Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Luís Marques Mendes na SIC Notícias. O Negócios revela os excertos, nos quais o comentador, esta semana, fala da execução orçamental, da rentré do PS, das viagens à China pagas pela Huawei e das autárquicas.
A LINGUAGEM DOS ÁRBITROS DE FUTEBOL
- O recente episódio com o árbitro internacional Jorge Sousa suscitou reações contraditórias: os árbitros solidarizaram-se com o seu colega; os órgãos de disciplina do futebol sancionaram o árbitro pela linguagem utilizada. Uma decisão inédita em Portugal.
- O que dizer? O árbitro Jorge Sousa esteve mal. Muito mal mesmo.
a) Primeiro – Porque ele não está a falar em casa ou num jantar de amigos. Aí, em privado, usa a linguagem que quiser. Ele está a agir em público e investido de um poder de autoridade. Aqui tem de ter respeito pelos outros.
b) Segundo – Se um jogador dirigir expressões destas ao árbitro é expulso. Se o árbitro faz o mesmo a um atleta tem de ser penalizado. Até por maioria de razão: um juiz é uma autoridade. E uma autoridade deve dar o exemplo.
c) Terceiro – Dentro de um campo de futebol o árbitro é um juiz. Ora, um juiz não usa uma linguagem destas. Seria a mesma coisa que um juiz de direito, em tribunal, andar a insultar os advogados e o Ministério Público. Seria um absurdo.
d) Quarto – Dir-se-á: mas no futebol é sempre assim. Não sei se é verdade se não. O que sei é que o futebol não pode ser um mundo à parte. Tem que começar a entrar nos carris. Dizer isto não é ser puritano ou moralista. É, apenas, ter um pouco de bom senso.
AUTARCAS CONDENADOS DEVEM SER ELEGÍVEIS?
- Há uma semana lancei aqui um desafio aos partidos: pessoas condenadas por crimes graves (tipo corrupção) não deveriam poder ser elegíveis. Vários partidos (PS, PSD e BE) vieram publicamente assumir abertura para ponderar essa hipótese.
- Essa abertura merece ser saudada. Embora com nuances jurídicas distintas, essa abertura é um bom ponto de partida.
- Entretanto, houve algumas boas chamadas de atenção que merecem uma brevíssima reflexão.
a) Há quem diga: não é uma causa prioritária. Penso exactamente o contrário. A ideia, por exemplo, de que um corrupto possa ser Presidente de Câmara incomoda e indigna muita gente. E faz muito mal à saúde da democracia. Mudar a situação é uma questão de melhoria da qualidade da democracia.
b) Há quem diga: a lei não se deve meter nestas coisas. Penso exactamente o contrário. Há uma lei eleitoral que estabelece inelegibilidades. Do que se trata é de criar uma nova inelegibilidade. E, nesse quadro, tem de haver coerência: que sentido faz a lei impedir uma pessoa falida ou insolvente de ser candidata e já permitir que um corrupto o seja? Ser falido ou insolvente é mais grave do que ser corrupto? Um corrupto, mesmo depois de cumprir uma pena, tem mais autoridade para a função que um falido ou insolvente?
c) Há quem diga: mas há dificuldades constitucionais. Claro que sim. Mas este não é caso único. A lei sobre os metadados não tinha também problemas jurídico-constitucionais? Não chegou até a chumbar no TC? E agora, numa versão mais bem trabalhada, não está já aprovada e publicada? A questão não é jurídica. É política. É de vontade política: ou se tem ou não se tem. Tudo o resto se resolve.
AS VIAGENS À CHINA (HUAWEI)
Há, neste caso, duas situações distintas a considerar:
- Primeira: a situação do deputado do PSD, Sérgio Azevedo.
- Um deputado não tem funções executivas. Não tem que tratar de compras para o Estado. Não tem, portanto, qualquer motivação profissional para fazer uma viagem deste género.
- Logo, foi fazer turismo a convite da empresa chinesa. Se fosse um simples cidadão, nada a opor. Como é deputado não o devia ter feito. Se esta prática é crime ou não, disso cuidará a PGR. No plano dos princípios, violou uma regra elementar.
- Segunda: a situação dos dirigentes do Estado, na Saúde ou Finanças.
- Aparentemente são dirigentes ligados aos departamentos de compras públicas. E esses precisam de conhecer as empresas, os equipamentos, as inovações, os modelos. Ou seja, este tipo de deslocações pode ter justificação, desde que sejam devidamente autorizadas pelos seus superiores.
- Há, apenas, um problema: não deviam ir a custas da empresa fornecedora. Como não há almoços grátis, fica sempre uma suspeita. No momento em que sejam feitas compras para o Estado a esta empresa, fica sempre uma suspeita de favorecimento. Não havia necessidade.
AS RENTRÉES DO PS E DO BE
- As rentrées políticas já não são o que foram. Antes geravam grande expectativa. Agora não têm novidade. Estão completamente banalizadas.
- Discurso de António Costa – Bem estruturado mas com uma contradição política clara.
a) Primeiro: formalmente, é um discurso bem estruturado. Centrado nas conquistas do presente e nos desafios do futuro. É o discurso típico de quem está no Governo.
b) Segundo: mas é um discurso com uma contradição clara e evidente. Por um lado, pede consensos ao PSD; por outro lado, critica duramente o líder do PSD.
¨ Ora, a contradição é esta: quem quer consensos tem de ter um discurso apaziguador e não um discurso de críticas. Quem critica duramente o adversário não parece muito empenhado em firmar consensos.
¨ É o que me parece. Este novo discurso dos consensos é apenas para eleitor ver. Para agradar ao povo e ficar bem na fotografia. Não me parece que seja para levar muito a sério.
O DÉFICE DE 2017
- Conheceram-se esta semana os resultados da execução orçamental até Julho. O próprio Ministro das Finanças veio reafirmar que o Governo vai cumprir o objectivo de redução do défice e da dívida pública.
- O que dizer? Duas coisas:
a) Primeira: os números divulgados são bons e os indicadores são positivos.
b) Segunda: cumprir o que está previsto não é nada de transcendente. Com a economia a crescer muito mais do que o previsto, a redução do défice e da dívida devia ser muito maior. Vejamos:
¨ O Governo previa um crescimento da economia de 1,8%. O resultado final vai ficar na ordem dos 2,5% ou até mais.
¨ Isto significa mais receita para o Estado (se o PIB cresce, as receitas fiscais também sobem); e menos despesa social (se há menos desemprego, há menos subsídio de desemprego).
¨ Conclusão: com mais receita e menos desemprego, o défice devia ficar abaixo do previsto e a redução da dívida devia ser maior que a projectada.
- Por que é que isto é importante?
É que devíamos aproveitar este bom ciclo de crescimento económico em toda a Europa para duas coisas:
a) Para termos, em matéria de défice e de dívida, uma maior margem de segurança. É que a economia não vai crescer sempre a este ritmo. E basta uma pequena constipação lá fora para termos uma gripe ou uma pneumonia cá dentro.
b) Depois, para que rapidamente as agências de rating mudem o rating do país e dessa forma possamos atrair novos investidores e ter juros mais baixos.
AS ELEIÇÕES EM ANGOLA
- Cinco conclusões a tirar destas eleições:
a) Primeira: foram eleições muito participadas e realizadas num ambiente de absoluta normalidade. Em África não é muito habitual. É uma excelente imagem que Angola projecta na comunidade internacional.
b) Segunda: um Presidente da República que sai pelo seu próprio pé. Na Europa é normal. Em África é muito raro. Outro bom exemplo que Angola dá ao mundo.
c) Terceira: o MPLA consegue o seu objectivo eleitoral – a maioria qualificada – mas vê-se que está em queda. É condizente com a realidade. Mostra bem que parece ter havido autenticidade nas eleições.
d) Quarta: a oposição sobe muito, representando já cerca de 40% dos eleitores. É certo que ainda está longe do poder. Mas esta subida é boa para a democracia angolana. Dá-lhe maior equilíbrio e diversidade política.
e) Quinta: abre-se agora um novo ciclo. Há um ambiente de simpatia em torno do novo Presidente. É muito bom para um país que precisa de esperança e de coragem para dar a volta na situação difícil que atravessa.
- O que vai mudar com o novo Presidente?
- O estilo. O estilo imperial do Presidente actual vai certamente dar lugar a um estilo de proximidade e humildade do novo Presidente.
- O grau de abertura. João Lourenço não vai promover nenhuma revolução. Mas vai certamente dar sinais de abertura. Um exemplo: nunca houve eleições autárquicas em Angola. O novo Presidente prometeu fazê-las.
- O pessoal político. É praticamente inevitável que o novo Governo venha a exibir uma mudança de caras. Uma renovação de protagonistas.
- A aposta na diversificação económica. Há anos que Angola teima em ter uma economia excessivamente dependente do petróleo. Há anos que se promete diversificar a economia. O novo Presidente vai seguramente operar o início desta mudança.
- Mas, atenção! O novo ciclo que agora se abre há-se ser concretizado por fases: a primeira começa agora; mas a segunda e mais importante só se operará quando JESantos deixar a presidência do MPLA. O que só deverá suceder em 2018. A partir daí, sim, João Lourenço será um Presidente em pleno: Presidente da República e Presidente do partido.
OPERAÇÃO AUTÁRQUICAS
(Anadia e Vila Nova de Cerveira)
ANADIA
INDEPENDENTE – Teresa Belém Cardoso
PSD – Litério Marques
CDU – Fátima Flores
CERVEIRA
INDEPENDENTE – Fernando Nogueira
PS – Nuno Silva
CDU – Eusébio Moreno
- Analisamos hoje duas situações que há 4 ou 8 anos eram praticamente impossíveis de acontecer: os dois grandes partidos (PS e PSD) não concorrem a algumas câmaras e decidem apoiar listas independentes. É uma novidade.
a) Anadia – PS não concorre e apoia a Presidente da Câmara que foi eleita em lista independente e volta a recandidatar-se em lista independente;
b) Vila Nova de Cerveira – PSD faz o mesmo. Não concorre e poia a lista independente do Presidente da Câmara.
- Por que é que isto sucede? Porque os partidos não gostam de perder. E às vezes, em vez de assumirem uma candidatura de derrota, preferem apoiar listas de independentes. Salvam a face.
- O que é que isto evidencia?
- Um sinal de fraqueza dos principais partidos. Até há 4 ou 8 anos concorriam em todos os municípios. Hoje PSD não concorre a 5 concelhos. PS não concorre a 11.
- Um sinal de força dos movimentos independentes. Estão a ganhar terreno, embora, salvo raras excepções, são, na prática, dissidentes dos partidos (falsos independentes).
Notas Finais:
- Agência chinesa (Dagong) admite, ainda este ano, elevar o rating de Portugal, retirando-o do nível Lixo. Esta decisão, a ser tomada, permitirá que as entidades e investidores chineses possam comprar dívida pública portuguesa (cai uma restrição actualmente existente).
- Cumprimento a 3 velejadores (campeões europeus – classe Dragão).
- Homenagem ao piloto Américo Nunes de Sousa