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03 de Dezembro de 2017 às 21:02

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. Centeno no Eurogrupo, do conflito Governo/BE nas Renováveis, do impasse na Autoeuropa dos serviços do Estado fora de Lisboa e das relações entre Portugal e Angola.

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CENTENO NO EUROGRUPO

 

  1.      Primeira questão: a que se deve esta candidatura (e provável eleição) de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo? Fundamentalmente a 4 razões: o presidente do Eurogrupo tem de ser um socialista (o PPE já detém as demais presidências da UE); só há 5 Ministros das Finanças socialistas no Eurogrupo; o mais pretendido dos 5 é o ministro italiano, mas já há 2 italianos a liderar instituições europeias (BCE e PE); e, finalmente, Portugal está neste momento bem visto em Bruxelas, em Berlim e em Paris.

 

  1.      Segunda questão: esta decisão é boa para o próprio e para Portugal.

a)     É boa para o Ministro das Finanças – É uma valorização do seu estatuto, um reconhecimento do trabalho que tem realizado e a aposta numa carreira internacional. É uma vitória pessoal.

b)     É também uma boa decisão para Portugal.

  •        Primeiro: dá prestígio a Portugal. Há 3 anos eramos um país sob resgate. Três anos depois, presidimos ao Eurogrupo. É prestigiante.
  •        Segundo: vai dar-nos algum poder de intervenção. Uma das próximas prioridades da União Europeia é a reforma da Zona Euro. No momento em que Centeno preside ao Eurogrupo, Portugal vai ter uma voz mais activa na definição do futuro modelo de reforma.
  •        Finalmente: para quem é adepto em Portugal de contas públicas em ordem, esta é também uma boa notícia. Com Centeno a presidir ao Eurogrupo, Portugal tem de dar o exemplo de disciplina orçamental. Vamos ter, pois, menos aventuras financeiras e mais disciplina orçamental. Afinal, quem lidera tem de dar o exemplo.

 

  1.      Terceira questão: uma decisão que traz alguns amargos de boca à coligação governamental.

a)     Primeiro: os parceiros da geringonça, PCP e BE, não acham graça a esta mudança. É mais um atrito dentro da coligação. É que para eles, que são contra a política do Euro, isto significa que Centeno se passou para dentro do "inimigo".

b)     Depois, porque já perceberam que o espaço de manobra orçamental, em vez de aumentar, diminui.

c)      Finalmente, acabou a desculpa de Bruxelas e da Europa. Aquela ideia de que, quando alguma coisa corre mal, a culpa é de Bruxelas, do Euro ou do Tratado Orçamental, isso acabou. Quando algum dos parceiros de coligação quiser usar esse argumento, a oposição de imediato lhes atirará à cara com Mário Centeno, presidente do Eurogrupo.

 

 

O CONFLITO GOVERNO/BE (RENOVÁVEIS)

 

  1.      Este foi mais um caso em que o Governo "meteu o pé na argola". Foi a asneira da semana. Teve de andar a dar o dito pelo não dito. Mesmo assim, há que distinguir entre o plano do conteúdo da proposta do Bloco de Esquerda e o plano da cambalhota feita pelo Governo. 
  1.      Quanto ao conteúdo da sua proposta, o Bloco de Esquerda não tem razão. A sua proposta, se tivesse sido aprovada, ia ter duas consequências graves para o interesse público:

a)     Primeiro: ia desencadear pedidos de indemnização ao Estado por parte de vários investidores. Porquê? Porque o Estado estaria unilateralmente a mudar as regras do financiamento às energias renováveis. Como diz o insuspeito Vital Moreira, o Estado iria pagar de indemnizações valores superiores às receitas que iria arrecadar.

  •        De resto, em Espanha já está a suceder isso mesmo. Espanha tomou há poucos anos uma decisão semelhante e os tribunais estão a condenar o Estado espanhol ao pagamento de indemnizações.

b)     Segundo: seria mais uma medida contra a atracção de investimento estrangeiro. Mais uma vez seria passar a mensagem de que Portugal não é um país fiável e de confiança – assume compromissos e depois não os cumpre.

 

  1.      Já quanto à cambalhota do Governo, aí o Bloco tem inteira razão. Afinal, o PS deu o dito pelo não dito. Votou a favor num dia e votou contra três dias depois. Não foi um partido leal. Nem sequer deu uma explicação clara e transparente sobre a mudança de posição.

 

  1.      Mas a questão de fundo é esta: por que é que o PS teve que dar esta cambalhota? Porque a sensação que fica é que não há coordenação dentro do Governo, em grande medida por aquilo que tenho dito: este governo tem um defeito de fabrico. Não tem um número dois, um vice-primeiro-ministro, alguém com peso e estatuto político capaz de substituir o PM e de fazer coordenação política. 

 

A GERINGONÇA VAI ATÉ AO FIM?

 

  1.      Voltou esta semana a especular-se: será que esta coligação vai mesmo até ao fim? Tendo sido tão difícil negociar o OE para 2018, será que ainda se vai conseguir aprovar o próximo? O Governo não está a perder o pé à situação? 
  1.      A minha convicção é esta: o Governo está a fazer muitas asneiras; as tensões na geringonça são grandes; aprovar o próximo orçamento não será fácil; mas a coligação vai mesmo até ao fim. E porquê?

a)     Primeiro: se quisessem provocar uma crise, os três parceiros da coligação podiam tê-la provocado neste OE para 2018. Todos tiveram pretextos:

  •        O PCP teve o pretexto do descongelamento de carreiras (o Governo não deu ao PCP o que o PCP queria).
  •        O BE teve o pretexto da taxa sobre as eléctricas (o Governo deu o dito pelo não dito).
  •        O Governo teve o pretexto das exageradas exigências dos seus parceiros (se quisesse, tinha esticado a corda).
  •        E a conclusão qual foi? Apesar de cada um ter os seus pretextos e as suas razões de queixa, ninguém quis abrir uma crise.

b)     Segundo: hoje, em Portugal, ninguém quer uma crise política. Não querem os partidos da oposição, PSD e CDS, porque não estão ainda preparadas para disputar com sucesso eleições legislativas. E não querem os partidos da geringonça, os únicos que podem provocar eleições antecipadas, porque não querem ser responsabilizados pela queda do governo. Todos têm a convicção de que, com a economia a crescer e com o desemprego a baixar, quem provocar uma crise será fortemente penalizado. Todos têm medo de poderem perder mais do que o que poderiam ganhar.

  •        Pior ainda. Se algum dos parceiros da coligação fizesse cair o Governo e abrisse uma crise política, imediatamente seria responsabilizado pelos outros de estar a ajudar a direita a regressar ao poder. Ninguém quer ficar com essa responsabilidade. Todos se lembram do que sucedeu em 2011 com o chumbo do PEC4. 
  1.      Coisa diferente é a nova fase em que vamos entrar e que se vai caracterizar por dois aspectos novos:

a)     Primeiro: em 2018, PCP e BE vão ser mais oposição do que foram até hoje. Vão acentuar mais as divergências em relação ao PS. Vão ser menos solidários com o Governo. Cada um vai cumprir apenas, em termos de coligação, os serviços mínimos.

b)     Segundo: no OE para 2019, o Governo vai ter de fazer mais cedências e mais concessões do que devia fazer e do que à partida pensaria fazer. Falta saber se a economia e Bruxelas garantem "folga" para isso.

 

 

O IMPASSE NA AUTOEUROPA

 

  1.      É a segunda vez em pouco tempo que na Autoeuropa os trabalhadores rejeitam um acordo celebrado pela sua Comissão de Trabalhadores. Isto dá que pensar.

a)     PrimeiroHá um facto antigo e recorrente: debaixo de uma capa sindical há uma guerra política. Uma guerra entre as correntes políticas do PCP e do BE. Esta guerra é antiga, tinha vindo a perder força mas voltou agora com mais impacto.

b)     Segundo – Há, por outro lado, um facto novo. O habitual é haver conflitos laborais entre os trabalhadores e a administração de uma empresa. Aqui é diferente – é um conflito entre trabalhadores. De um lado a Comissão de Trabalhadores; do outro o plenário dos trabalhadores.

c)      TerceiroHá aqui também o reflexo do que está a suceder na sociedade: o surgimento de fenómenos inorgânicos de contestação. Na sociedade isso está a suceder sobretudo com as redes sociais. Hoje são elas que marcam, mais que os partidos ou os sindicatos, a agenda política e mediática. Nas empresas sucede algo de semelhante – há movimentos inorgânicos, correntes independentes, factores individualistas e até lógicas geracionais que fogem ao completo controle das organizações tradicionais.

 

  1.      O ponto é que o resultado final é muito preocupante. Não quero ser alarmista mas a realidade é esta: nós, portugueses, em vez de criarmos as condições para atrair para Portugal mais uma ou duas Autoeuropas, estamos a pouco e pouco a criar as condições para que a única Autoeuropa que temos se vá progressivamente afastando de Portugal. Pode não ser já, nas próximas semanas ou nos próximos meses. Mas convinha não esquecer: quem semeia ventos normalmente colhe tempestades.

 

SERVIÇOS DO ESTADO FORA DE LISBOA?

 

Depois do caso do Infarmed, tivemos esta semana o Ministro das Agricultura a dizer, em entrevista ao Público, que fazia todo o sentido o Ministério da Agricultura estar localizado fora de Lisboa. Esta intenção ministerial merece três comentários:

 

  1.      O Ministro até pode ter razão. Mas corre o risco de não ser levado a sério.  Dizer isto pode dizer qualquer um de nós. Mas ele, que é governante, é quem pode decidir. Convinha recordar ao Sr. Ministro que ele é um decisor e não um comentador ou um mero eleitor.

 

  1.      Depois, convinha, em coisas mais simples e prosaicas, ser coerente com a sua vontade descentralizadora. O ministro vai adaptar uma empresa que já existe (chamada Lazer e Floresta) para gerir uma parte da floresta. Aparentemente muito bem. O que já parece muito mal é que essa empresa continue com sede em Lisboa, onde não há floresta. Que tal o Ministro começar por mudar a sede dessa empresa para fora de Lisboa?

 

  1.      Finalmente, se o Governo está a falar a sério de descentralização de serviços, convinha que se comprometesse com duas coisas:
  •        Primeiro, decidir que novos serviços, institutos ou empresas públicas a criar passam a ser obrigatoriamente colocados fora de Lisboa;
  •        Segundo, criar um grupo de trabalho interministerial para estudar a hipótese de alguns serviços actualmente existentes serem deslocalizados, fixando condições atractivas para os respectivos trabalhadores.
  •        Só desse modo se pode fazer descentralização a sério. Tudo o resto é música celestial.

 

TRUMP – VITÓRIA OU DERROTA?

 

Quase a fazer um ano de mandato na Casa Branca, esta semana pode ter sido uma semana especial para Donald Trump. Pela vitória que teve. E pelo desaire que pode vir a ter.

 

  1.      Primeiro, a vitória que teve. Trump conseguiu esta semana a primeira grande vitória do seu mandato. Conseguiu aprovar a sua reforma fiscal – com uma brutal redução de impostos que incidem sobre as empresas.
  •        É uma solução à Ronald Reagan, que pode trazer vantagens à economia mas ser um descalabro para o défice, para a dívida e para os serviços públicos. Ou seja: pode fazer animar a economia, com mais investimento e emprego, mas vai agravar enormemente o défice público, aumentar a dívida pública americana que já é astronómica e fazer diminuir o investimento nos serviços públicos essenciais (caso da Saúde), o que agrava a vida dos mais pobres.
  1.      Segundo, o desaire que pode vir a ter. Surgiram as primeiras informações de que Michael Flynn, o ex-Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, pode ter feito um acordo com o Procurador que investiga as eventuais ligações de Trump com a Rússia e que, na base desse acordo, pode haver factos novos que comprometem o Presidente e/ou o seu vice-Presidente.

Estas investigações são hoje a grande dor de cabeça do Presidente norte-americano e indiciam que vamos ter um 2018, também neste particular, muito agitado.

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