Opinião
"A detenção de Berardo só surpreende por ser tardia"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes abordou a detenção de Joe Berardo, a situação pandémica em Portugal, entre outros temas.
O ACIDENTE COM O MINISTRO CABRITA
- Este não é um caso de responsabilidade política. Um acidente pode suceder a qualquer um de nós. Mas é um caso de falta de sensibilidade:
b) Segundo: para além desta insensibilidade, o Ministro teve uma intervenção pública inqualificável: fez um comunicado público a insinuar que a culpa foi da vítima. Ou seja, preocupou-se em defender a sua pele e tentar condicionar o inquérito, em vez de se preocupar com uma família que ficou desgraçada. Isto é muito feio.
- Há meses que o ministro da Administração Interna (MAI) devia ter saído do Governo. Mas ele insiste que não se demite. É normal. Há muito que o ministro Cabrita descolou da realidade. O que surpreende é a inação do primeiro-ministro. António Costa teima em não perceber que este ministro não tem condições pessoais e políticas para governar. Arrasta-se penosamente pelo ministério. Pessoalmente está sob uma pressão brutal e sujeito a uma violência enorme. Politicamente não tem serenidade nem autoridade para o exercício da função. Devia sair. A bem, com dignidade e com respeito. De resto, quanto mais tarde o primeiro-ministro remodelar pior. Pior para os autarcas socialistas nas autárquicas; pior para a imagem do Governo e para a autoridade do primeiro-ministro.
- Vivemos um tempo de anormalidade democrática. Há meses que se passam coisas graves no país: Odemira, a TAP, os festejos do Sporting, o crescimento da pandemia, a fragilidade do MAI, nomeações polémicas de cargos públicos. E, todavia, sobre nada disto o primeiro-ministro é confrontado no Parlamento. Porquê? Porque não há debates quinzenais. Porque Rui Rio, em matéria de debates quinzenais, resolveu ser o anjo da guarda de António Costa. O problema é que este favor a António Costa é um sério revés para a democracia.
A PANDEMIA
- Em matéria de pandemia vive-se um tempo de confusão. Confusão generalizada. A política de comunicação oficial é um desastre.
b) Vacina da Janssen – DGS admite que pessoas que tomaram esta vacina possam precisar de um reforço. Empresa diz que não. Isto confunde e angustia as pessoas. Se a Ciência ainda está a estudar, por que razão antecipam hipóteses? Só geram confusão. Ninguém entende.
c) Recolher obrigatório das 23h às 5 da manhã. Uns dizem que é uma recomendação. Outros que é uma imposição. Uns acham que é legal. Outros não. Uma confusão. Ninguém dá uma explicação convincente.
d) Certificado Covid: É para se poder viajar no espaço europeu à vontade. Foi esse o acordo com a UE. Logo a seguir, vem a Alemanha e não cumpre. Afinal, que trapalhada é esta? Ninguém entende.
e) Reuniões do Infarmed – Antes as reuniões eram de 15 em 15 dias. Ouvir os especialistas era essencial. Agora já não há reunião há mais de um mês, apesar de a pandemia se agravar. Porquê? Os especialistas foram descartados? Ninguém entende e ninguém explica.
- No passado, a DGS fazia conferências de Imprensa diárias. Uma overdose. Agora, raramente fala. Outro exagero. Nem 8 nem 80. Talvez uma conferência semanal fosse útil para explicar a pandemia e a vacinação.
- Finalmente, uma palavra sobre a situação pandémica. Uns desvalorizam. Outros dramatizam. Eu diria: Nem desvalorizar nem dramatizar.
- É verdade que o número de novos casos está a aumentar; que somos o 2.º pior país da UE; que a variante Delta já é dominante em Portugal e é mais contagiosa que todas as outras. Tudo isto é verdade.
- Mas, se compararmos o número de internamentos com as metas que o PR definiu em Fevereiro como mínimos para desconfinar, constatamos que estamos muito longe desses números. Tudo efeito da vacinação. Logo, o que temos a fazer é acelerar o processo vacinal.
A VACINAÇÃO
- Face à pandemia a vacinação é nossa grande tábua de salvação. E mesmo que haja erros e falhas no dia a dia da vacinação, a verdade é esta: a vacinação corre bem, o processo tem bons resultados mas há um desafio critico:
b) Os resultados: segundo dados da DGS, em 2,5 milhões de pessoas totalmente vacinadas só houve 2357 infeções e só 52 infetados precisaram de internamento. Um número irrisório. O que prova a grande eficácia das vacinas.
c) O desafio crítico: a vacinação dos jovens. Mudou o paradigma das faixas etárias mais afetadas com a pandemia. Segundo os dados de hoje da DGS, mais de metade dos novos casos está nas faixas até aos 30 anos. Ao contrário, acima dos 60 anos o número de novos contágios é irrisório. É urgente vacinar os jovens.
- Esta semana, o processo de vacinação voltou a acelerar:
b) Em termos de faixas etárias, enquanto os maiores de 60 anos já estão praticamente todos vacinados, há grandes avanços noutras faixas: a faixa dos 50/59 anos já com 85%; a faixa dos 40/49 já com 68% de vacinados com pelo menos uma dose.
- O futuro: Como o Alm Gouveia e Melo disse hoje, as duas próximas semanas são decisivas. Objetivo: administrar 1,6 milhões de doses em 2 semanas. Chegar aos jovens na casa dos 20 anos. Perceber, finalmente, que a juventude tem de ser vacinada antes do verão. Como aqui disse há três semanas, deixar os jovens irem para férias sem vacinação seria uma calamidade.
- Finalmente, duas notas internacionais – Estados Unidos e Rússia.
- EUA – Deviam atingir hoje a imunidade de grupo. Não conseguiram. O problema não é a falta de vacinas. Há em abundância. É a fuga à vacinação por parte de milhões de americanos. Problema que Portugal não tem.
- Rússia –O número de mortos voltou a crescer e a atingir recordes. O que reforça as dúvidas de que a vacina russa, nunca aprovada na UE, talvez não seja muito segura. Um problema que não temos em Portugal.
A DETENÇÃO DE JOE BERARDO
- Esta detenção só surpreende por ser tardia. Falando apenas daquilo que é público, há, pelo menos, duas situações que justificam investigação judicial:
b) Segundo: dissipação de património. Berardo deve mais de mil milhões á banca. A banca não consegue executá-lo. Porquê? A explicação ficou clara na CPI à CGD. Berardo, num comportamento execrável, engendrou um conjunto de malabarismos para proteger o seu património e fugir às suas responsabilidades. Se isto não é fraude, não sei o que é fraude.
- Para além desta investigação, há três outros aspetos a não ignorar:
b) A responsabilidade social dos empresários. Berardo, Moniz da Maia, Nuno Vasconcelos e outros não foram apenas "joguetes" ou idiotas úteis nas mãos de Sócrates. São exemplos de empresários sem escrúpulos e sem vergonha. Que vivem em grande mas têm as empresas falidas. Há que censura-los Os bons empresários não merecem ser comparados com esta gente sem carácter.
c) Finalmente, a importância da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à CGD em 2019. O seu trabalho foi fundamental. Mariana Mortágua, Cecília Meireles, Duarte Marques – os três deputados mais em destaque nessa CPI – merecem um elogio especial.
A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA UE
- Chegou ao fim a Presidência Portuguesa da UE. O meu balanço é claramente positivo. Portugal tinha, à partida, duas grandes condicionantes – suceder à Presidência alemã; e fazer uma Presidência em tempo de pandemia. Não era fácil. Mas o país saiu-se francamente bem. Mérito: do primeiro-ministro que orientou; do ministro dos Negócios Estrangeiros que coordenou; do embaixador Nuno Brito e da sua equipe em Bruxelas que tiveram um trabalho diplomático competente.
Aspetos positivos:
- Pôr em prática a bazuca europeia (essencial para a recuperação);
- A reforma da PAC (uma surpresa de última hora);
- O Certificado Digital Covid (decidido em tempo record);
- Reconhecimento mútuo de testes na UE (um passo relevante);
- A Cimeira Social (um sinal político importante);
- A Cimeira com a Índia (uma iniciativa estratégica);
- A Lei Europeia do Clima (neutralidade carbónica em 2050);
Mas há também aspetos negativos:
- Ausência da cimeira com África;
- Falta de avanços no Acordo UE/Mercosul;
- Descoordenações no plano da pandemia;
- Polémica com o Procurador Europeu.
Em conclusão: até hoje Portugal teve quatro Presidências da UE. Em 1992 com Cavaco Silva; 2000 com Guterres; 2007 com Sócrates; 2021 com Costa. Em todas Portugal saiu-se bem e prestigiado.