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02 de Junho de 2019 às 21:05

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. O comentador fala sobre os últimos resultados, eleitorais e os desafios que os partidos têm pela frente. As últimas ações do Fisco e a possível substituição de Ferro Rodrigues por Carlos César.

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FISCO NA ESTRADA

 

Já quase tudo foi dito sobre esta operação STOP do Fisco numa auto-estrada do norte do país – que é um abuso, que é um exagero, que é um tique medieval, tipo salteadores de estrada, o que é absolutamente lamentável. Combater a evasão fiscal, sim. Abusar do poder, não.

 

Há que dizer que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais agiu bem. Com rapidez mas com equilíbrio, para não desmotivar os agentes do Fisco. Mas há, mesmo assim, três coisas que são muito estranhas:

Primeiro: ao que parece, já várias operações desta natureza ocorreram no passado. Desde o anterior Governo. O que é estranho é que as autoridades só tenham actuado quando a comunicação social deu a notícia. É o Estado a reboque da imprensa.

Segundo: ao que relata a imprensa, a Direcção-Geral da AT parece que só soube da operação pela comunicação social. Outra coisa estranha. A ser verdade, temos de concluir que na AT está mais ou menos em auto-gestão. O que é muito perigoso.

Terceiro:
o mais estranho, porém, é que o Estado tem dois pesos e duas medidas na sua actuação. Dois exemplos:
  • O Estado que persegue desta forma abusiva os contribuintes é o mesmo Estado que ainda hoje parece fazer vista grossa aos grandes devedores da Banca nacional, "protegendo-os" e "tolerando-os".
  • O Estado que persegue desta forma os contribuintes é o mesmo Estado que demora um ano, ano e meio, dois anos, a conceder uma pensão de reforma a um cidadão que a ela tem direito, causando dor, sofrimento e prejuízo sério a pessoas pobres e vulneráveis.
Em suma: um Estado que não garante os direitos dos cidadãos!

 

 

OS GRANDES DEVEDORES À BANCA

 

  1. Lamentavelmente, continua a saga da divulgação ou não divulgação dos grandes devedores à banca. O que se passa neste domínio continua a ser lamentável. Confirma-se, assim, aquela máxima popular: o que nasce torto tarde ou nunca se endireita.

O Banco de Portugal, em especial, e os Bancos, em geral, têm feito tudo para que o país não saiba quem são os grandes incumpridores à Banca. Umas vezes é por causa do segredo bancário. Outras vezes é por causa das regras europeias. Noutras ocasiões é por causa da estabilidade do sistema financeiro. Agora é por causa da interpretação da nova lei aprovada na AR. Alegadamente, preocupam-se muito com a legalidade. Só não se preocupam com a moralidade, a transparência e o legítimo julgamento público desta situação.

 

  1. A grande questão é esta:
  • Quem tem um empréstimo da Banca e está a cumprir não tem de ver o seu nome na praça pública;
  • Quem teve uma dúvida à Banca, a reestruturou e está a pagá-la não tem que ter a sua imagem devassada;
  • Agora, quem, tipo Berardo, deve milhões à Banca, não paga, porque não quer ou não pode, deve ser objecto de menção pública. É que, além dos procedimentos cíveis e criminais a que houve lugar nesses casos, a opinião pública deve também ter a oportunidade de fazer a sua sanção pública e social. Se os "buracos" que essa gente gerou tiverem de ser "tapados" com dinheiro público, os contribuintes têm o direito de saber, avaliar e julgar.
  • Dizer isto não é ser populista. Mas fazer o que BP está a fazer é que é convidar ao populismo e à indignação.

 

PS A CAMINHO DA MAIORIA ABSOLUTA?

 

  1. Quase toda a gente considera que a ideia da maioria absoluta é uma ficção. Mas enganam-se. A vitória do PS nas eleições europeias relançou a ideia da maioria absoluta. Basta ver a projecção que foi feita do resultado das Europeias – 33% dariam 106 deputados. Menos 10, apenas, que a maioria absoluta. Acresce a seguir a sondagem da Pitagórica (40% para o PS). Ou seja: a maioria absoluta não é fácil mas está longe de ser impossível.

 

  1. Há 4 quatro razões que levam o PS a sonhar de novo com a maioria absoluta:
  2. Primeira: segundo o nosso sistema eleitoral, quando a distância entre o primeiro e o segundo partido é grande, uma maioria absoluta de deputados é bastante mais fácil de alcançar.
  3. Segunda: os portugueses valorizam muito a ideia de estabilidade. Não querem governos de curta duração.
  4. Terceira: as Europeias mostraram que infelizmente não há alternativa. O que é mau para a democracia;
  5. E, finalmente, talvez a razão mais importante, os portugueses apreciam o "Bloco Central institucional" que existe em Portugal: Marcelo em Belém, Costa em S. Bento – um Presidente de centro-direita e um PM de centro-esquerda. Um equilíbrio político e institucional.
  • Já foi assim entre 1985 e 1995. Soares, Presidente e Cavaco, Primeiro-Ministro. Na altura, foi o PS que sofreu 10 anos de oposição. Agora, sofrem PSD e CDS.

 

  1. Se o PS não tiver maioria absoluta, o mais provável são três coisas:
  2. Primeiro: o PS governar sozinho, com acordos ora à esquerda, ora à direita, de forma precária e instável. Serão 4 anos bem mais difíceis que estes últimos 4 anos.
  3. Segundo: termos um Governo de fim de ciclo. Um Governo que vai arrastar-se no poder, sem frescura, sem alma e sem chama. Vai ocupar o poder sem o exercer. Uma espécie de pântano.
  4. Terceiro: só há, em princípio, uma hipótese de o Governo cair a meio do mandato: é no final de 2021 mas só se se verificarem duas condições ao mesmo tempo: o PS perder as autárquicas e a economia estar a afundar.
  • Ora, estas duas condições são difíceis de preencher em simultâneo: o PS pode piorar o resultado mas é difícil perder as autárquicas; a economia vai abrandar mas estará longe de entrar em recessão.
  • Em conclusão: o que vamos ter nos próximos 4 anos são duas coisas – PÂNTANO e APAGÃO. Uma situação pantanosa no poder. Um longo apagão na oposição.

  

A DERROTA DA DIREITA

 

  1. Na sequência das Europeias, o PSD e o CDS, em conjunto, vivem talvez o pior momento da sua história. E o drama maior é não se perceber que este não é um problema de comunicação. Não. É um problema político sério e profundo. Isto sucede por três razões essenciais:
  2. Primeira: faltam causas ao PSD e ao CDS. Acabaram as causas do passado e os dois partidos não foram capazes de gerarem novas causas. As duas últimas causas que tinham foram resgatadas pelo PS: o rigor financeiro e o crescimento económico. O PS, habitualmente o partido da cigarra, transformou-se agora no partido da cigarra e da formiga. Desta forma, esvaziou politicamente o PSD e o CDS.
  3. Segunda: faltam protagonistas de peso na oposição. Cristas não tem o capital político de Portas. Rio não tem o capital político de Passos Coelho. Isto não é uma crítica. É uma análise objectiva. Só que nem a história volta para trás nem o futuro se constrói agarrado ao passado ou com as soluções do passado.
  4. Terceira: falta coesão ao centro-direita. PSD e CDS estão cada um para seu lado. Pior ainda. Cada qual a tratar apenas da mercearia política (dos lugares, dos pequenos poderes, das guerras e querelas internas).
  • Um exemplo: qual foi a primeira decisão do PSD depois de perder as Europeias? Foi lançar uma ideia, um debate, uma agenda de novos temas ou reformas? Não, foi lançar o processo de escolha de deputados, ou seja, a mercearia política. Conclusão: enquanto se dedicarem à mercearia, não tiverem um projecto nacional e não dialogarem entre si, PSD e CDS não voltam ao poder. É uma pena – porque a democracia precisa de alternância – mas é verdade!
  1. O que sucederá à oposição no futuro? Duas coisas:
  2. Primeiro, a seguir às LegislativasHaverá provavelmente crises internas e crises de liderança. Agora, quase ninguém contesta por causa da distribuição dos lugares de Deputados. As excepções, corajosas e lúcidas, foram Jorge Moreira da Silva e Miguel Pinto Liz. A seguir a Outubro, vai ser "fogo à peça".
  3. SegundoProvavelmente PSD e CDS só voltam ao poder depois de um longo APAGÃO, quando houver um colapso económico. E este é outro drama. Desde 1995, há quase 25 anos, que PSD e CDS só governam em tempo de vacas magras, para impor sacrifícios. Foi assim em 2002 e 2011. Esta imagem de marca é fatal. Os jovens, por exemplo, já não se lembram do centro-direita a governar em tempo de crescimento económico.
  4. A única boa notícia para o PSD foi mesmo a Madeira – ganhou aí as Europeias de forma categórica. O que lhe dá amplas possibilidades de ganhar as Regionais de Setembro. Aí, ao contrário, é o PS nervoso!

 

CÉSAR NO LUGAR DE FERRO

 

  1. António Costa está prestes a cometer um sério erro político – substituir Ferro Rodrigues por Carlos César na Presidência da Assembleia da República.

Desde logo é um erro no plano da atitude, da correcção e do decoro político. Ferro Rodrigues fez globalmente um bom lugar de Presidente do Parlamento. Teve uma ou outra falha, o que é normal. Mas foi globalmente sensato, equilibrado e credível no exercício do cargo. Assim sendo, devia ser convidado para se manter e não para se afastar. Ferro Rodrigues não merecia esta desconsideração.

 

  1. Mas é, sobretudo, um erro político. Se o Governo não tiver maioria absoluta e precisar de dialogar no Parlamento, Ferro Rodrigues é muito melhor solução que Carlos César.
  • Primeiro, Ferro Rodrigues tem mais estatuto e capital político que Carlos César;
  • Segundo, Ferro Rodrigues não suscita, quer à direita quer à esquerda, os anti-corpos que suscita Carlos César. É que Carlos César não é propriamente muito prestigiado, nem à esquerda e muito menos à direita.

 

  1. César no lugar de Ferro é a prova provada do que são os partidos – máquinas trituradoras, sem grandes princípios, sem gratidão e sem grande visão de futuro.
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