Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre o défice histórico, a carga fiscal mais alta de sempre e o buraco do Novo Banco e da banca em geral, entre outros temas.
DÉFICE HISTÓRICO
- É um resultado histórico. O défice mais baixo da democracia. O valor alcançado ultrapassou todas as expectativas. É um padrão do Governo, na gestão dos grandes números da economia: prevê menos para alcançar mais. Assim, consegue fazer uma boa gestão das expectativas.
- Por que é que foi possível um resultado destes? Duas razões essenciais:
a) Um bom desempenho da economia – Com a economia a crescer e o desempego a baixar, há mais receita fiscal e menos despesa social; e
b) Mão rigorosa do Ministro das Finanças – a prova é que a despesa corrente e despesa com pessoal em percentagem do PIB diminuíram em relação a 2016. O que torna a redução do défice sustentável.
- No plano político, este resultado tem três conclusões:
a) Primeira: este resultado é um grande trunfo eleitoral do PS e de António Costa (tem o melhor défice da democracia e pode chegar às eleições com défice praticamente zero).
b) Segunda: este resultado é um autêntico pesadelo para o PSD e para Rui Rio. O PSD fica literalmente sem discurso.
c) Terceira: é um embaraço para o PCP e o BE. Este resultado é conseguido contra as suas ideias e convicções. O que prova que, em matéria financeira, PCP e Bloco, sem ofensa, são verbos de encher. Não só não mandam como ainda têm de engolir os sapos e elefantes que o Governo lhes põe na frente.
A CARGA FISCAL MAIS ALTA DE SEMPRE
- Agora, o outro lado da história. É que não bela sem senão. O mesmo governo que é o campeão do défice é também o campeão da carga fiscal. Prometeu não aumentar impostos. Agora, segundo o INE, fica para a história como o Governo que alcançou em 2017 a carga fiscal mais alta de sempre.
- A carga fiscal em 2017 cresceu em relação a 2016 e cresceu mesmo mais que a riqueza nacional. Só nos impostos indirectos (caso do IVA), a receita fiscal ficou acima do orçamentado quase 900 milhões de euros.
- Com uma agravante: tudo é feito com grande cinismo. Para as pessoas não notarem muito, a habilidade que este governo faz é aumentar sobretudo os impostos indirectos (caso do IVA ou dos combustíveis). Só que estes são os impostos mais injustos de todos. Enquanto no IRS se paga em função dos rendimentos, aqui, nos impostos indirectos, pagam todos por igual – os ricos, os pobres e os remediados.
- No plano político este é um dos maiores calcanhares de Aquiles do Governo. Esta carga fiscal tão alta prova três coisas: primeiro, que em matéria fiscal o Governo prometeu e não cumpriu; segundo, que com esta carga fiscal tão elevada dificilmente seremos um país competitivo; terceiro, que com esta carga fiscal tão alta dificilmente conseguimos ter níveis de poupança satisfatórios.
- Só que António Costa é um Primeiro-Ministro com sorte. Como tem uma oposição meiguinha e frouxinha, lá vai conseguindo passar impune entre os pingos da chuva.
O BURACO DO NOVO BANCO
- Por que é que acontece este nível brutal de imparidades? Porque continuamos a pagar a factura do antigo BES de Ricardo Salgado – empréstimos mal concedidos; decisões erradas; gestão danosa; favorecimentos pessoais, políticos ou empresariais.
- Porquê só agora? Porque o Novo banco só agora está a arrumar a casa. Só agora está a fazer a grande limpeza que o BCP e a CGD já fizeram antes. No campeonato das imparidades, o Novo Branco vai atrasado.
- Este atraso é culpa da Administração do Banco? Não. Esta limpeza, nesta dimensão e tamanho, não foi feita antes, em 2015 e 2016, porque tal afectaria os ratio de capital do Banco e o Fundo de Resolução não tinha meios para repor capital.
- E o futuro? É de esperar três coisas:
a) Primeiro: ainda que em valores não tão elevados, ainda vamos ter novas imparidades a registar. A casa ainda não está totalmente limpa e arrumada;
b) Segundo: um emagrecimento do Banco. Em estruturas e pessoas. É mau e é duro? Seguramente que sim. Mas é uma inevitabilidade.
c) Terceiro: no final, esperamos ter um Banco mais pequeno, sem dúvida; mas ao mesmo tempo um Banco rentável e operacional. Afinal, o Novo Banco é muito importante para a nossa economia, especialmente para as PME.
QUEM SÃO OS CULPADOS DOS BURACOS DOS BANCOS?
- Os problemas financeiros da CGD e do Novo Banco suscitam novamente três questões importantes: por que é que tudo isto sucedeu? Quem beneficiou com esta situação? Por que é que os portugueses não conhecem toda a verdade?
- Vejamos o caso da CGD. Sendo um Banco público, é o caso mais grave:
- A CGD teve centenas de milhões de prejuízos, sobretudo no tempo de Santos Ferreira e Armando Vara.
- Esses prejuízos obrigaram o Estado a uma recapitalização de muitos milhares de milhões.
- Paulo Macedo e a sua equipa têm de fazer uma gestão exigente e difícil para salvarem o Banco do Estado.
- E, ainda por cima, o défice do país agrava-se por cauda de tudo isso.
- Tudo isto é conhecido, mas falta conhecer o resto. E o resto é:
a) Quais foram os créditos que geraram estes prejuízos monumentais?
b) O que levou a esses prejuízos? Foram más decisões? Foram favores políticos ou pessoais? Foram favores empresariais? Foram pressões dos Governos? Foi gestão danosa?
c) Terceiro: quem foram os beneficiários dessas decisões irresponsáveis?
- Sobre tudo isto, há um enorme complô em Portugal. Um complô de silêncio e de encobrimento. Um complô que envolve políticos e não políticos. Um complô que envolve Governo e oposição. Um complô que vai da direita à esquerda.
- Já houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No que deu? Em nada.
- Já houve tribunais a dizer que nestes casos se justificava afastar o sigilo bancário. O que sucedeu? Nada.
- O Ministro das Finanças prometeu uma auditoria à CGD. Ao que parece, ainda não terminou. Será que finalmente vai haver direito à verdade e à transparência? É tempo de nos deixarmos de paninhos quentes e de meias verdades.
AS MUDANÇAS NO PCP E NO BLOCO
- Está em curso uma significativa mudança na estratégia do PCP e do BE: o PCP afasta-se cada vez mais do Governo; o BE, ao contrário, aproxima-se.
- Os sinais de mudança vêem-se em vários lados: nas leis laborais; nos cortes dos bónus das pensões; nos spreads à habitação.
- O que quer o PCP? Quer esticar a corda e descolar do Governo, sem, todavia, deixar cair o Governo. Porquê?
a) Primeiro, por uma razão táctica: a proximidade do 1º de Maio. Daí o grande número de greves previstas, todas por iniciativa da CGTP;
b) Depois, por uma razão estratégica: o PCP quer chegar às eleições distanciado do Governo, para não pagar o preço eleitoral que pagou nas autárquicas. E depois das eleições dificilmente repetirá a geringonça.
- Percebe-se esta mudança estratégica no PCP. O partido está farto de engolir "sapos e elefantes" e está muito traumatizada pela "pancada" que levou nas eleições autárquicas.
- Mesmo assim, não é líquido que o PCP ganhe com esta radicalização. É que António Costa tem uma grande capacidade de "entrar" no eleitorado do PCP. Já no passado se viu isso em Lisboa, quando Costa era Presidente da Câmara. Reduziu o PCP à insignificância.
- O que quer o Bloco? Quer aproximar-se do PS para tentar entrar no Governo a partir de 2019. Porquê?
a) O BE quer passar de partido de protesto a partido de poder;
b) O BE quer ir para o Governo;
c) O BE sente que é a partir do Governo que pode crescer. Porque tem bons quadros e uma assinalável capacidade política e de comunicação.
- Em conclusão: está em curso na extrema esquerda uma mudança significativa. E não é de cosmética. É mais profunda do que se pensa.
ELOGIOS DE COSTA A RIO
- António Costa deu uma entrevista à Visão. No essencial, é mais do mesmo. A novidade são os elogios a Rui Rio. Também aqui há uma mudança em curso.
- Com Passos Coelho, o PS e António Costa eram muito violentos;
- Com Rui Rio, o PS e Costa são muito simpáticos. Vivem em "lua-de-mel". O PS não critica Rio. Os comentadores da área do PS são muito complacentes com Rio. E, agora, até o PM faz elogios a Rui Rio.
- Porquê esta mudança do PS e de Costa?
a) Há uma explicação óbvia – Rui Rio dá jeito a António Costa. Porque faz uma oposição "meiguinha". Porque não incomoda muito. Porque é o líder da oposição ideal. Por isso, há que mantê-lo. Sinceramente, acho essa explicação bastante simplista.
b) Acho que há outra explicação: é que António Costa, no seu íntimo, não descarta a hipótese de um Governo de Bloco Central e Rui Rio não desdenha essa hipótese.
- Costa quer uma maioria absoluta. Mas, se não a tiver, não descarta fazer um Governo com o PSD de Rui Rio. Porque é difícil repetir a geringonça. E sobretudo passar mais 4 anos sem fazer reformas.
- Rio, por sua vez, se perder as eleições, só tem uma hipótese de tentar aguentar-se na liderança: é ir para o Governo, distribuindo lugares pela sua clientela política.
- Claro que até às eleições ambos desmentirão qualquer ideia de Bloco Central. Mas também foi assim em 1983. Antes das eleições, Mário Soares e Mota Pinto desmentiram que se fossem coligar. A seguir às eleições foram juntos para o Governo.
O CASO DA RÚSSIA
- Primeiro: uma vitória do governo britânico. Estava fragilizado por causa do BREXIT. Conseguiu disfarçar o fracasso do BREXIT e conseguiu reforçar-se politicamente à custa de uma forte solidariedade internacional.
- Segundo: por que é que Portugal teve posição diferente da dos seus aliados?
a) Ao que apurei, não foi nem por razões de política interna (para agradar ao PCP e ao BE), nem por causa da eleição de Guterres para a ONU;
b) Ao que apurei, foram sobretudo 4 razões a ditar a posição de Portugal:
- Primeira – A vontade de ter uma posição semelhante à de Guterres, ou seja, uma posição de moderação. Até houve contactos prévios e telefónicos com o Secretário-Geral da ONU.
- Segunda – A ideia de que a Europa vai ter de fazer pontes com a Rússia e de que Portugal, nesse caso, está a agir por antecipação.
- Terceiro – Uma razão semelhante à de Luxemburgo, ou seja, o facto de Portugal ter poucos diplomatas na Rússia (só três).
- Quarto – Embora numa escala de menor relevância, a candidatura de António Vitorino para Alto Comissário das Migrações.
- Terceiro: faz sentido esta posição de Portugal? Não minha opinião, NÃO. Não se percebe o que Portugal tem a ganhar. Mas percebe-se o que tem a perder.
- Perdemos no plano dos valores (os nossos valores são os da democracia, da liberdade e dos direitos humanos).
- Perdemos no plano dos interesses (os nossos interesses estão no quadro europeu e transatlântico).
- Perdemos na atitude. Neste caso, prudência soa a ambiguidade. E isso não gera credibilidade. Nem nos nossos aliados da UE e da NATO nem na própria Rússia.