Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre as contas do Novo Banco, a idoneidade de Tomás Correia e o facto de regulador e Governo não decidirem quem tem poderes para a avaliar, entre outros temas.
AS CONTAS DO NOVO BANCO
- Este caso é uma calamidade. Até pode ser tudo legal, mas é tudo profundamente imoral.
- Primeira questão: porquê este volume de prejuízos? Porque a herança do BES era pesada e ainda conta muito nas contas do Banco. A prova é que a exploração do Banco, sem o legado autor, até deu um pequeno lucro.
- Segunda questão: por que é que o Fundo de Resolução continua a meter dinheiro no Banco, já depois de o Banco vendido?
- Porque ficou previsto na venda que o comprador podia recorrer até 3,9 mil milhões de euros, para compensar créditos problemáticos.
- E aqui é que está a enorme imoralidade. Esta "almofada" estava prevista como uma solução de último recurso. E a sensação que existe é que está a ser usada pelo dono do Banco como "primeiro recurso". Porque é dinheiro fácil. Ou seja: é uma atitude legal mas é profundamente imoral.
- Terceira questão: havia alternativa a esta solução? Não sei.
- Primeiro, porque só houve um interessado na compra. E quem negoceia só com um interessado não tem grande força negocial.
- Depois, porque a alternativa – a nacionalização – poderia ser igual ou pior. Basta ver o exemplo da nacionalização do BPN.
- Mesmo assim houve uma coisa grave – o MF não falou verdade. Criou a expectativa de que aquela almofada provavelmente não seria utilizada. Nunca o devia ter feito. Enganou os portugueses.
- O Ministro das Finanças mandou agora fazer uma auditoria. Parece-me bem. Mesmo assim, parece ser uma ideia meramente política, apenas para desviar as atenções da calamidade do banco. É que para analisar a mesma questão foi criada e está em funcionamento uma Comissão de Acompanhamento, composta por três pessoas.
- Finalmente, uma pergunta: estão passados quase 5 anos sobre a falência do BES. A investigação criminal a Ricardo Salgado ainda não acabou. Será que tudo vai acabar na gaveta?
A IDONEIDADE DE TOMÁS CORREIA
- Há uma semana sublinhei que era grave que ninguém – Governo ou Regulador dos Seguros – decidisse sobre a idoneidade de Tomás Correia para presidir à Associação Mutualista Montepio Geral. Esta semana assistimos a este espectáculo público: o Governo a dizer que a competência é do Regulador; o Regulador a dizer que a lei não lhe dá esse competência.
- Estive a aprofundar o assunto, ouvi os argumentos de ambas as partes, li a lei e cheguei a uma conclusão: o Regulador dos Seguros tem toda a razão. A lei não lhe dá o poder de decidir sobre a idoneidade de Tomás Correia.
- Primeiro, porque só terá o poder total de supervisão daqui a 12 anos (a lei consagra este período transitório).
- Depois, porque nos poderes que tem neste período transitório não está o poder de decidir sobre a idoneidade de administradores.
- Terceiro, porque, apesar de ter o poder de "analisar o sistema de governação" da Mutualista, a verdade é que analisar não é decidir.
- Aqui chegados, tenho uma sugestão a fazer ao Ministro Vieira da Silva. Tenho o Ministro na conta de uma pessoa séria, bem intencionada e de boa-fé. Assim sendo, sugiro ao senhor Ministro que faça uma pequena alteração à lei, clarificando-a e conferindo expressamente o poder de avaliar a idoneidade das questões ao Regulador dos Seguros.
- É uma pequena alteração. São, na prática, "duas linhas" de texto.
- Se houver boa-fé, isto faz-se com facilidade.
- Se não se fizer, então há "gato escondido com rabo de fora".
AS NEGOCIAÇÕES COM PROFESSORES
- Estas negociações não vão dar em nada. São um exercício de hipocrisia. De parte a parte. O Governo não quer dar nada mais do que deu no Decreto Lei vetado. Os sindicatos não querem baixar dos nove anos que reclamam. Ambos estão a prestar um mau serviço ao país.
- O Governo age mal. Estar nas negociações para "inglês ver" é um comportamento inqualificável de cinismo e hipocrisia. Os sindicatos também agem mal. Repor o tempo de carreira na totalidade é um privilégio que nenhum grupo em Portugal teve. Vejamos:
- Milhares de pensionistas tiveram cortes nas suas reformas. Não foram compensados pelo tempo dos cortes.
- Milhares de pessoas desempregados passaram anos de sacrifício, sem emprego. Não forma compensados por esse período difícil.
- Milhares de jovens tiveram que emigrar. Não tiveram qualquer compensação.
- Ou seja: se lhes fosse reconhecido todo o tempo em que a carreira esteve congelada, os professores teriam um "privilégio" que nenhum grupo profissional teve. Por isso, deveriam ser mais flexíveis na negociação.
O DIÁLOGO COM OS ENFERMEIROS
- O tribunal deu razão ao Governo na questão da requisição civil. O que fragiliza os enfermeiros nesta próxima negociação.
- Julgo, em qualquer caso, que ambas as partes têm interesse num acordo.
- O Governo precisa de paz no sector;
- Os sindicatos precisam de mostrar moderação depois de alguns exageros.
- Um acordo – ainda que minimalista – é do interesse de ambas as partes.
- Agora, julgo que o Governo está mesmo preocupado com o sector da saúde – com as críticas, com a contestação, com a falta de investimento, com a percepção de que as coisas não estão bem.
- E faz bem. Para qualquer governo, o sector da saúde é capital. Por maioria de razão para um governo de esquerda. E a verdade é que hoje o sector está muito vulnerável. Este é um dos grandes calcanhares de Aquiles do Governo
OS 20 ANOS DO BLOCO DE ESQUERDA
Há quatro méritos a destacar neste 20º aniversário do BE:
- Primeiro: conseguiu um feito histórico – unir a extrema-esquerda que estava tradicionalmente dividida em vários partidos;
- Segundo: foi o único partido que desafiou o sistema partidário saído da Revolução de Abril e que teve sucesso. O PRD tentou e não conseguiu.
- Terceiro: afirmou-se em Portugal, apesar de não ter qualquer peso relevante no mundo sindical e autárquico. Para isso contribuiu, de forma decisiva, o peso enorme que tem a comunicação social.
- Quarto: começou por ser um partido de protesto e mudos nos últimos anos para um partido do arco da governação. Uma mudança que é polémica no BE mas positiva para a democracia.
O próximo grande desafio do Bloco é chegar ao Governo. Parece-me, porém, uma ambição difícil de concretizar no pós 2019:
Ao contrário do que vários pensam, o PM não nutre grande simpatia pelo BE e muito menos pela ideia de fazer governo com o BE. Se tivesse necessidade de escolher um parceiro à esquerda, António Costa escolheria mais depressa o PCP que o BE.
Mas acho que nem o BE nem PCP irão parar ao Governo tão cedo:
- Se o PS ganhar sem maioria absoluta, fará um novo governo minoritário. Não fará coligação formal com nenhum partido.
- No Parlamento, haverá um equilíbrio de geometria variável: ora a geringonça; ora, acordos pontuais com o PSD.
- Será, provavelmente, um governo para dois anos – poderá cair a meio do mandato, no final de 2021, depois das autárquicas, depois da Presidência Portuguesa da UE, na votação do terceiro orçamento da legislatura. Mas o decisivo será o estado da economia.
ECONOMIA A ARREFECER
- Agora, já não são apenas previsões. São mesmo resultados. Os relativos ao crescimento económico de 2018, divulgados pelo INE.
- A economia cresceu 2,1%. Abaixo dos 2,3% previstos pelo Governo. Bem abaixo dos 2,8% de 2017. E esta tendência vai continuar.
- O crescimento das exportações abrandou – de 7,8% em 2017 para 3,7% em 2018. E o provável é que esta tendência se mantenha no futuro. Os nossos "clientes" estão todos com dificuldades.
- O crescimento do investimento também abrandou – de 9,2% em 2017 para 5,6% em 2018. E a tendência deve manter-se. Há muitas nuvens negras no horizonte.
- Só o consumo privado melhorou, mas pouco – de 2,3% para 2,5%.
- Agora, pior que os resultados são os riscos para o futuro. Destaco, sobretudo, quatro:
- O risco da incerteza – de que o último grande exemplo é a falhada Cimeira EUA/Coreia do Norte.
- O risco da instabilidade – de que o conflito militar entre a Índia e o Paquistão é um perigoso exemplo.
- O risco das guerras comerciais – O conflito "comercial" entre os EUA e a China pode ser um rastilho perigos.
- O risco do Brexit – Toda a gente sabe que o risco existe. Mas ninguém sabe como acaba, quando acaba e com que consequências acaba.