Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
Luís Marques Mendes, no habitual comentário ao domingo na SIC, fala dos casos da semana. O Negócios publica o excerto desses comentários.
RESCALDO DE TANCOS
- Tenho um enorme respeito pela instituição militar e sou mesmo um admirador das qualidades do General Pina Monteiro. Posto isto, estas declarações são absolutamente surpreendentes.
a) Primeiro, pela linguagem – Falar em "soco no estômago" e "levantar cabeça" é linguagem mais própria de jogador de futebol. Não é adequado a um oficial general.
b) Segundo, pela contradição – No princípio dizia-se que o assalto tinha sido muito grave. Agora, afinal, parece que já não é: em valor parece que são só uns trocos; em qualidade, parece que é sucata.
- Só falta dizer que os assaltantes são uns "queridos", porque até ajudaram a limpar o armazém de Tancos.
- Falando agora mais a sério. Eu sei que os Chefes Militares querem ser simpáticos com o poder político, desvalorizando a situação e baixando a pressão sobre o Governo. Já sucedeu antes com o CEME.
- Mas atenção! Os Chefes Militares não devem ser simpáticos ou antipáticos, mas sim independentes. Devem recordar que são órgãos do Estado e não órgãos do Governo. Cooperação com o Governo, sim. Subserviência ao Governo, não!
- Este tipo de declarações não ajuda em nada ao prestígio da intervenção militar.
RACISMO NA PSP DA AMADORA?
Três apontamentos:
- Primeiro: Esta acusação do Ministério Público é um trabalho inédito, corajoso e importante.
- Inédito, porque não me lembro de uma acusação com esta gravidade e profundidade no âmbito da PSP;
- Corajoso, porque esta não é uma investigação fácil de fazer. Trata-se de uma investigação no âmbito de uma força de segurança;
- Importante, porque chama a atenção do problema da violência policial dentro das esquadras, ainda por cima com a gravidade de ter motivações racistas. Não é possível erradicar estes fenómenos sem os conhecer e sem os julgar.
- Segundo apontamento: A desautorização da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI).
a) A IGAI também investigou a actuação da PSP neste caso. E chegou a conclusões bem diferentes das do Ministério Público.
b) Não fica, pois, muito bem neste filme. Sai desautorizada. Afinal, esta acusação do Ministério Público é, na prática, uma "bofetada" na IGAI.
- Finalmente: a ausência da Ministra. Perante um caso desta gravidade, não se ouviu uma palavra da Ministra da Administração Interna.
- E, todavia, devia ter falado para separar o trigo do joio. A Ministra devia pedir justiça para quem prevarica mas devia apoiar também todos aqueles que na PSP cumprem a lei e não prevaricam. Um caso isolado, ainda que grave, não mancha a reputação e a imagem geral da PSP.
- Esta ausência é mais uma prova de que a Ministra está fragilizada e diminuída politicamente.
A MINI-REMODELAÇÃO
- As remodelações de Secretário de Estado não têm, por norma, novidades políticas. Secretários de Estado são Secretários de Estado. Não são Ministros.
Mas esta mini-remodelação tem 2 novidades: a saída de um peso pesado do PS como é Margarida Marques; e o reforço do poder do Ministro Santos Silva.
- Margarida Marques não era uma Secretária de Estado qualquer. Era uma espécie de Ministra dos Assuntos Europeus; íntima de António Costa; uma histórica do PS; competente em matérias europeias.
- Sai então porquê? Porque tinha más relações com parte da Comissão Europeia; porque tinha más relações com a REPER; mas, sobretudo, porque se assumiu como uma espécie de Ministra dos Assuntos Europeus e isso colide com o estatuto do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Era como se Santos Silva fosse Ministro dos Negócios Estrangeiros mas amputado das questões europeias.
- Por isso é que a saída de Margarida Marques é um reforço do poder e da autoridade do Ministro Santos Silva.
- Ele impôs o seu poder. Afirmou a sua autoridade. E ganhou. A partir de agora vai ser, em pleno, Ministro dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Europeus.
- Sem ser ensombrado por ninguém. E coadjuvado por uma Secretária de Estado que é uma embaixadora competentíssima.
- Nota final – Nesta viragem de ciclo na vida do Governo, há 2 governantes que saem reforçados - Santos Silva e Pedro Nuno Santos. Ambos deram a cara pelo Governo. E um pode emergir – Pedro Marques, uma espécie de Fontes Pereira de Melo de Pedrógão.
O ESTADO DA NAÇÃO
- O debate – O debate foi de uma pobreza franciscana. Mais do mesmo. Repetitivo, previsível, sem novidades, centrado nas questões do presente e sem uma ideia para o futuro.
- Há sobretudo três conclusões a tirar:
a) Primeira: apesar de ocorrer no pior momento do Governo, o Executivo sai incólume do debate. Não é que António Costa tivesse recuperado a melhor forma do passado. Ainda está longe disso. Mas a oposição não foi capaz de lhe criar nenhuma dificuldade de monta.
b) Segunda: a coligação governamental está de pedra e cal. Mais unida e sólida do que nunca. Quem esperasse brechas e divisões na chamada geringonça enganou-se redondamente. PCP e BE deram uma proteção total ao Governo. Quem pensar em crise política o melhor é "tirar o cavalinho da chuva". A maioria de esquerda está para durar.
c) Terceira: a vida da oposição não está fácil e não vai ser fácil no futuro.
- Não conseguiu capitalizar com tudo o que se passou no pior momento do Governo.
- E tem dois obstáculos de monta pela frente: as eleições autárquicas (que não são favoráveis ao PSD) e a economia, que vai continuar a crescer (e essa é a grande mais-valia do Governo).
- A desilusão final é que nenhuma questão de fundo foi tratada neste debate. Um exemplo:
- Estamos a viver uma oportunidade histórica em termos de crescimento económico. Vamos ter este ano um crescimento de cerca de 3% do PIB. O melhor resultado desde o início do século.
- Devíamos aproveitar esta oportunidade para acelerar a redução da dívida pública. Era importante para reforçar a credibilidade internacional; para melhorar o rating da república; para atrair novos investidores. Apesar disso, nem uma palavra.
O FUTURO DE MONTENEGRO
- Luís Montenegro teve no debate do estado da Nação a sua última grande intervenção como líder parlamentar. Vai deixar o cargo, por ter atingido o limite de mandatos.
- Montenegro foi durante 6 anos consecutivos líder parlamentar do PSD.
- Foi um bom líder parlamentar. Dos melhores que o PSD teve até hoje. Combativo, corajoso, sólido e competente. Prestou grandes serviços ao partido.
- Ganhou estatuto para poder vir a ser, um dia, líder do PSD. Tem vontade, tem ambição e tem qualidades.
- Quando é que isso pode suceder? Como está intimamente ligado a Passos Coelho, tal só poderá suceder quando o actual líder abandonar a liderança.
- Disputa da liderança
a) No curto prazo, a seguir às eleições autárquicas, o cenário mais verosímil é haver 2 ou 3 candidatos a líder do PSD: dois certos (Passos Coelho e Rui Rio) e um provável (Paulo Rangel – que já foi candidato no passado, que tem legítima ambição e que, se não voltar a ser, corre o risco de desaparecer deste combate).
b) No médio prazo, a seguir a 2019, há dois outros nomes que podem emergir: Luís Montenegro, que tem um estatuto forte; e mais tarde Carlos Moedas, actual Comissário europeu, que está a fazer um bom lugar em Bruxelas, que pode fazer um segundo mandato e regressar mais tarde à política com prestígio e experiência.
- Ou seja, no curto, médio e longo prazo, haverá muito por onde escolher.
ALTICE COMPRA A TVI
- O que significa esta compra? Uma verdadeira revolução no sector da comunicação social. Um grupo estrangeiro de comunicação social fica com um poder brutal de investimento e de intervenção, quer no sector dos media, quer na área das telecomunicações. É algo a que nunca antes tínhamos assistido. Uma completa mudança de paradigma, no sector da comunicação social.
- Que riscos é que esta situação envolve? O risco é o de uma excessiva concentração de poder em vários domínios: no domínio da televisão e da rádio; no domínio das telecomunicações; no domínio dos conteúdos áudio-visuais; no domínio do mercado publicitário.
- O que vai suceder agora? A intervenção dos reguladores.
- Os reguladores, sobretudo a Autoridade da Concorrência, vão aprovar ou chumbar esta compra?
- E, se aprovarem, com que restrições? E com que garantias de não haver afirmações de posições dominantes?
- E os demais operadores – sobretudo a NOS e a IMPRESA – como vão reagir? Que decisões vão tomar? As dúvidas são grandes. Certas, certas, são duas coisas:
- A primeira é que a procissão ainda não chegou ao adro e a polémica ainda só agora começou.
- A segunda é o sinal dado pelo Presidente da República. Ao receber no mesmo dia, em audiência, ter recebido a Altice e Francisco Pinto Balsemão, os dois concorrentes, o sinal de Marcelo é que quer equilíbrio e não hegemonia.
- Nota final – Quanto a António Costa andou muito mal no Parlamento ao criticar a Altice. É um tique socrático. Seja para agradar à esquerda, seja para se demarcar da compra da TVI, um PM não deve pronunciar-se sobre a vida das empresas privadas.
OPERAÇÃO AUTÁRQUICAS
- OEIRAS – Uma eleição polémica
a) Vai ser um dos casos mais badalados com uma campanha muito viva e marcante:
- De um lado, uma guerra verbal muito forte entre o actual e o anterior presidente. Já foram parceiros, agora são adversários.
- Do outro lado, o PS com um candidato cheio de promessas de obras e investimentos. Um candidato que já foi Presidente da Câmara da Amadora.
- Do lado do PSD/CDS, um candidato diferente do tradicional – um self made man; um ex-aluno da Casa Pia; que subiu a vida a pulso e que quer fazer uma campanha atípica junto dos jovens.
- E, finalmente, a questão essencial: como é que vão reagir os eleitores de Oeiras a um candidato que já foi presidente, que depois foi condenado em tribunal por crimes graves, que cumpriu pena de prisão e que agora regressa? É uma incógnita. Nunca tivemos um caso do género.
- Peniche – Um dos poucos casos em que a CDU tem sérias dificuldades.
a) É uma Câmara da CDU há 12 anos. Só que o Presidente da Câmara atinge o limite de mandatos, não pode recandidatar-se e a divisão instalada é grande.
b) Há 2 candidatos da área da CDU:
- O candidato oficial, que é actualmente o Presidente da Assembleia Municipal;
- O candidato independente, também da área da CDU, é o actual Presidente de Junta da Freguesia de Peniche.
c) O candidato do PS é um antigo Presidente de Câmara (que entretanto já foi candidato várias vezes) e o candidato do PSD é um jovem, que concorre pela primeira vez.
d) Com a divisão no eleitorado da CDU tudo pode acontecer – qualquer um pode ganhar.
NOTAS FINAIS
- Saudação ao Porto e a Rui Moreira – Ganharam o direito de apresentar a candidatura portuguesa à instalação em Portugal da Agência Europeia do Medicamento.
- Homenagem a Américo Amorim
- Deixa um grande império. Mas não o herdou. Construiu-o a pulso, com trabalho e iniciativa.
- Construiu um grande império. Mas não o construiu à custa ou com o favor do poder político. Américo Amorim cultivou sempre uma certa distância do Estado, dos governos, dos partidos. Não andava pendurado no poder político.
- Foi um visionário. Via mais longe que os outros; via antes dos outros; e via onde os outros não viam. Por isso, foi mais longe que os outros.
- Criou um grande Grupo Empresarial. Mas não se deslumbrou com o poder. Não se lhe conhecem gestos, actos ou atitudes de exibição ou ostentação do poder. Bem ao invés. Cultivou a sobriedade, a decisão e a simplicidade.
- Homens assim fazem falta a Portugal. Criam riqueza, geram emprego e são boas referências.