre os idosos.
- Mais tarde, na época Outono/Inverno, teremos seguramente uma nova dose de reforço. Mas, ao que apurei junto das autoridades de saúde, essa terá um alvo mais vasto: a intenção será vacinar as pessoas acima dos 50 anos de idade.
GOVERNO DENUNCIA BERARDO
Pedro Adão e Silva tomou uma decisão certa: a não renovação do protocolo que o Estado tinha com a Fundação Berardo. É uma decisão certa, sobretudo por três razões:
- Primeiro, o protocolo que existe e que data de 2006, do tempo de José Sócrates, é um protocolo "leonino". Muito melhor para Berardo que para o Estado.
- Segundo, a não renovação do protocolo é um sinal político forte de distanciamento do Estado em relação a Berardo. Não podia ser doutra forma, depois de tudo o que sucedeu.
- Terceiro, para o público só muda o nome do museu. O resto continua igual: a coleção mantém-se no CCB, porque está arrestada pelos tribunais e até vai ser "reforçada" com a coleção de arte do antigo BPP.
A POLÉMICA DO TC
- Comecemos pela FRASE DA SEMANA. A frase é antiga, mas só a conheci esta semana:
"É muito fácil chegar ao escrivão do Tribunal que ganha uma miséria, dá-se 3 mil euros. Isso no espaço de antena vale milhões". Almeida e Costa (candidato a Juiz do TC)
- Um homem que diz que os jornalistas "compram" os funcionários judiciais e outras coisas inacreditáveis sobre como combater as violações do segredo de Justiça não é recomendável para Juiz do TC. Tem qualidade jurídica, mas não tem bom senso, equilíbrio e moderação. Parece um incendiário, não um Juiz.
- O TC e o seu Presidente também merecem censura. Houve juízes que passaram informações do foro interno do Tribunal para os jornais (ver Público desta semana). Violaram o dever de reserva do Tribunal. E o Presidente do TC não garantiu a coesão do Tribunal. Maus exemplos.