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04 de Julho de 2021 às 21:42

"A detenção de Berardo só surpreende por ser tardia"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes abordou a detenção de Joe Berardo, a situação pandémica em Portugal, entre outros temas.

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O ACIDENTE COM O MINISTRO CABRITA

  1. Este não é um caso de responsabilidade política. Um acidente pode suceder a qualquer um de nós. Mas é um caso de falta de sensibilidade:
a) Primeiro: o ministro não tem culpa do acidente. Mas tem muita culpa no que se passou a seguir. Foi muito feio. Morreu uma pessoa, ficou uma mulher viúva e duas jovens menores sem pai. O Ministro devia ter tido de imediato uma palavra pública de lamento, de consternação, de solidariedade e até de disponibilidade para apoiar a família.

b) Segundo: para além desta insensibilidade, o Ministro teve uma intervenção pública inqualificável: fez um comunicado público a insinuar que a culpa foi da vítima. Ou seja, preocupou-se em defender a sua pele e tentar condicionar o inquérito, em vez de se preocupar com uma família que ficou desgraçada. Isto é muito feio.

 

  1. Há meses que o ministro da Administração Interna (MAI) devia ter saído do Governo. Mas ele insiste que não se demite. É normal. Há muito que o ministro Cabrita descolou da realidade. O que surpreende é a inação do primeiro-ministro. António Costa teima em não perceber que este ministro não tem condições pessoais e políticas para governar. Arrasta-se penosamente pelo ministério. Pessoalmente está sob uma pressão brutal e sujeito a uma violência enorme. Politicamente não tem serenidade nem autoridade para o exercício da função. Devia sair. A bem, com dignidade e com respeito. De resto, quanto mais tarde o primeiro-ministro remodelar pior. Pior para os autarcas socialistas nas autárquicas; pior para a imagem do Governo e para a autoridade do primeiro-ministro.

  1. Vivemos um tempo de anormalidade democrática. Há meses que se passam coisas graves no país: Odemira, a TAP, os festejos do Sporting, o crescimento da pandemia, a fragilidade do MAI, nomeações polémicas de cargos públicos. E, todavia, sobre nada disto o primeiro-ministro é confrontado no Parlamento. Porquê? Porque não há debates quinzenais. Porque Rui Rio, em matéria de debates quinzenais, resolveu ser o anjo da guarda de António Costa. O problema é que este favor a António Costa é um sério revés para a democracia.

 

 

A PANDEMIA

  1. Em matéria de pandemia vive-se um tempo de confusão. Confusão generalizada. A política de comunicação oficial é um desastre.
a) Primeiro-ministro em isolamento profilático, apesar de estar vacinado, depois de ter contactado com um infetado. DGS diz: vacinados ou não vacinados, o comportamento é igual. Igual? Então vacinado e não vacinado é a mesma coisa? A vacinação não introduz proteção? Ninguém entende.

b) Vacina da JanssenDGS admite que pessoas que tomaram esta vacina possam precisar de um reforço. Empresa diz que não. Isto confunde e angustia as pessoas. Se a Ciência ainda está a estudar, por que razão antecipam hipóteses? Só geram confusão. Ninguém entende.

c) Recolher obrigatório das 23h às 5 da manhã. Uns dizem que é uma recomendação. Outros que é uma imposição. Uns acham que é legal. Outros não. Uma confusão. Ninguém dá uma explicação convincente.

d) Certificado Covid: É para se poder viajar no espaço europeu à vontade. Foi esse o acordo com a UE. Logo a seguir, vem a Alemanha e não cumpre. Afinal, que trapalhada é esta? Ninguém entende.

e) Reuniões do InfarmedAntes as reuniões eram de 15 em 15 dias. Ouvir os especialistas era essencial. Agora já não há reunião há mais de um mês, apesar de a pandemia se agravar. Porquê? Os especialistas foram descartados? Ninguém entende e ninguém explica.

 

  1. No passado, a DGS fazia conferências de Imprensa diárias. Uma overdose. Agora, raramente fala. Outro exagero. Nem 8 nem 80. Talvez uma conferência semanal fosse útil para explicar a pandemia e a vacinação.

 

  1. Finalmente, uma palavra sobre a situação pandémica. Uns desvalorizam. Outros dramatizam. Eu diria: Nem desvalorizar nem dramatizar.
  • É verdade que o número de novos casos está a aumentar; que somos o 2.º pior país da UE; que a variante Delta já é dominante em Portugal e é mais contagiosa que todas as outras. Tudo isto é verdade.
  • Mas, se compararmos o número de internamentos com as metas que o PR definiu em Fevereiro como mínimos para desconfinar, constatamos que estamos muito longe desses números. Tudo efeito da vacinação. Logo, o que temos a fazer é acelerar o processo vacinal.

 

A VACINAÇÃO

  1. Face à pandemia a vacinação é nossa grande tábua de salvação. E mesmo que haja erros e falhas no dia a dia da vacinação, a verdade é esta: a vacinação corre bem, o processo tem bons resultados mas há um desafio critico:
a)O balanço: Segundo dados internacionais, somos há vários dias o país que mais vacina na UE. O que prova a nossa capacidade logística.

b) Os resultados: segundo dados da DGS, em 2,5 milhões de pessoas totalmente vacinadas só houve 2357 infeções e só 52 infetados precisaram de internamento. Um número irrisório. O que prova a grande eficácia das vacinas.

c) O desafio crítico: a vacinação dos jovens. Mudou o paradigma das faixas etárias mais afetadas com a pandemia. Segundo os dados de hoje da DGS, mais de metade dos novos casos está nas faixas até aos 30 anos. Ao contrário, acima dos 60 anos o número de novos contágios é irrisório. É urgente vacinar os jovens.

 

  1. Esta semana, o processo de vacinação voltou a acelerar:
a) Estamos com 9,1 milhões de doses administradas; 5,7 milhões de pessoas com pelo menos uma dose; 3,7milhões de pessoas com duas doses;
b) Em termos de faixas etárias, enquanto os maiores de 60 anos já estão praticamente todos vacinados, há grandes avanços noutras faixas: a faixa dos 50/59 anos já com 85%; a faixa dos 40/49 já com 68% de vacinados com pelo menos uma dose.

 

  1. O futuro: Como o Alm Gouveia e Melo disse hoje, as duas próximas semanas são decisivas. Objetivo: administrar 1,6 milhões de doses em 2 semanas. Chegar aos jovens na casa dos 20 anos. Perceber, finalmente, que a juventude tem de ser vacinada antes do verão. Como aqui disse há três semanas, deixar os jovens irem para férias sem vacinação seria uma calamidade.
  2. Finalmente, duas notas internacionais – Estados Unidos e Rússia.
  • EUA Deviam atingir hoje a imunidade de grupo. Não conseguiram. O problema não é a falta de vacinas. Há em abundância. É a fuga à vacinação por parte de milhões de americanos. Problema que Portugal não tem.
  • Rússia O número de mortos voltou a crescer e a atingir recordes. O que reforça as dúvidas de que a vacina russa, nunca aprovada na UE, talvez não seja muito segura. Um problema que não temos em Portugal.

 

A DETENÇÃO DE JOE BERARDO

  1. Esta detenção só surpreende por ser tardia. Falando apenas daquilo que é público, há, pelo menos, duas situações que justificam investigação judicial:
a) Primeiro: gestão danosa na CGD. Um Banco que empresta milhões de euros a Berardo para comprar ações de outro Banco dando como garantias as próprias ações a adquirir só pode ter praticado gestão danosa. São garantias de favor. As ações desvalorizam e o Banco fica sem garantias. Se houve corrupção, não sei. Gestão danosa é impossível não haver. Por isso, deve haver no futuro mais arguidos que Santos Ferreira.

b) Segundo: dissipação de património. Berardo deve mais de mil milhões á banca. A banca não consegue executá-lo. Porquê? A explicação ficou clara na CPI à CGD. Berardo, num comportamento execrável, engendrou um conjunto de malabarismos para proteger o seu património e fugir às suas responsabilidades. Se isto não é fraude, não sei o que é fraude.

 

  1. Para além desta investigação, há três outros aspetos a não ignorar:
a) A responsabilidade política de José Sócrates. O ex-primeiro-ministro tinha um projeto de poder pessoal. Passava pelo controlo da banca, da justiça e da comunicação social. Por isso é que houve empréstimos ruinosos; assalto ao BCP; intervenção na PT; tentativa de compra da TVI. Os responsáveis criminais podem ser vários. Responsável político só há um – José Sócrates.

b) A responsabilidade social dos empresários. Berardo, Moniz da Maia, Nuno Vasconcelos e outros não foram apenas "joguetes" ou idiotas úteis nas mãos de Sócrates. São exemplos de empresários sem escrúpulos e sem vergonha. Que vivem em grande mas têm as empresas falidas. Há que censura-los Os bons empresários não merecem ser comparados com esta gente sem carácter.

c) Finalmente, a importância da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à CGD em 2019. O seu trabalho foi fundamental. Mariana Mortágua, Cecília Meireles, Duarte Marques – os três deputados mais em destaque nessa CPI – merecem um elogio especial.

 

A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA UE

  1. Chegou ao fim a Presidência Portuguesa da UE. O meu balanço é claramente positivo. Portugal tinha, à partida, duas grandes condicionantes – suceder à Presidência alemã; e fazer uma Presidência em tempo de pandemia. Não era fácil. Mas o país saiu-se francamente bem. Mérito: do primeiro-ministro que orientou; do ministro dos Negócios Estrangeiros que coordenou; do embaixador Nuno Brito e da sua equipe em Bruxelas que tiveram um trabalho diplomático competente.

Aspetos positivos:
  • Pôr em prática a bazuca europeia (essencial para a recuperação);
  • A reforma da PAC (uma surpresa de última hora);
  • O Certificado Digital Covid (decidido em tempo record);
  • Reconhecimento mútuo de testes na UE (um passo relevante);
  • A Cimeira Social (um sinal político importante);
  • A Cimeira com a Índia (uma iniciativa estratégica);
  • A Lei Europeia do Clima (neutralidade carbónica em 2050);

 

Mas há também aspetos negativos:
  • Ausência da cimeira com África;
  • Falta de avanços no Acordo UE/Mercosul;
  • Descoordenações no plano da pandemia;
  • Polémica com o Procurador Europeu.

 

Em conclusão: até hoje Portugal teve quatro Presidências da UE. Em 1992 com Cavaco Silva; 2000 com Guterres; 2007 com Sócrates; 2021 com Costa. Em todas Portugal saiu-se bem e prestigiado.

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