Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre a turbulência na saúde, o surto de greves, e as dificuldades enfrentadas por Theresa May, no Reino Unido, e Emmanuel Macron, em França, entre outros temas.
TURBULÊNCIA NA SAÚDE
- Apesar da mudança de Ministro, há turbulência, desorientação e mal-estar na Saúde como quase nunca houve – greve dos enfermeiros, demissão de directores de hospitais, queixas de falta de pessoal, conflitos com ADSE, polémica na Lei de Bases. Há mais contestação hoje que no tempo da troika. Porquê?
- Por causa da força política – Paulo Macedo tinha mais força dentro do Governo de Passos Coelho do que neste Governo Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido. Neste Governo só há um Ministro que realmente manda – Mário Centeno. Todos os outros são ajudantes!
- Por causa das expectativas – Depois da troika, as expectativas cresceram. A ideia é que, finalmente, já sem austeridade, a Saúde ia ter mais investimento. Só que o Governo não conseguiu gerir estas expectativas.
- Desorientação ideológica – Adalberto Marques Fernandes era um Ministro mais moderado, mais ao centro. Marta Temido é mais à esquerda. Uma espécie de Tiago Brandão Rodrigues da Saúde. O PM tenta fazer a quadratura do círculo. Isto gera desorientação.
- Por causa das medidas – Este Governo tomou duas decisões que, em conjunto, são uma mistura explosiva: a redução do horário de trabalho para as 35 horas e as cativações. Com menos tempo de trabalho era preciso mais pessoal. Mais pessoal exigia mais dinheiro. Com mais cativações há menos recursos do que podia e devia haver.
- Lei de Bases da Saúde
- Primeiro: acho que não era necessário uma nova Lei de Bases da Saúde.
- Segundo: mantém-se a mania de que os problemas se resolvem fazendo leis. Mentira. Não é uma nova lei que salva o SNS.
- Terceiro: a proposta apresentada por Maria de Belém era um excelente contributo – equilibrada, flexível e justa.
- Quarta: a actual Ministra da Saúde andou aos bonés. Mudou o texto de Maria de Belém. Depois, foi obrigada a mudar o seu próprio texto. Para começo de um mandato não podia ser pior.
CRISE NA ADSE?
- Segundo o Expresso, vai haver um Brexit na Saúde – os privados preparam-se para "abandonar" a ADSE. Tudo porquê? Porque há um conflito entre a ADSE e o sector privado e social – a ADSE quer corrigir os valores de facturação de anos anteriores (2015 e 2016), exigindo devolução de verbas já pagas. Os operadores recusam-se a fazê-lo. A ADSE invoca um parecer do CC da PGR. Os privados respondem com um parecer de Vital Moreira.
- Acho que esta crise pode ser má para todos:
- Má para o sector privado e social – Sem ADSE, estes operadores têm de reduzir a sua actividade.
- Má para os funcionários públicos – Sem os privados, deixam de ter liberdade de escolha. Têm de ir para as filas de espera dos hospitais públicos.
- Má para a ADSE – Se a ADSE deixar de trabalhar com os privados, os funcionários públicos vão deixar a ADSE. Não estão para descontar e não beneficiar da liberdade de escolha. Isto mata a ADSE.
- Má para o SNS – Se um milhão de utentes da ADSE, por falta de alternativas, tiver de recorrer ao SNS, é o desastre. Se hoje o SNS já rompe pelas costuras, no futuro seria ainda pior.
- Todas estas consequências deveriam justificar não a imposição de um "braço de ferro" mas sim o bom senso de um entendimento entre as partes.
SURTO DE GREVES
Em matéria de greves, há três aspectos importantes a considerar:
- Primeiro aspecto: a perturbação política.
- O Governo nunca imaginou ter um fim de mandato tão atribulado. Pensava que tinha pela frente um passeio para a maioria absoluta e enganou-se. Está cercado de greves por todo o lado. É sempre assim – quando não há oposição política a sério, feita pelos partidos, há oposição na rua, nas empresas ou na administração pública, feita pelos sindicatos.
- Segundo aspecto: a novidade da greve dos enfermeiros.
- Esta greve é realizada à margem das Centrais Sindicais. Pelo menos da CGTP, que a critica violentamente. Tal como o PCP. Isto é uma novidade. Uma Central Sindical contestar uma greve? Nunca se tinha visto!!
- O que é que isto significa? Que está a ocorrer em Portugal uma mudança de paradigma. Os sindicatos tradicionais estão em crise. Estão marcados politicamente, com estratégias muito partidárias e cada vez mais desligados do terreno. Por isso, surgem movimentos novos, diferentes, inorgânicos, que os partidos e as centrais sindicais não controlam. Esta mudança de paradigma está a acontecer em todo o mundo e também chega a Portugal.
- É isto que põe o PCP furioso, quase de cabeça perdida. É que o PCP vive de controlar o mundo sindical. Quando o PCP perder o controlo da rua e da contestação torna-se irrelevante.
- Terceiro aspecto: a boa notícia – acordo com os estivadores. Pela estabilidade que cria. Pelo fim da precariedade que gera para muitos trabalhadores. Pela salvação do Porto de Setúbal. De saudar o notável esforço de mediação realizado pela Ministra do Mar.
VARA CONTRA CARLOS ALEXANDRE
- O que surpreende nas declarações de Armando Vara contra o Juiz Carlos Alexandre não é o desabafo. É compreensível que alguém que se considera injustiçado queira desabafar a sua indignação. O que surpreende é a falta de rigor e a falta de verdade em tudo o que disse e insinuou.
- Armando Vara insinuou que, se não fosse o Juiz Carlos Alexandre, não estaria na situação em que está. Isso é mentira:
- Primeiro: não foi o Juiz Carlos Alexandre que o investigou e acusou. Foi o Ministério Público.
- Segundo: não foi o Juiz Carlos Alexandre que o condenou. Foi um Tribunal em Aveiro, onde não estava Carlos Alexandre.
- Terceiro: não foi o Juiz Carlos Alexandre que confirmou a decisão de condenação. Foi o Tribunal da Relação, onde não está Carlos Alexandre.
- Quarto: não foi o Juiz Carlos Alexandre que indeferiu o seu último recurso. Foi o TC, onde não está Carlos Alexandre.
De um cidadão que até já foi Ministro esperava-se, ao menos, um pouco mais de rigor, verdade e honestidade intelectual.
CONTROLO POLÍTICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?
- As propostas do PSD – inicialmente com um apoio discreto do PS – que visam mudar a composição do CSMP têm na prática um objectivo: tentar controlar a acção do Ministério Público. E não surpreende que venham do lado de Rui Rio.
- Em Portugal há dois políticos iguais na vontade de controlar a justiça e a comunicação social: José Sócrates e Rui Rio. Nessa matéria, eles são verdadeiros irmãos siameses. Podem até ser diferentes nas intenções e no carácter, mas nas ideias são iguais. Um e outro gostavam de poder dizer o que se investiga, como se investiga e quando se investiga.
- O que surpreende em Rui Rio são três coisas:
- Primeiro: combate à corrupção. Rio é um homem sério. Apesar disso, nunca é capaz de ter uma palavra firme a favor do combate à corrupção. É sempre: sim, mas. Sempre muito dúbio!
- Segundo: Joana Marques Vidal – A ex-PGR fez história no combate à corrupção. Nunca como nos últimos anos o Mº Pº foi tão firme e tão determinado na investigação contra a corrupção. Todavia, nunca Rui Rio teve uma palavra clara de apoio. Foi sempre ambíguo!
- Terceiro: prioridades invertidas. A grande prioridade no que ao Mº Pº diz respeito é dotá-lo de meios para um combate mais eficaz e mais rápido à corrupção e ao crime em geral. Em vez disso, Rui Rio preocupa-se com a mudança da composição do Mº Pº. Tudo do avesso!
MACRON E MAY EM CRISE
O que têm em comum Emannuel Macrom e Theresa May? Ambos estão em crise, porque ambos têm um problema de falta de autoridade.
- Presidente Macron – Aconteceu agora a Macron, com a contestação dos Coletes Amarelos, o que sucedeu a Cavaco Silva, em 1994, com o bloqueio da ponte e o que sucedeu a Passos Coelho, em 2012, com a grande manifestação contra a TSU. Todos tiveram que ceder perante a contestação inorgânica. Todos perderam autoridade. Todos ficaram mais fracos.
- Macron conseguirá recuperar? É difícil. Quando um político perde autoridade, fica sujeito a mais exigências. E mais exigências dão normalmente origem a mais cedências. Depois, é de cedência em cedência, até à derrota final. Leva tempo mas é quase inevitável.
- Primeira-Ministra May – A PM britânica está em crise desde 2017. Convocou eleições antecipadas, pensando que reforçava a maioria que tinha herdado. Perdeu a maioria. Perdendo a maioria, perdeu autoridade. Esta semana isso ficou claro: venceu uma moção de censura interna mas teve de se comprometer a sair da liderança antes de eleições; foi obrigada a recuar, adiando a votação do Brexit no Parlamento; foi a Bruxelas pedir ajuda e saiu de lá de mãos vazias.
- Se o acordo chumbar no Parlamento, não há nenhuma boa solução: ou um adiamento da saída do RU, o que gera mais incerteza; ou um segundo referendo, em que tudo pode acontecer; ou uma saída descontrolada, que é uma aventura e um tiro no escuro.
Em conclusão: o enredo do Brexit mais parece uma peça de Shakespeare!!!