Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre o novo aeroporto do Montijo, o caso Tancos e o processo Marquês, entre outros temas.
NOVO AEROPORTO DO MONTIJO
- O Governo disse esta semana que estava em fase adiantada a negociação com a ANA, com vista à construção do novo aeroporto do Montijo.
- Hoje posso dar em primeira mão a seguinte notícia:
a) O acordo global entre o Governo e a ANA já está definitivamente feito e a cerimónia pública da sua assinatura deverá realizar-se na primeira quinzena de Outubro;
b) O investimento total – no Montijo e na ampliação da Portela – será de cerca de mil milhões de euros;
c) O Estado não despenderá um único euro. A ANA assegurará o investimento total da obra, o qual será compensado com o alargamento da concessão inicial para a alargar ao novo aeroporto do Montijo;
d) A obra deverá estar concluída em 2022, quer seja o novo aeroporto do Montijo, quer seja a ampliação do aeroporto da Portela, cuja capacidade aumentará em cerca de 20%;
e) A actual pista 17-35 (que era um ponto de discórdia) será encerrada uma vez que o Governo encontrará uma alternativa.
Em conclusão: é um grande avanço para o país. Já se perderam dois anos nesta obra. Com consequências: em 2017 já houve uma perda de 680 mil passageiros e este ano essa perda pode chegar a 1,8 milhões.
VIOLAÇÃO – PRISÃO OU PENA SUSPENSA?
- Esta semana houve grande contestação a uma decisão da Justiça sobre um caso de violação. Mais importante, todavia, que a análise dum caso concreto é a tendência geral que hoje em dia existe na Justiça portuguesa em relação a crimes de violação ou de abuso sexual. E a tendência é esta: poucos casos de prisão efectiva; a maior parte das situações consagra condenações com penas suspensas.
- Esta tendência é muito preocupante, por 2 razões essenciais:
a) Primeiro: esta tendência demonstra um grande desfasamento entre o que pensa a sociedade e o que decide a Justiça. A sociedade é cada vez menos tolerante com os crimes de violação ou de abuso sexual. E bem. A Justiça, ao contrário, dá sinais de ser bastante permissiva. Há uma certa ideia de impunidade para violadores e abusadores. E isto é muito mau.
b) Segundo: estes crimes estão a crescer a um ritmo significativo e a verdade é que as penas aplicáveis não estão a ser suficientemente dissuasoras. Não está a ser cumprida a missão de prevenção geral.
Para o potencial violador ou abusador – como não há mão suficientemente pesada na Justiça – gera-se a ideia de que o crime compensa. Que vale a pena arriscar. Este sentimento de uma certa impunidade não augura nada de bom na sociedade.
- O que se impõe fazer? O objectivo tem de ser: reforçar a confiança da comunidade nas leis do país e nas decisões da Justiça. Para isso é essencial:
a) Uma reflexão séria por parte dos magistrados (a Justiça deve ser mais firme e menos permissiva);
b) Uma reflexão séria por parte dos políticos (pensar se é ou não necessário actualizar as leis da República).
O ROUBO DE TANCOS
- Sempre achei o caso de Tancos muito grave. Importa, porém, recordar que o Governo tudo fez para o desvalorizar.
- Primeiro, ao afirmar que o material roubado era obsoleto;
- Depois, ao sublinhar que o caso não tinha tido grande repercussão internacional;
- A seguir, o Ministro até admitiu a hipótese de não ter havido roubo;
- Finalmente, porque o material roubado até havia sido recuperado.
- Constata-se agora que o Governo não tinha qualquer razão. O caso de Tancos, afinal, é duplamente grave: é grave pelo roubo em si mesmo, que continua por esclarecer; e é grave porque ficámos agora a saber que a Polícia Judiciária Militar foi conivente com o criminosos que roubou as armas. Aqui chegados, há duas questões que o Governo e as Forças Armadas têm de esclarecer com rapidez:
- Primeira questão: segundo o jornal Público de ontem, o Director da PJM terá confessado que fez um acordo com o assaltante de Tancos – o assaltante devolvia as armas roubadas e, em contrapartida, ficava ilibado e impune.
Pergunta-se: mas é admissível que uma Polícia faça um acordo com um criminoso em vez de o prender e levar à Justiça? E esse acordo, a ter existido, foi só da iniciativa do Director da PJM ou tinha a cobertura de mais alguém? O Ministro sabia? O CEME tinha conhecimento? E o que acham do que sucedeu? Um e outro – Ministro e CEME – têm de esclarecer. Não acredito que tenham algo a ver com isto, mas não podem deixar de esclarecer.
- Segunda questão: segundo o mesmo jornal Público, o Director da PJM invocou que fez esse acordo por razões de interesse nacional. Porque, segundo ele, o importante era recuperar as armas roubadas.
Pergunta-se: mas é uma Polícia que define o que é interesse nacional? Interesse nacional, que se saiba, é definido pelos órgãos de soberania. Isto é tão grave que não pode passar sem uma explicação imediata.
- O que fazer agora? Para além destes esclarecimentos, há duas outras coisas que o Governo tem de fazer:
a) Primeiro: demitir imediatamente o Director da PJM. Mesmo não estando ainda acusado e muito menos condenado, a verdade é que sobre ele recai uma suspeita gravíssima. E a suspeita, só por si, afecta a credibilidade das Forças Armadas. Mantê-lo em funções, ainda que sem as exercer, seria desastroso para as Forças Armadas.
b) Segundo: o Governo deve mandar fazer de imediato uma auditoria independente à PJM, no que respeita ao período do mandato do seu actual Director. A questão é esta: se este Director prevaricou uma vez, bem pode ter prevaricado noutras ocasiões ao longo do seu mandato. A partir de agora, a suspeita está instalada e pode ser generalizada. E só há uma forma de acabar com a suspeita – é fazer uma investigação à própria PJM, através de uma auditoria independente.
O CASO DE PEDRÓGÃO
- Primeiro: é uma investigação complexa mas importante. A Justiça está a cumprir a sua missão e isso dá confiança aos cidadãos. E era completamente óbvio que esta investigação acabaria com a acusação de homicídio por negligência.
- Segundo: o Presidente da Liga dos Bombeiros veio, entretanto, dizer que esta decisão do MºPº é injusta para os Bombeiros. Julgo que não tem razão.
a) Esta decisão não é contra os Bombeiros. Em boa verdade, as centenas e centenas de bombeiros que combateram os incêndios são vítimas e não réus.
b) Esta decisão é contra alguns responsáveis e alguns dirigentes que demonstraram: incompetência, negligência, impreparação e até incumprimento de leis e regulamentos.
- Terceiro: no plano político, esta decisão é um revés para o Governo. O Governo tudo fez, ao longo do tempo, para desvalorizar o que sucedeu: nunca assumiu qualquer culpa; nunca reconheceu qualquer falha humana. Afinal, a Justiça aponta para falhas humanas generalizadas.
- É caso para dizer: no caso de Pedrógão, como no caso de Tancos, como no caso do Infarmed, a sorte do Governo é mesmo não ter oposição.
O PROCESSO MARQUÊS
- Ocorreu esta semana o sorteio para definir qual o Juiz que presidirá à instrução neste processo. Houve grande suspense e mediatismo. Julgo que nem um nem outro fazem sentido: Carlos Alexandre e Ivo Rosa são, ambos, dois bons magistrados. Decidem face à lei e às provas.
- De Carlos Alexandre, diz-se – mas favorece muito a investigação. Talvez. Mas a verdade é que as suas decisões foram objectivo de recurso e não perdeu qualquer recurso.
- De Ivo Rosa, sabe-se – é mais aberto ao contraditório. E é um magistrado muito rigoroso e responsável.
- Mais importante é perceber a evolução do processo. Vejamos:
a) A acusação já é de Novembro de 2017. Passaram 10 meses. Mesmo assim, ainda nem sequer começou a instrução. Provavelmente só começará lá para Novembro ou mais tarde. Um ano depois da acusação.
b) A instrução deste caso levará provavelmente o ano de 2019. Porque é um caso muito complexo. Ou seja: não houve julgamento em 2018 e não haverá julgamento em 2019.
c) Provavelmente, não haverá também julgamento em 2020. Pelo menos, no primeiro semestre. Porquê? Porque, depois da instrução, haverá despacho de pronúncia. Deste, não há recurso. Mas os interessados podem arguir nulidades. E da decisão sobre estas haverá recursos.
- Ou seja, o ano de 2020 será ocupado certamente com a análise e decisão de recursos.
d) Em conclusão: não houve julgamento em 2018. Não haverá julgamento em 2019 e 2020. Provavelmente só em 2021. E depois demorará uns bons quatro anos. Até 2025. E depois mais quatro anos para recursos.
PASSOS RECUSA CONDECORAÇÃO – PORQUÊ?
- Segundo o Expresso, Passos Coelho recusou ser condecorado pelo PR, alegando que é muito novo para receber condecorações nacionais. Politicamente, o que é que isto significa?
a) Primeiro: não significa deselegância. Significa que Passos Coelho não quer ser visto como um reformado político. Não quer ser visto como alguém que abandonou em definitivo a vida política.
b) Segundo: significa que Passos Coelho, mais dia, menos dia, quer regressar à vida política. E, ao que se diz nos bastidores, não quer esperar oito anos e ser candidato presidencial.
- Ele quer voltar a ser líder do PSD e Primeiro-Ministro. No fundo, considerará que a sua missão ficou inacabada. Ainda por cima, pelo facto de nunca ter perdido uma eleição.
- As duas questões que se colocam são outras:
a) Primeira – Regressar, sim. Mas quando? Em 2019, logo a seguir a Rio, caso o PSD perca as eleições, ou mais tarde? Acho que a resposta a esta questão vai depender sobretudo do resultado das próximas eleições e do facto de o PS ter ou não maioria absoluta.
b) Segunda – A segunda questão é: e vai ter condições e apoios para voltar? Eu diria que no PSD sim, sem dúvida. Passos tem um apoio fortíssimo no PSD. O problema é no país. Aí o problema é mais sério. E o desgaste de imagem que teve no Governo precisa de tempo para ser ultrapassado
A REVOLUÇÃO DE ANGOLA
- Sucedeu esta semana em Angola algo de absolutamente inédito – a prisão preventiva de um dos filhos do ex-Presidente da República. E há outras investigações em curso a várias figuras poderosas do regime. O que é que isto significa? Que está a acontecer em Angola uma mudança profunda em Angola. Pode não ser perfeita. Pode até ter aspectos de ajustes de contas. Mas é uma mudança radical e profunda. Quase uma revolução.
- Porquê este comportamento do novo Presidente João Lourenço?
a) Primeiro: por uma questão de poder. Se João Lourenço exercesse o poder da mesma forma que o fazia José Eduardo dos Santos, estava condenado ao fracasso. Morria em pouco tempo. O regime estava caduco. Daí a mudança e a revolução que está em marcha.
b) Segundo: por uma questão de popularidade. Este tipo de decisões só faz aumentar a popularidade de João Lourenço. E ele precisa disso. Sobretudo, enquanto dura a crise económica. Como não tem pão e emprego a dar aos angolanos, dá-lhes esperança num regime melhor.
c) Terceiro: por uma questão de credibilidade. Este conjunto de decisões reforça a credibilidade internacional de Angola. E Angola precisa de credibilidade externa como de pão para a boca. É que sem credibilidade não tem investimento. E sem investimento não tem recuperação económica.