Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre a Geringonça II, as leis laborais aprovadas, a audição de Pinho, a guarda conjunta das crianças e o caso Tancos, entre outros temas.
GERINGONÇA II?
- O líder parlamentar do PCP deu uma entrevista ao Público a dar um sinal de que o PCP poderia estar disponível para uma segunda geringonça. Depois de tantos sinais em sentido contrário, porquê esta guinada? Será que o PCP mudou de opinião? Será que se arrependeu?
- Não, não e não. Isto é apenas uma manobra táctica. Nem vai haver geringonça depois de 2019, nem o PCP a quer repetir. O que PCP não quer é perder votos.
- E corre o risco de perder votos se ficar a ideia de que a geringonça não se repete por vontade do PCP. Porque a geringonça é muito popular à esquerda. Ora, o PCP não quer parecer o mau da fita.
- E corre o risco de perder votos se passar a ideia de que o PCP vai para o oposição e que deixa de influenciar algumas políticas. É a ideia de que o voto no PCP é inútil.
- Em conclusão, o PCP, depois de dois anos felizes com a geringonça, está hoje numa verdadeira encruzilhada.
- Por um lado, tem de aprovar o Orçamento. O PM armadilhou a questão do OE de tal maneira que ou o PCP e o BE aprovam ou há mesmo eleições. Mesmo que o PSD viabilize. O voto do PSD não conta para evitar uma crise. O PM demite-se e vai para eleições se não for a geringonça a aprovar o OE. E, com eleições, o PS ganha a maioria absoluta.
- Por outro lado, o PCP não quer repetir a geringonça, mas não pode admiti-lo antes de eleições, sob pena de inutilidade do seu voto.
- Finalmente, não parte para férias de forma muito confortável nas sondagens, como se vê nos resultados da sondagem de hoje Jornal de Negócios/Aximage. De resto, com excepção do PS, nenhum outro partido vai para férias muito feliz com as sondagens.
LEIS LABORAIS APROVADAS
- Tem havido uma certa surpresa pelo facto de as alterações à legislação laboral terem sido aprovadas com a abstenção do PSD e do CDS. Sinceramente não percebo a surpresa:
a) PSD e CDS sempre foram a favor da concertação social. E provaram-no no Governo. Em coerência, é natural que aprovem no Parlamento os acordos que são feitos em concertação social.
b) Se não o fizessem, só porque passaram do Governo à oposição, é que seria um erro de palmatória.
- A maior novidade deste debate é outra. É a confirmação, uma vez mais, de que nas questões essenciais a geringonça não se entende. Agora não se entendeu no pacote laboral. Nem na descentralização. Como não se entende na Saúde, por causa das PPP. Como não se entende no domínio financeiro, por causa do tratado orçamental. Como não se entendem na Segurança Social. Ou seja, PS, PCP e BE não se entendem em nenhuma questão essencial.
- E este é que é a verdadeira razão pela qual a geringonça não se repetirá no futuro. As razões que há 3 anos justificavam a geringonça acabaram:
- Primeira razão: Costa precisava da geringonça para salvar a sua pele política. Tinha perdido eleições. Agora já não precisa. Está em alta.
- Segunda razão: o PCP precisava da geringonça para reverter privatizações dos transportes e tratar da contratação colectiva. Agora já não precisa. Já teve esses ganhos.
- Terceira razão: o único entendimento que a geringonça tinha era nas reversões e nas devoluções de rendimentos. Mas isso acabou. Agora, é preciso fazer reformas. E aí não há entendimento possível.
- Acresce que no futuro a economia vai desacelerar. O que limita a folga financeira para medidas populares. E disso – das decisões mais difíceis – o PCP e o BE fogem como o diabo da cruz.
A AUDIÇÃO DE PINHO
- Foi um dos momentos mais deprimentes e degradantes da vida parlamentar. Um momento em que todos estiveram mal, embora com graus de responsabilidade diferentes.
- Estiveram mal os deputados. Nunca deviam ter aceitado as condições de Pinho para falar de uns assuntos e não falar de outros, que, ainda por cima, eram os essenciais.
- Mas quem se comportou de forma inqualificável foi Manuel Pinho: na forma e na substância.
a) Na forma – O ex-ministro foi arrogante, incorrecto e convencido. Mostrou que não tem cultura democrática. Reforçou a ideia de que não sabe comportar-se no Parlamento.
b) Na substância – Ao recusar-se a falar sobre o essencial – se enquanto ministro foi pago pelo Grupo Espírito Santo – Manuel Pinho mostrou várias coisas:
- Primeiro: mostrou que não percebe que alguém que foi ministro tem responsabilidades maiores que qualquer outro cidadão. E a responsabilidade fundamental é informar, esclarecer e clarificar.
- Segundo: mostrou que não percebe que uma coisa é a responsabilidade política e outra coisa é a responsabilidade jurídica, designadamente criminal. Enquanto suspeito de qualquer crime tem o direito de não falar. Enquanto ex-ministro é o contrário – tem o dever de falar, esclarecer e prestar contas. Em política, o silêncio é confissão. Quem cala consente.
- Tenho pena que naquela audição parlamentar tivesse faltado um deputado que pusesse Pinho na ordem. Que lhe desse uma boa lição de democracia. É que quem o ouviu ficou com a sensação que ainda lhe devíamos agradecer ou pedir desculpa pelo incómodo.
A GUARDA CONJUNTA DAS CRIANÇAS
- Deu entrada no Parlamento uma petição, propondo a revisão do Código Civil no sentido de que, "em caso de divórcio, o princípio a adoptar na guarda das crianças seja o da residência alternada".
- O que é a residência alternada?
a) É a guarda das crianças partilhada entre pai e mãe. A criança está uma semana com a mãe e outra semana com o pai. É a regra.
b) Pode ser em moldes diferentes, mas o tempo partilhado deve ser numa proporção que pode ir de 33% a 50% por cada um, mãe e pai.
c) Ou seja: a residência alternada significa que nenhum dos pais tem mais importância e mais responsabilidade que o outro. Partilham responsabilidades, convivências e tarefas.
- Por que é que esta petição é importante?
a) Primeiro: porque a ideia de residência alternada é um passo no sentido de uma maior igualdade de género. Hoje, o pai é normalmente discriminado. A guarda das crianças é habitualmente entregue às mães e os pais ficam com as crianças apenas ao fim de semana.
b) Segundo: porque é um passo no sentido de maior defesa e protecção das crianças. As crianças precisam de pai e de mãe, em proporções de tempo muito iguais, e não só de pai ou não só de mãe.
c) Terceiro: porque é um passo no sentido de acolher as melhores experiências e recomendações internacionais. Desde 2015 que o Conselho da Europa recomenda o princípio da residência alternada, com excepção dos casos de abuso, negligência ou violência doméstica.
d) Quarto: porque, independentemente de a lei ser mudada ou não, é uma oportunidade para reflectir sem preconceitos, para debater sem complexos e para levar os nossos tribunais a serem menos conservadores nas decisões que tomam. É que, apesar de a lei não rejeitar a regra da residência alternada (é omissa), ainda são poucas as decisões judiciais nesse sentido.
INQUÉRITO A TANCOS?
- Há uma semana critiquei o Chefe do Estado Maior do Exército e o Ministro da Defesa. Hoje, impõe-se criticar os partidos, em especial o CDS. Há uma semana admitiam um inquérito parlamentar, e bem. Uma semana depois, deixaram cair a ideia, e mal. Passam a ser cúmplices e coniventes deste caso.
- Vejamos exemplos de quatro questões sérias e graves que bem mereciam ser esclarecidas num inquérito parlamentar.
a) Primeiro: alguns meses antes do roubo em Tancos, a PJ e o MP foram alertados por fonte anónima para o facto de estar a ser preparado o assalto a uma unidade militar. Apesar deste alerta, não informaram a instituição militar, o que podia ter evitado este roubo. Por que é que não informaram? Há vários Estados dentro do Estado? Por que é que ninguém quer esclarecer?
b) Segundo: segundo se diz, há divergências sérias entre a PJ e a PJM na investigação ao roubo de Tancos. Divergências que se traduzem numa suspeita grave: a suspeita de que há militares que querem encobrir o crime e impedir a descoberta da verdade. Perante a gravidade desta suspeita, por que é que ninguém quer esclarecer?
c) Terceiro: houve um roubo numa unidade do Exército. Falhou a segurança. Foi erro humano? Foi falha material? Foram as duas coisas? E de quem é a responsabilidade? Isto não é suficientemente importante para justificar um inquérito?
d) Quarto: houve material roubado. Depois devolvido em excesso. Agora, diz-se que devolvido mas não na totalidade. Em que ficamos? Havia inventário do material ou não havia? Há material que continua na rua ou está todo recuperado? Isto não é importante? Quem é que tem medo da verdade?
- Esta tendência para nunca esclarecer nada é preocupante. Ainda agora, há poucas semanas, foi demitido, sem qualquer explicação, o Comandante do Regimento de Comandos. Toda a gente sabe que se trata de uma unidade militar de excelência e de um Comandante exemplar. E então? Ninguém explica nem esclarece? Esta falta de transparência é admissível?
TRUMP COM PUTIN
- Depois do encontro de Trump com Putin, os europeus começaram a perceber melhor que está em causa a ordem mundial criada e liderada pelos EUA depois da II Guerra Mundial. Merkel já o tem dito.
O que é essa Ordem Mundial? São três coisas essenciais:
a) Primeiro: a relação transatlântica, ou seja, a relação EUA/Europa;
b) Segundo: uma aliança militar permanente, ou seja, a NATO;
c) Terceiro: a regra do livre comércio.
- Em suma: a força do Ocidente está aqui. Na afirmação da democracia, do multilateralismo, da segurança militar e do livre comércio.
- Só que é tudo isto que está em causa com a acção de Trump: ele quer desmantelar a UE. Ele enfraquece a NATO. Ele abre uma guerra comercial.
- E o que é que torna isto ainda mais grave? Dois problemas:
a) Primeiro problema, a estratégia de Putin. A estratégia de Putin é devolver à Rússia o estatuto de grande potência que teve a ex-URSS. Uma estratégia imperialista. Que se afirma sobretudo no Ocidente. Ora, se o Ocidente se divide, Putin cresce. É dividir para reinar. Trump é, neste quadro, o aliado ideal para Putin. Faz o seu jogo.
b) Segundo problema, a Europa. A Europa tem poder económico, mas não tem poder político e muito menos militar. E o Brexit só agrava a situação. O Reino Unido é o país que na UE dispõe de maior capacidade militar. Ou seja, minada a relação transatlântica e enfraquecida a NATO, a Europa fica mais isolada e mais vulnerável.
- Numa palavra: por ignorância, loucura ou estratégia, o resultado é sempre o mesmo – Trump está a destruir os alicerces do mundo que conhecemos no pós-guerra. Com a agravante de que, tendo os EUA a economia em alta e não tendo Trump uma oposição a sério, a sua reeleição é o cenário mais provável. Decididamente o tempo não está fácil para o mundo em geral e para a Europa em particular.
NOVO LÍDER DO PP ESPANHOL
- Saiu Mariano Rajoy, entra Pablo Casado. O que é que esta mudança representa?
- Uma viragem à direita do PP espanhol. Casado é um político mais conservador que a centrista Soraya de Santa Maria.
- Um PP mais próximo da linha mais autoritária de Aznar que da linha mais centrista de Rajoy (uma certa vingança de Aznar sobre Rajoy).
- Em qualquer caso, o novo PP espanhol vai ter dificuldade em afirmar-se:
- Primeiro, porque tem o desgaste de muitos anos de poder;
- Depois, porque tem a imagem muito afectada por vários escândalos de corrupção;
- Finalmente, porque o Ciudadanos lhe retira um bom espaço de manobra. É um partido mais centrista e com uma imagem limpa. Não é por acaso que o PP está neste momento em terceiro lugar nas sondagens.